Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

A importância de medir a inclusão financeira

O Global Findex dá aos legisladores a informação e a motivação necessárias para realizar acções que melhorem o bem-estar dos cidadãos. À falta de uma teoria sólida que explique a relação entre bens e serviços, por um lado, e dinheiro e finanças, por outro, isso não poderia ser mais benéfico.

  • ...

Na economia moderna, a interacção entre a oferta e a procura nos bens e serviços é bem compreendida, graças ao trabalho do falecido Kenneth Arrow e Gérard Debreu. Mas as ligações entre o domínio dos bens e serviços e o do dinheiro e finanças são tão matematicamente complexas que, apesar de repetidas tentativas, a nossa compreensão continua rudimentar. Como resultado, a maioria das decisões políticas no domínio do dinheiro e finanças baseiam-se em regularidades observadas nos dados.

 

É por isso que o relatório trienal Global Findex do Banco Mundial é tão importante. Com base numa pesquisa com mais de 150.000 indivíduos representativos, o relatório apresenta uma visão geral dos padrões e regularidades dos dados relativos a finanças e inclusão financeira - como comportamentos de poupança, uso de dinheiro móvel e formas preferidas de enviar e receber remessas - em 140 economias. As percepções recolhidas a partir desses dados oferecem uma ajuda de vital importância na formulação de políticas eficazes.

 

O último relatório Global Findex mostra-nos que 515 milhões de pessoas abriram uma "conta bancária" numa instituição financeira tradicional ou através de um prestador de serviços de dinheiro móvel entre 2014 e 2017. Como resultado, 69% dos adultos no mundo têm agora contas bancárias, acima dos 62% em 2014 e 51% em 2011. Este aumento da inclusão financeira é uma notícia positiva, até porque no caso de um choque de rendimentos, o consumo de uma família cairá muito menos se estiver ligado ao sector financeiro formal.

 

O último relatório Global Findex também ressalta os benefícios conferidos pelo acesso ao dinheiro móvel, especialmente para as mulheres. De acordo com um estudo - citado no relatório do Banco Mundial - de Tavneet Suri do MIT e William Jack da Universidade de Georgetown, as contas móveis permitiram que 185.000 mulheres quenianas deixassem a agricultura e iniciassem pequenos negócios e actividades de retalho mais lucrativas.

 

De forma mais ampla, o acesso ao dinheiro móvel apoiou um aumento de 20% na poupança das famílias chefiadas por mulheres no Quénia. E, como mostra o relatório Global Findex, usando dados da Índia, a fuga de fundos para pagamentos de pensões diminui drasticamente quando o pagamento é feito com cartões inteligentes em vez de dinheiro.

 

Mas, além de fornecer evidências para apoiar a formulação de políticas eficazes, o relatório Global Findex tem outro benefício crucial: estimula a competição saudável entre os países em áreas que, em última análise, melhoram o bem-estar dos cidadãos. Afinal, é um traço humano inevitável que gráficos e rankings credíveis possam despertar espíritos aspiracionais.

 

A economia neoclássica dominante ignora amplamente esse facto, sugerindo, em vez disso, que a nossa "função de utilidade", ou a que aspiramos maximizar, é exógena. Mas se isso fosse verdade, não haveria muita disputa em relação às classificações de crédito, aos rankings Doing Business do Banco Mundial ou até mesmo às medalhas olímpicas.

 

A competição motivada pelo ranking Global Findex pode ser particularmente valiosa, especialmente no que diz respeito à inclusão financeira. De acordo com o último relatório, as economias mais inclusivas do mundo são os países nórdicos, assim como o Canadá e os Países Baixos, todos com uma pontuação de 100% (ou seja, praticamente todas as pessoas têm uma conta). No extremo oposto estão a República Centro-Africana, onde a inclusão financeira abrange apenas 14% dos residentes, e o Afeganistão, com 15%.

 

Entre esses dois extremos estão o Paquistão (21%), a Tanzânia (47%), a Indonésia (49%), o Bangladesh (50%), a China (80%) e o Quénia (82%). Os Estados Unidos têm uma pontuação de 93% - decente, mas fraca para um país rico. Na verdade, os Estados Unidos ficam atrás de Singapura (98%), do Reino Unido (96%) e de Hong Kong (95%). Isto deve servir de incentivo para aumentar os esforços no sentido de melhorar a pontuação dos EUA.

 

O relatório Global Findex também quantifica e classifica os países de acordo com a disparidade de género na inclusão financeira. Aqui, a Jordânia tem o pior resultado, seguida pela Turquia. Curiosamente, há seis países onde mais mulheres do que homens têm contas bancárias: Argentina, Geórgia, Indonésia, Laos, Mongólia e Filipinas.

 

Naturalmente, estes rankings não são as únicas informações valiosas que podemos retirar do relatório Global Findex; os dados são muito mais subtis do que isso. Para começar, mostra as mudanças ao longo do tempo. A Índia, por exemplo, fez grandes avanços na expansão da inclusão financeira. Em 2011, apenas 35% dos adultos tinham contas bancárias. Em 2014, esse número subiu para 53%. Hoje, está em 80%.

 

No entanto, deve-se notar também que 48% das contas na Índia estão "inactivas" - isto é, não foram usadas nos últimos 12 meses. Esta é a maior parcela de contas inactivas no mundo e exactamente o dobro da média dos países em desenvolvimento, que é de 24%.

 

Resumindo, o relatório Global Findex dá aos legisladores a informação e a motivação necessárias para realizar acções que melhorem realmente o bem-estar dos cidadãos. À falta de uma teoria sólida que explique a relação entre bens e serviços, por um lado, e dinheiro e finanças, por outro, isso não poderia ser mais benéfico.

 

Kaushik Basu, antigo economista-chefe do Banco Mundial e assessor económico do governo indiano, é professor de Economia na Cornell University.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio