Opinião
À beira de uma revolução da inteligência artificial
Podemos esperar que a inovação tecnológica continue a desenvolver-se a um ritmo mais célere do que nas gerações anteriores. A IA vai tornar-se como a corrente eléctrica – invisível e cada vez mais próxima de ser parte das nossas vidas.
Durante os últimos 30 anos, os consumidores colheram os benefícios dos grandes avanços tecnológicos. Em muitos países, a maioria das pessoas tem agora nos seus bolsos um computador pessoal mais potente que os mainframes (computadores de grandes dimensões) da década de 1980. O computador Atari 800 XL no qual desenvolvi jogos quando estava na escola secundária era suportado por um microprocessador com 3.500 transístores; o computador que corre no meu iPhone hoje tem dois mil milhões de transístores. Naquela altura, um gigabyte de armazenamento custava cem mil dólares e tinha o tamanho de um frigorífico; hoje é basicamente livre e tem milímetros de dimensão.
Mesmo com estes elevados ganhos, podemos esperar progressos mais rápidos à medida que todo o planeta – pessoas e coisas – estiver ligado. Cinco mil milhões de pessoas já têm acesso a dispositivos móveis e mais de três mil milhões de pessoas podem aceder à internet. Nos próximos anos, 50 mil milhões de coisas – desde lâmpadas a frigoríficos, estradas, roupas – vão estar ligados à internet também.
Mais ou menos em cada geração, novas tecnologias convergem e algo revolucionário acontece. Por exemplo, o amadurecimento da internet, a banda larga acessível e a compreensão de arquivos, e o icónico iPhone da Apple permitiram o lançamento de empresas como a Uber, Airbnb, Youtube, Facebook e Twitter. Ajudou também a redefinir a experiência móvel do consumidor.
Agora estamos à beira de uma outra grande convergência: a dos grandes dados, machine learning e o aumento do poder dos computadores, que vai fazer com que rapidamente a inteligência artificial, ou IA, seja omnipresente.
A inteligência artificial segue a máxima de Albert Einstein que os génios tornam a simplicidade em complexidade. Por isso, à medida que o mundo se torna mais complexo, a inteligência artificial torna-se na tecnologia essencial do século XXI, tal como o microprocessador era no século XX.
Os consumidores já se encontram com a IA diariamente. A Google usa machine learning para completar as solicitações de pesquisa e frequentemente prevê com precisão o que alguém está à procura. O Facebook e a Amazon usam algoritmos preditivos para fazer recomendações com base no histórico de leitura e de compras do utilizador. A IA é a componente central dos carros autónomos – que podem agora evitar colisões e o tráfego congestionado – e de sistemas de jogos como o AlphaGo da Google DeepMind, um computador que venceu Lee Sedol, mestre de Go, numa competição com cinco jogos no início deste ano.
Dadas as amplas aplicações da IA, todas as empresas enfrentam hoje o imperativo para integrá-la nos seus produtos e serviços. Por outro lado, as que não o fizerem não vão ser capazes de concorrer com empresas que usam redes de recolha de dados para melhorar a experiência de utilização dos clientes e orientar as decisões empresariais. A próxima geração de consumidores terá crescido com as tecnologias digitais e espera que as empresas antecipem as suas necessidades e forneçam respostas rápidas e personalizadas a qualquer questão.
Até agora, a IA tem sido dispendiosa ou complexa de mais para que muitos negócios consideram usá-la. Pode ser difícil integrar nas operações empresariais já existentes e historicamente exigiu cientistas de dados altamente qualificados. Em resultado disso, muitos negócios continuam a tomar as suas decisões importantes com base em instintos em vez de informação.
Isto vai mudar nos próximos anos, na medida em que a IA se tornar mais difundida, tornando potencialmente cada companhia e cada funcionário mais inteligente, rápido e mais produtivo. Os algoritmos de machine learning podem analisar milhares de milhões de sinais para direccionar as chamadas de atendimento ao cliente automaticamente para o agente mais apropriado ou determinar que clientes têm a maior probabilidade de comprar um produto em particular.
E as aplicações de IA vão para além do comércio a retalho: de acordo com a consultora A.T. Kearney, 90% das vendas ainda são feitas em lojas físicas. Brevemente, quando os clientes entrarem numa loja física, vão ser saudados por chat-bots (um robô que fala) que podem recomendar produtos com base no histórico de compras, oferecer descontos especiais e tratar de questões dos serviços dos clientes.
Avanços no chamado "conhecimento profundo", um ramo da IA demonstrado com base nas redes neurais do cérebro, podem permitir aos assistentes inteligentes digitais ajudar a planear férias com a perspicácia de um assistente humano ou determinar os sentimentos dos clientes no que diz respeito a uma marca em particular, com base em milhões de sinais de redes sociais e outras fontes de dados. Em termos de cuidados de saúde, os algoritmos de "conhecimento profundo" podem ajudar os médicos a identificar tipos de células cancerígenas ou anomalias intracranianas em qualquer lugar do mundo em tempo real.
Para fazer um uso eficaz da IA, as empresas têm de manter em mente a sua privacidade e segurança. Dado que IA está cheia de dados, quantos mais dados a máquina tenha sobre o indivíduo, melhor pode prever as suas necessidades e agir em conformidade. Claro que o elevado fluxo de dados pessoais pode ser usado de uma forma que se constitua como um abuso de confiança. As empresas vão ter de ser transparentes sobre como usam os dados das pessoas. A IA pode também detectar e defender as empresas de fugas de segurança digital e vão ter um papel fundamental na protecção da privacidade do utilizador e na construção de confiança.
Tal como nos períodos anteriores de transformação económica, a IA vai desencadear novos níveis de produtividade, complementando as nossas vidas pessoais e profissionais e colocar questões existenciais sobre a relação entre o Homem e a máquina. Vai perturbar indústrias e deslocar trabalhadores na medida em que torna cada vez mais tarefas autónomas. Mas tal como a internet há 20 anos, a IA vai melhorar os empregos existentes e criar novos. Devemos esperar isto e adaptarmo-nos de acordo com a oferta de formação para os empregos de amanhã, bem como, ter redes de segurança para aqueles que vão ficar pelo caminho.
A IA ainda está muito longe de ultrapassar a inteligência humana. Passaram 60 anos desde que John McCarthy, cientista de computação e pai da IA, introduziu pela primeira vez o termo durante uma conferência no Dartmouth College. Além disso, os computadores apenas recentemente foram capazes de detectar gatos nos vídeos do Youtube ou determinar o melhor caminho para o aeroporto.
Podemos esperar que a inovação tecnológica continue a desenvolver-se a um ritmo mais célere do que nas gerações anteriores. A IA vai tornar-se como a corrente eléctrica – invisível e cada vez mais próxima de ser parte das nossas vidas. Daqui a trinta anos vamos pensar como é que passamos sem os nossos assistentes digitais aparentemente telepáticos tal como hoje é difícil imaginar deixar passar mais do que apenas uns minutos sem ver o mainframe da década de 1980 que está nos nossos bolsos.
Marc Benioff é o CEO da Salesforce, uma empresa de computação na nuvem.
Copyright: Project Syndicate, 2016.
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Tradução: Ana Laranjeiro