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10 de Julho de 2017 às 14:00

A ascensão dos barões do sector alimentar

Hoje, metade dos 800 milhões de pessoas com fome, em todo o mundo, são pequenos agricultores e trabalhadores ligados ao sector agrícola. A sua condição não deverá melhorar se as poucas empresas que já dominam o sector se tornarem ainda mais poderosas.

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O sector agro-industrial tem sido há muito criticado por práticas que contribuem para as alterações climáticas, destruição ambiental e pobreza rural. E, ainda assim, o sector não tomou praticamente nenhuma medida para melhorar a qualidade e a sustentabilidade, ou para promover a justiça social.

 

Isso não é surpreendente. Embora existam mais de 570 milhões de agricultores e sete mil milhões de consumidores em todo o mundo, a cadeia de valor agro-industrial é controlada por apenas por um punhado de empresas – dos campos até aos balcões das lojas. Dados os grandes lucros e o vasto poder político dessas empresas, as mudanças ao status quo não lhes interessam.  

 

Além disso, a concentração do mercado no sector agrícola está a aumentar, devido ao crescimento da procura por matérias-primas agrícolas necessárias para a produção de alimentos, alimentação animal e produção de energia. Com o crescimento da classe média nos países do sul, o consumo e os hábitos nutricionais dos seus membros mudaram, aumentando a procura global por alimentos processados - e provocando uma disputa pelo poder de mercado entre multinacionais agrícolas, químicas e alimentares.

 

Os maiores actores destes sectores vêm comprando os seus concorrentes mais pequenos há vários anos. Mas agora também se estão a comprar uns aos outros, muitas vezes com financiamento fornecido por investidores de sectores completamente diferentes.

 

Consideremos o sector de sementes e agro-químicos, onde a Bayer, a maior produtora de pesticidas do mundo, está em processo de aquisição da Monsanto, a maior produtora de sementes, por 66 mil milhões de euros. Se os Estados Unidos e a União Europeia aprovarem o acordo, como parece provável, apenas três conglomerados - Bayer-Monsanto, Dow-DuPont e ChemChina-Syngenta - controlarão mais de 60% do mercado global de sementes e agro-químicos. Só a "Baysanto" será a proprietária de quase todas as plantas geneticamente modificadas do planeta.

 

Com outras grandes fusões a serem anunciadas, o mercado agrícola global no final de 2017 poderá ser muito diferente do que era no início. Cada um dos três grandes conglomerados estará mais próximo do seu objectivo de conquistar o domínio dos mercados de sementes e pesticidas – ao ponto de poderem ditar os produtos alimentares, os preços e a qualidade em todo o mundo.

 

O sector agro-técnico está a passar por algumas das mesmas mudanças que o sector de sementes. As cinco maiores empresas representam 65% do mercado, com a Deere & Company, proprietária da marca John Deere, na liderança. Em 2015, a Deere & Company registou 29 mil milhões de dólares em vendas, superando os 25 mil milhões que a Monsanto e a Bayer fizeram com a venda de sementes e pesticidas.

 

Hoje em dia, a oportunidade mais promissora para as empresas do sector alimentar reside na digitalização da agricultura. Este processo ainda está nos seus estágios iniciais, mas está a ganhar impulso e, eventualmente, abrangerá todas as áreas de produção. Em breve, os drones assumirão a tarefa de pulverizar pesticidas; os animais serão equipados com sensores para controlar as quantidades de leite, os padrões de movimento e as rações alimentares; os tractores serão controlados por GPS; e as semeadoras controladas através de uma aplicação avaliarão a qualidade do solo para determinar a distância óptima entre fileiras e plantas.

 

Para maximizar os benefícios dessas novas tecnologias, as empresas que já dominam a cadeia de valor começaram a cooperar entre si. A John Deere e a Monsanto uniram agora forças. A confluência dos grandes dados sobre o clima e solo, as novas tecnologias agrícolas, as sementes geneticamente modificadas e os novos desenvolvimentos ao nível da agroquímica ajudarão essas empresas a poupar dinheiro, proteger os recursos naturais e maximizar os rendimentos das culturas em todo o mundo.

 

Mas, ainda que esse futuro previsível seja um bom augúrio para algumas das maiores empresas do mundo, deixa por resolver os problemas ambientais e sociais associados à agricultura industrializada. A maioria dos agricultores, em particular do sul, nunca poderá dispor de máquinas caras da era digital. A máxima "crescer ou ir" será substituída por "digitalizar ou desaparecer". O ETC Group, uma organização não-governamental americana, já delineou um cenário futuro em que as grandes empresas de agrotecnologia se movem a montante e absorvem os produtores de sementes e pesticidas. Nesse ponto, um pequeno conjunto de empresas determinará tudo o que comemos.

 

Na verdade, o mesmo problema de concentração de mercado se aplica a outras ligações na cadeia de valor, como comerciantes agrícolas e supermercados. E mesmo que o processamento de alimentos ainda não esteja consolidado a uma escala global, ainda é dominado a nível regional por empresas como a Unilever, a Danone, Mondelez e a Nestlé. Essas empresas ganham dinheiro quando alimentos frescos ou semi-processados são substituídos por alimentos altamente processados, tais como pizzas congeladas, sopas enlatadas e refeições pré-fabricadas.

 

Embora lucrativo, este modelo de negócio está intimamente ligado à obesidade, diabetes e outras doenças crónicas. Pior ainda, as empresas do sector alimentar também estão a lucrar com a proliferação de doenças pelas quais são parcialmente responsáveis, comercializando alimentos processados "saudáveis" enriquecidos com proteínas, vitaminas, probióticos e ácidos gordos Ómega-3.

 

Ao mesmo tempo, as empresas estão a acumular poder de mercado à custa daqueles que estão no fundo da cadeia de valor: agricultores e trabalhadores. Os padrões da Organização Internacional do Trabalho garantem a todos os trabalhadores o direito de organização e proíbem o trabalho forçado e infantil, e proíbem a discriminação racial e de género. Mas as violações do direito do trabalho tornaram-se a norma, porque os esforços para impor as regras da OIT são muitas vezes anulados, enquanto os sindicalistas são rotineiramente ameaçados, despedidos e até assassinados.

 

Neste clima hostil, os salários mínimos, as horas extras e os padrões de segurança no local de trabalho são abertamente negligenciados. E as mulheres, em particular, estão em desvantagem, porque ganham menos do que os seus homólogos masculinos e muitas vezes têm de se contentar com empregos sazonais ou temporários.

 

Hoje, metade dos 800 milhões de pessoas com fome, em todo o mundo, são pequenos agricultores e trabalhadores ligados ao sector agrícola. A sua condição não deverá melhorar se as poucas empresas que já dominam o sector se tornarem ainda mais poderosas.

Christine Chemnitz é directora do Departamento de Política Agrícola Internacional da Heinrich Böll Foundation.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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