Opinião
A era da resposta terrorista
Reconhecendo que armar ou apoiar radicais islâmicos em qualquer lugar alimenta, em última análise, o terrorismo internacional, devem evitar-se tais alianças de conveniência.
As potências mundiais têm sido conhecidas por intervir, de forma aberta ou secreta, no sentido de derrubar governos de outros países, instalar regimes flexíveis e, depois, apoiar esses regimes, mesmo com acções militares. Mas, na maioria das vezes, o que parece ser uma boa ideia no curto prazo tem consequências desastrosas não intencionais, com a intervenção a fazer com que os países se dissolvam em conflitos e as potências intervenientes se tornem alvos da violência. Essa sequência é evidente hoje em dia, já que os países que intervieram no Médio Oriente enfrentam uma onda de ataques terroristas.
No mês passado, Salman Ramadan Abedi - um britânico de 22 anos, filho de imigrantes líbios – levou a cabo um atentado suicida no concerto da estrela pop americana Ariana Grande em Manchester, Inglaterra. O ataque bombista - o pior ataque terrorista no Reino Unido em mais de uma década – só pode ser descrito como uma resposta às actividades do Reino Unido e dos aliados na Líbia, onde a intervenção externa deu origem a um santuário do terrorismo militante.
O Reino Unido não só ajudou activamente os jihadistas na Líbia como encorajou os combatentes estrangeiros, incluindo os líbios britânicos, a envolverem-se na operação liderada pela NATO que derrubou o regime do Coronel Muammar el-Kadhafi em 2011. Entre esses combatentes estava o pai de Abedi, um membro de longa data do grupo de luta islâmica líbia ligado à Al-Qaeda, cujos funcionários foram presos ou forçados ao exílio durante o governo de Kadhafi. O pai de Abedi voltou para a Líbia há seis anos para lutar ao lado de uma nova milícia islâmica apoiada pelo Ocidente conhecida como Brigada de Trípoli. O seu filho havia regressado recentemente de uma visita à Líbia quando realizou o ataque da Manchester Arena.
Esta não foi a primeira vez que um antigo "guerreiro sagrado islâmico" passou o jihadismo para o filho nascido no Ocidente. Omar Saddiqui Mateen, que levou a cabo o tiroteio de Junho passado na discoteca Pulse, em Orlando, na Flórida – o mais mortífero tiroteio em massa da história dos EUA - também se inspirou no seu pai, que lutou contra as forças mujahedeen apoiadas pelos EUA que expulsaram a União Soviética do Afeganistão na década de 1980.
Na verdade, as actividades dos Estados Unidos no Afeganistão naquele momento podem ser a maior fonte do terrorismo de retaliação de hoje. Com a ajuda da agência dos serviços de informação do Paquistão e do dinheiro da Arábia Saudita, a CIA encenou o que continua a ser a maior operação secreta da sua história, treinando e armando milhares de insurgentes anti-soviéticos. Os EUA também gastaram 50 milhões de dólares num projecto de "literacia da jihad" para inspirar os afegãos a lutar contra os "infiéis" soviéticos e retratar os guerrilheiros treinados pela CIA como "guerreiros sagrados".
Depois de os soviéticos terem partido, muitos desses guerreiros sagrados acabaram por formar a al-Qaeda, os Talibã e outros grupos terroristas. Alguns, como Osama bin Laden, permaneceram no cinturão Afeganistão-Paquistão, transformando-o numa base para a organização do terrorismo internacional, como os ataques de 11 de Setembro de 2001 nos EUA. Outros voltaram para os seus países de origem - do Egipto às Filipinas - para fazer campanhas terroristas contra o que eles consideravam governos ocidentais corrompidos. "Ajudámos a criar o problema que enfrentamos agora", admitiu a secretária de Estado Hillary Clinton em 2010.
No entanto, os EUA – na verdade, todo o Ocidente - parecem não ter aprendido a lição. A própria Clinton foi fundamental para persuadir o hesitante presidente Barack Obama a apoiar a acção militar para depor Kadhafi na Líbia. Como resultado, assim como o presidente George W. Bush será lembrado pelo desmantelamento do Iraque, um dos legados centrais de Obama é o caos na Líbia.
Na Síria, a CIA está novamente a apoiar facções rebeldes jihadistas supostamente "moderadas", muitas das quais com ligações a grupos como a Al-Qaeda. A Rússia, por sua vez, tem apoiado o seu cliente, o presidente Bashar al-Assad - e experimentado a sua própria retaliação, exemplificada pela queda de um avião russo em 2015 na Península do Sinai. A Rússia também tem procurado usar os talibãs para atacar militarmente os EUA no Afeganistão.
Quanto à Europa, duas fortalezas jihadistas - Síria e Líbia – estão agora à sua porta, e a resposta às suas intervenções passadas, exemplificadas por ataques terroristas em França, na Alemanha e no Reino Unido está a intensificar-se. Ao mesmo tempo, o filho favorito de Bin Laden, Hamza bin Laden, está a procurar restabelecer a rede global da al-Qaeda.
Naturalmente, também as potências regionais tiveram muito a ver com a perpetuação do ciclo do caos e do conflito no Médio Oriente. A Arábia Saudita pode ter cortado relações com o Qatar, mas continua a envolver-se numa brutal guerra por procuração com o Irão no Iémen, que levou esse país, como o Iraque e a Líbia, à beira do fracasso do Estado.
Além disso, a Arábia Saudita tem sido o principal exportador do intolerante e extremista islamismo Wahhabi desde a segunda metade da Guerra Fria. As potências ocidentais, que consideravam o wahhabismo como um antídoto contra o comunismo e a "revolução" xiita no Irão, encorajaram-no tacitamente.
Em última análise, o fanatismo Wahhabi tornou-se a base do terror islâmico sunita moderno, e a própria Arábia Saudita está agora ameaçada pela sua própria criação. O Paquistão - outro grande patrocinador estatal do terrorismo - também está a ver as suas criações a voltar a casa, com uma série de ataques terroristas.
É hora de uma nova abordagem. Reconhecendo que armar ou apoiar radicais islâmicos em qualquer lugar alimenta, em última análise, o terrorismo internacional, devem evitar-se tais alianças de conveniência. Em geral, as potências ocidentais devem resistir à tentação de intervir. Em vez disso, deveriam trabalhar sistematicamente para desacreditar o que a primeira-ministra britânica Theresa May chamou de "ideologia do mal do extremismo islâmico".
Nesta frente, o presidente dos EUA, Donald Trump, já enviou a mensagem errada. Na sua primeira viagem ao exterior, visitou a Arábia Saudita, uma teocracia decadente onde, ironicamente, abriu o Centro Global de Combate à Ideologia Extremista. À medida que os EUA e os seus aliados continuam a enfrentar a rebelião terrorista, espera-se que Trump volte à razão e ajude a transformar a aparentemente interminável Guerra ao Terrorismo que Bush lançou em 2001 numa batalha que possa ser ganha.
Brahma Chellaney, professor de Estudos Estratégicos no Centro de Pesquisa Política em Nova Deli e membro da Academia Robert Bosch em Berlim, é autor de nove livros, incluindo Asian Juggernaut, Water: Asia’s New Battleground, e Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis.
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Tradução: Rita Faria