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09 de Novembro de 2016 às 20:00

A economia mundial sem a China

Sou o primeiro a admitir que a economia mundial pós-crise estaria em graves dificuldades sem o crescimento chinês. Os que apostam na queda da China têm de ter cuidado com o que desejam.

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Estará a economia chinesa prestes a implodir? Com a sua elevada dívida e bolhas imobiliárias, as suas empresas públicas "zombie" e os seus bancos em dificuldades, a China é cada vez mais retratada como o próximo desastre num mundo propenso a crises.
 
Continuo convencido de que tais temores são exagerados, e que a China tem a estratégia e recursos necessários para alcançar uma transformação estrutural dramática em direcção a uma sociedade de consumo baseada nos serviços, driblando com sucesso os desafios cíclicos. Mas reconheço que, agora, esta é uma opinião minoritária.
 
Por exemplo, o secretário do Tesouro norte-americano, Jacob J. Lew, continua a expressar a visão surpreendente de que os Estados Unidos "não podem ser o único motor da economia mundial". Na verdade não são: a economia chinesa deverá contribuir quatro vezes mais do que os Estados Unidos para o crescimento global, este ano. Talvez Lew já esteja a assumir o pior cenário para a China na sua avaliação da economia mundial.
 
Mas, e se os cépticos estiverem certos? E se a economia da China estiver, de facto, a desabar, com a sua taxa de crescimento a afundar para um dígito, ou mesmo para território negativo, como é o caso da maioria das economias em crise? A China iria sofrer, é claro, assim como a economia global, que já é instável. Com tudo o que se diz sobre a economia chinesa, vale a pena considerar este exercício mental em detalhe.
 
Para começar, sem a China, a economia mundial já estaria em recessão. Este ano, a taxa de crescimento da China deverá ficar nos 6,7% - consideravelmente maior do que esperava a maioria dos analistas. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) - o árbitro oficial das métricas económicas globais – a economia chinesa representa 17,3% do PIB mundial (medido numa base de paridade do poder de compra). Assim, um aumento de 6,7% no PIB real chinês traduz-se em cerca de 1,2 pontos percentuais do crescimento mundial. Sem a China, essa contribuição teria de ser subtraída da estimativa de 3,1% do FMI para o crescimento do PIB mundial em 2016, arrastando-o para 1,9% - bem abaixo do limite de 2,5% normalmente associado a recessões globais.
 
Naturalmente, este é apenas o efeito directo de um mundo sem a China. Depois, há as ligações transfronteiriças com outras grandes economias.
 
As chamadas economias de recursos – nomeadamente a Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Rússia e Brasil - seriam especialmente atingidas. Como consumidora massiva de recursos, a China transformou essas economias, que representam, em conjunto, quase 9% do PIB mundial. Ainda que todas elas argumentem que têm estruturas económicas diversificadas que não são excessivamente dependentes da procura chinesa, os mercados de divisas dizem o contrário: sempre que as expectativas de crescimento da China são revistas - para cima ou para baixo – as suas taxas de câmbio movem-se em paralelo. O FMI acredita que estas cinco economias vão contrair 0,7% em 2016, reflectindo as recessões na Rússia e Brasil e um crescimento modesto nas outras três. Escusado será dizer que, num cenário de implosão da China, esta estimativa seria revista em baixa de forma significativa.

O mesmo aconteceria com os parceiros comerciais asiáticos da China - a maioria dos quais economias dependentes das exportações que têm no mercado chinês a sua maior fonte de procura externa. Isso é verdade não só para as economias em desenvolvimento mais pequenas, como a Indonésia, Filipinas e Tailândia, mas também para as economias maiores e mais desenvolvidas da região, como o Japão, Coreia e Taiwan. Colectivamente, essas seis economias asiáticas dependentes da China representam mais de 11% do PIB mundial. A implosão da China poderia retirar facilmente pelo menos um ponto percentual da sua taxa de crescimento conjunta.
 
Os Estados Unidos são outro exemplo. A China é o terceiro maior mercado de exportação da América. Num cenário de implosão da China, essa procura desapareceria - retirando cerca de 0,2 a 0,3 pontos percentuais ao crescimento económico dos EUA, que será de cerca de 1,6% em 2016.
 
Por fim, há que considerar a Europa. O crescimento na Alemanha – há muito o motor da economia da região que, de outra forma, seria esclerótica – continua fortemente dependente das exportações. Isso deve-se cada vez mais à importância da China - agora o terceiro maior mercado de exportação da Alemanha, depois da União Europeia e dos Estados Unidos. Num cenário de implosão da China, o crescimento económico alemão também poderia ser significativamente inferior, arrastando o resto da Europa.
 
Curiosamente, na sua actualização do World Economic Outlook, lançada em Outubro, o FMI dedica um capítulo inteiro ao que chama de uma análise das repercussões da China - uma avaliação dos impactos globais de uma desaceleração da China. Consistente com os argumentos acima, o FMI centra-se em ligações com exportadores de matérias-primas, exportadores asiáticos, e o que chamam de "economias avançadas sistémicas" (Alemanha, Japão e EUA) que estariam mais expostas a uma desaceleração chinesa. Pelos seus cálculos, o impacto sobre a Ásia seria o maior, seguido de perto pelas economias de recursos; a sensibilidade das três economias desenvolvidas é cerca de metade da dos parceiros comerciais asiáticos, excluindo o Japão.
 
A pesquisa do FMI sugere que as repercussões globais da China acrescentariam mais 25% aos efeitos directos do défice de crescimento chinês. Isso significa que, se o crescimento económico chinês se esfumasse, de acordo com o nosso exercício mental, a soma dos efeitos directos (1,2 pontos percentuais do crescimento global) e repercussões indirectas (cerca de mais 0,3 pontos percentuais), reduziria para metade a estimativa de crescimento global para 2016, de 3,1% para 1,6%. Ainda que ficasse longe da contracção global recorde de 0,1% em 2009, não seria muito diferente das duas recessões mundiais profundas, em 1975 (crescimento de 1%) e 1982 (0,7%).
 
Posso ser um dos poucos optimistas que restam no que diz respeito à China. Ainda que esteja pouco optimista em relação às perspectivas para a economia global, penso que o mundo enfrenta problemas muito maiores do que um grande colapso na China. No entanto, sou o primeiro a admitir que a economia mundial pós-crise estaria em graves dificuldades sem o crescimento chinês. Os que apostam na queda da China têm de ter cuidado com o que desejam.
 
Stephen S. Roach, membro da Universidade de Yale e antigo chairman do Morgan Stanley Ásia, é autor de Unbalanced: The Codependency of America and China.

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria
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