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17 de Setembro de 2017 às 14:00

Como renovar o projecto europeu

França e a Alemanha podiam tomar medidas conjuntas em relação a muitas questões, como as alterações climáticas, a crise dos refugiados e a luta contra o terrorismo. Coordenar esforços nestas frentes revitalizaria o processo de integração e contribuiria para a estabilidade e prosperidade da Europa a longo prazo.

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As eleições presidenciais e legislativas francesas no início deste ano deram uma nova esperança ao projecto de integração europeia, aumentando as perspectivas de uma cooperação franco-alemã mais profunda. No entanto, algumas formas de cooperação, incluindo esquemas de partilha de responsabilidades, são um erro. Enquanto os Estados-membros tiverem soberania no que respeita às políticas económicas e orçamentais, França e Alemanha devem concentrar os seus esforços em tornar a própria Zona Euro mais resiliente.

 

O presidente francês Emmanuel Macron começou a perseguir reformas urgentes para impulsionar o crescimento económico, e é crucial que seja bem-sucedido nesse esforço. França tem um desemprego estrutural muito elevado, um baixo crescimento potencial, e as finanças públicas são insustentáveis no médio prazo. Melhorar isto exigirá reformas do mercado de factores e produtos, juntamente com profundas reduções nos défices do sector público.

 

Do ponto de vista de França, não há melhor momento do que agora para implementar reformas económicas. Embora a Zona Euro esteja a mostrar sinais de recuperação económica sólida, o Banco Central Europeu está a sentir-se cada vez mais pressionado a diminuir as suas políticas monetárias ultra-expansionistas. Assim, o governo de Macron não tem tempo a perder, especialmente porque as reformas económicas podem demorar tempo a produzir resultados, e as próximas eleições estão sempre ao virar da esquina.

 

À luz desta pequena janela de oportunidade, a última coisa que França precisa é mais esquemas de investimento conjunto, como alguns propuseram. O crescimento económico requer não apenas investimentos de capital, mas também um ambiente de negócios onde a inovação é encorajada e recompensada. E, de qualquer forma, não faria sentido que França dependesse de outros Estados-membros para investimentos. Como é que França pode afirmar que recuperou a sua grandeza passada se está a pedir ajuda à Alemanha?

 

Além de implementar reformas domésticas, França ainda pode trabalhar com a Alemanha para enviar uma mensagem poderosa de apoio à integração europeia. Mas, enquanto ambos os países procuram áreas onde possam cooperar, devem ter o cuidado de evitar políticas que ameacem a estabilidade a longo prazo da Zona Euro.

 

Infelizmente, algumas propostas actualmente em discussão fariam precisamente isso. Por exemplo, o estabelecimento de um orçamento partilhado ao nível da Zona Euro ou um regime de subsídio de desemprego, nesta fase, plantaria as sementes de futuros conflitos. É inconcebível que os responsáveis políticos nacionais, atendendo aos próprios interesses dos seus países, evitassem que esses acordos se transformassem em esquemas de transferência assimétrica permanente.

 

Para evitar conflitos de distribuição que só envenenam o projecto europeu, qualquer reforma institucional que seja proposta em nome da cooperação franco-alemã deve ter que passar por um rígido teste de sustentabilidade. Os decisores políticos europeus devem garantir que há congruência entre o poder de tomar decisões e as responsabilidades associadas a quaisquer decisões que sejam tomadas. Seria ingénuo pensar que os Estados-membros não empurrarão os custos das suas escolhas para outros Estados-membros se tiverem oportunidade de o fazer.

 

Além disso, existem muitas outras áreas onde a Alemanha e França podem fortalecer a cooperação e dar um novo impulso à integração europeia. Para determinar onde podem concentrar os seus esforços, os líderes franceses e alemães devem ter em mente três princípios relacionados. Primeiro, qualquer esforço conjunto deve respeitar a diversidade. A força central do projecto europeu é que ele une os seus Estados-membros na prossecução da paz e prosperidade. Mas isso requer um reservatório de ideias rico, e não uma abordagem singular e unificada.

 

O segundo princípio é a subsidiariedade, que afirma que a tomada de decisões deve ser descentralizada sempre que possível. Isso garante que as preferências locais e regionais são consideradas juntamente com os efeitos das economias de escala e da harmonização da Zona Euro.

 

O último princípio é a congruência, para garantir que os decisores são responsáveis pelos resultados das suas decisões. Isso significa que, enquanto os eleitores europeus insistirem em manter a soberania sobre a formulação de políticas orçamentais e económicas, a responsabilidade partilhada será um sonho.

 

Com estes princípios em mente, França e a Alemanha podiam tomar medidas conjuntas em relação a muitas questões, como as alterações climáticas, a crise dos refugiados e a luta contra o terrorismo. Coordenar esforços nestas frentes revitalizaria o processo de integração e contribuiria para a estabilidade e prosperidade da Europa a longo prazo.

 

No que respeita à política económica, França e a Alemanha devem procurar formas de fortalecer a Zona Euro e completar o mercado único. O privilégio que a dívida pública tem ao abrigo dos regulamentos bancários actuais deve ser eliminado, e deve ser estabelecido um regulador da banca independente dentro da Zona Euro, separado do Banco Central Europeu. Além disso, é hora de começar a implementar um esquema viável de insolvência soberana para o bloco.

 

Todas estas iniciativas poderiam ser implementadas simultaneamente com reformas domésticas em França. Mas há o risco de serem ultrapassadas por outras propostas, como esquemas de responsabilidade partilhada. Para evitar essa armadilha, os decisores políticos devem considerar a origem do baixo potencial de crescimento da Zona Euro, que não é resultado de uma solidariedade insuficiente, mas do facto de cada um dos Estados-membros abnegar das suas responsabilidades nacionais. Em vez de garantir uma cura para esses problemas, a responsabilidade partilhada só os agravaria.

 

Os defensores dessa ideia acreditam que mais responsabilidade partilhada pode abrir caminho para a responsabilidade individual. Mas isso é uma ilusão. Uma vez implementado, um regime de responsabilidade partilhada reduziria os incentivos para implementar reformas estruturais. E entre os eleitores alemães, nada penalizaria mais o apoio ao projecto europeu do que mais um conjunto de promessas não cumpridas.

 

Christoph M. Schmidt é chairman do German Council of Economic Experts e presidente do RWI – Leibniz Institute for Economic Research, um dos principais institutos de pesquisa económica da Alemanha.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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