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11 de Fevereiro de 2018 às 14:00

Como perder uma guerra comercial

As guerras comerciais são para perdedores. Talvez essa seja a derradeira ironia para um presidente que prometeu que a América devia começar a "ganhar" novamente.

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Proteccionista desde o início, a administração do presidente Donald Trump passou agora da retórica à acção na sua campanha declarada para defender os trabalhadores americanos daquilo que Trump chama de "carnificina" e de "acordos comerciais terríveis". Infelizmente, esta abordagem é, na melhor das hipóteses, descabida. E na pior das hipóteses, pode fazer com que outros apliquem medidas de retaliação que vão exacerbar a situação difícil dos consumidores norte-americanos de classe média. É assim que começam as guerras comerciais.

 

A China é claramente um alvo. A imposição, a 23 de Janeiro, das chamadas tarifas de salvaguarda sobre as importações de painéis solares e de máquinas de lavar roupa, de acordo com a Secção 201 da US Trade Act de 1974, está direccionada sobretudo à China e à Coreia do Sul. Esta pode ser a primeira de várias medidas.

 

No passado mês de Agosto, o Representante do Comércio dos EUA iniciou  investigações, no âmbito da Secção 301, à China em três áreas: direitos de propriedade intelectual, inovação e desenvolvimento tecnológico. A isto provavelmente vão seguir-se sanções. Além disso, a chamada investigação à ameaça à segurança nacional, no âmbito da Secção 232, que representam as importações injustas de aço também visam a China, dado que é a maior produtora do mundo de aço.

 

Dificilmente estas acções pode ser vistas como uma surpresa para um presidente que prometeu no seu discurso de tomada de posse há um ano "…proteger as fronteiras [americanas] dos danos provocados por outros países nos nossos produtos, nas nossas empresas e na destruição dos nossos empregos". Mas esse é precisamente o problema. Apesar do cri de coeur América Primeiro da administração Trump, os EUA podem estar no lado derrotado da guerra comercial.

 

Para começar, as tarifas sobre os painéis solares e sobre as máquinas de lavar roupa estão totalmente desfasadas das transformações nas cadeias mundiais de abastecimento das duas indústrias. A produção de painéis solares há muito que se deslocou da China para países como a Malásia, Coreia do Sul e Vietname que, em conjunto, são responsáveis por cerca de dois terços das importações totais dos EUA de painéis solares. E a Samsung, um dos principais fornecedores externos de máquinas de lavar roupa, abriu recentemente uma nova fábrica para produzir electrodomésticos na Carolina do Sul.

 

Além disso, a fixação da administração Trump com o sobredimensionado desequilíbrio comercial bilateral com a China faz com que não preste atenção a forças macroeconómicas mais amplas que fizeram com que os EUA tenham défices comerciais multilaterais com 101 países. A falta de poupanças domésticas, e o desejo de consumir e crescer, faz com que os Estados Unidos tenham de importar o excedente de poupanças de outros países e tenha défices comerciais e da conta corrente de forma a atrair capital externo.

 

Em consequência, ir atrás da China, ou de qualquer outro país, sem abordar a raiz do problema - que é a poupança baixa - é como pressionar uma das pontas de um balão de água: a água simplesmente vai para o outro lado. O défice orçamental dos Estados Unidos deverá aumentar pelo menos até um bilião de dólares durante os próximos dez anos, devido aos recentes cortes nos impostos e devido às pressões sobre as poupanças domésticas que vão apenas aumentar. Neste contexto, as políticas protecionistas representam uma ameaça séria às já difíceis exigências de financiamento externo – colocando pressão sobre as taxas de juro dos EUA, na taxa de câmbio ou em ambas.

 

A somar a isto, pode esperar-se que os parceiros comerciais dos Estados Unidos respondam, colocando em risco o crescimento económico norte-americano, que está assente nas exportações. Por exemplo, a imposição de tarifas como forma de retaliação para com a China – o terceiro mercado para as exportações norte-americanas, bem como o que está em crescimento mais rápido – pode colocar um travão real nas exportações norte-americanas para o país: soja, aviões, vários tipos de maquinaria e componentes para veículos motorizados. E, claro, a China pode sempre limitar a compra de obrigações do Tesouro dos Estados Unidos, o que teria consequências sérias para os preços dos activos financeiros.

 

Finalmente, é necessário considerar que os ajustamentos dos preços vão, provavelmente, conduzir a uma subida dos mesmos devido à inércia dos fluxos comerciais existentes. As pressões concorrenciais dos produtos estrangeiros com baixos custos vão levar a uma queda de 70% - desde 2010 - dos custos médios para a instalação de painéis solares nos Estados Unidos. As novas tarifas vão impulsionar o preço dos painéis solares produzidos no estrangeiro – o equivalente funcional para os consumidores a uma subida dos impostos sobre a energia e um revés nos esforços para aumentar a dependência de combustíveis sem emissões de carbono. Uma resposta semelhante pode ser esperada por parte dos produtores das máquinas de lavar roupa importadas para os EUA; a LG Electronics, a principal fornecedora externa, anunciou um aumento de 50 dólares por unidade em resposta à imposição de tarifas por parte dos Estados Unidos. Os consumidores já estão a perder com os primeiros confrontos da administração Trump.

 

Ao contrário do que Donald Trump afirma com o seu discurso duro, não há uma estratégia vencedora numa guerra comercial. Isso não significa que os políticos americanos devam evitar abordar práticas comerciais injustas. O mecanismo de resolução destas disputas da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi desenhado precisamente com este objectivo, tendo estado a trabalhar de forma eficaz, e tendo sido benéfico para os EUA. Desde o início da Organização Mundial do Comércio, em 1995, que os EUA apresentaram 123 das 537 disputas que chegaram aquele organismo – incluindo 21 contra a China. Apesar das adjudicações da OMC exigirem tempo e esforço, a maior parte das vezes as suas decisões favoreceram os EUA.

 

Enquanto país com leis, os Estados Unidos dificilmente podem operar fora do âmbito do sistema comercial mundial que assenta em regras. Se for caso disso, isto sublinha a tragédia que foi a decisão da administração Trump de retirar o país da Parceria Trans-Pacífico, que teria dado um enquadramento novo e poderoso para abordar os receios em torno das práticas comerciais da China.

 

Ao mesmo tempo, os EUA têm todo o direito de insistir num acesso justo aos mercados externos para as suas empresas multinacionais; ao longo dos anos, mais de 3.000 tratados bilaterais de investimento foram assinados por todo o mundo para garantir um tratamento equitativo. A falta de um tratado assim entre os EUA e a China é uma excepção gritante, o que acaba por ter um efeito negativo: um limite às oportunidades que as empresas norte-americanas têm para participar no rápido crescimento do mercado de consumo interno da China. Com as tensões comerciais a crescerem, as esperanças de que houvesse desenvolvimentos quanto a um tratado de investimento EUA-China foram frustradas.

 

As guerras comerciais são para perdedores. Talvez essa seja a derradeira ironia para um presidente que prometeu que a América devia começar a "ganhar" novamente. O senador Reed Smoot e o membro da Câmara dos Representantes Willis Hawley fizeram a mesma promessa vã em 1930, o que levou à aplicação de tarifas proteccionistas que exacerbaram a Grande Depressão e destabilizaram a ordem internacional. Infelizmente, uma das lições mais dolorosas da história moderna foi esquecida.

 

Stephen S. Roach, membro da Universidade de Yale e antigo chairman do Morgan Stanley Asia, é o autor de Unbalanced: The Codependency of America and China.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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