Opinião
A ameaça negligenciada da poluição
A poluição não é um “mal necessário” que acompanhe inevitavelmente o desenvolvimento económico. Com liderança, recursos e uma abordagem bem formulada baseada em dados é possível reduzir a poluição e existem estratégias viáveis que já foram desenvolvidas, testadas no terreno e com eficácia demonstrada em países de médio e elevado rendimento.
A poluição é um dos grandes desafios existenciais do século XXI. Ameaça a estabilidade dos ecossistemas, penaliza o desenvolvimento económico e compromete a saúde de milhares de milhões de pessoas. Ainda assim, é frequentemente deixada para segundo plano, tanto nas estratégias de promoção de crescimento dos países como nos orçamentos de ajuda estrangeira – como os da Comissão Europeia ou da Agência norte-americana para o Desenvolvimento Internacional. Consequentemente, a ameaça continua a crescer.
O primeiro passo rumo à mobilização de recursos, à liderança e ao envolvimento da sociedade civil – necessários para minimizar a ameaça da poluição – está na sensibilização para a sua verdadeira escala. Foi por isso que criámos a Comissão Lancet para a poluição e saúde: para promovermos a disponibilização de dados abrangentes sobre os efeitos da poluição sobre a saúde, estimarmos os seus custos económicos e identificarmos as suas ligações à pobreza, propondo abordagens concretas para lhes dar resposta.
No passado mês de Outubro, publicámos um relatório que faz precisamente isso. Concluímos que a poluição é responsável por nove milhões de mortes por ano, o que corresponde a 16% de todas as mortes ocorridas a nível mundial. Esse número é três vezes superior ao das mortes decorrentes da tuberculose, SIDA e malária [paludismo] no seu conjunto, e 15 vezes superior às mortes provocadas pelas guerras, terrorismo e outras formas de violência. Nos países mais severamente afectados, a poluição é responsável por mais de uma em cada quatro mortes.
As causas específicas para essas mortes variam, reflectindo a composição variável da poluição. À medida que os países se vão desenvolvendo, a contaminação da água e do ar das casas – que são ambas formas de poluição desde há muito relacionadas com a pobreza extrema – diminui. No entanto, os fenómenos associados ao desenvolvimento económico – nomeadamente a urbanização, a globalização e a proliferação de substâncias químicas tóxicas e de veículos movidos a petróleo – geram um aumento da poluição atmosférica ambiente, da poluição química, ocupacional e dos solos, com as cidades dos países em desenvolvimento a serem particularmente afectadas.
Não é, pois, de surpreender que sejam os pobres quem sofre as maiores consequências. Perto de 92% das mortes relacionadas com a poluição ocorrem em países de baixo ou médio rendimento. Nos países onde se observam todos os níveis de rendimento, as doenças provocadas pela poluição são mais comuns entre as minorias, os membros de grupos marginalizados e todos aqueles que apresentam outros tipos de vulnerabilidades. Trata-se de uma injustiça ambiental à escala mundial.
Além dos custos humanos, as doenças relacionadas com a poluição causam perdas de produtividade que levam a uma redução, que pode chegar aos 2%, do Produto Interno Bruto (PIB) dos países em desenvolvimento. Essas doenças representam 1,7% dos gastos em saúde nos países de rendimento elevado e até 7% nos países de baixo e médio rendimento.
As perdas de bem-estar decorrentes da poluição ascendem a 4,6 biliões de dólares por ano – o que corresponde a 6,2% da produção económica mundial. E isto sem ter em conta os elevados custos das alterações climáticas, sendo que é a combustão dos combustíveis fósseis altamente poluentes que mais contribui para esse efeito.
Apesar destas perdas, o problema tende a piorar. Sem uma intervenção activa, as mortes derivadas pela poluição atmosférica ambiente poderão aumentar em 50% até 2050.
A poluição química é outro desafio crescente: desde 1950 inventaram-se 140.000 novos compostos e pouquíssimos deles foram submetidos a testes de segurança ou toxicidade. Os bebés e crianças de tenra idade são especialmente vulneráveis.
A poluição não é um "mal necessário" que acompanhe inevitavelmente o desenvolvimento económico. Com liderança, recursos e uma abordagem bem formulada baseada em dados é possível reduzir a poluição e existem estratégias viáveis que já foram desenvolvidas, testadas no terreno e com eficácia demonstrada em países de médio e elevado rendimento.
Estas estratégias equilibram soluções jurídicas, políticas e tecnológicas. A título de exemplo, nos termos do princípio de "poluidor-pagador", essas estratégias contemplam a eliminação de isenções fiscais e de subsídios para indústrias poluentes. Além disso, essas estratégias ajustam-se a objectivos e calendários claros, perante os quais são constantemente avaliadas, estando sujeitas a medidas estritas de controlo. E podem ser exportadas para cidades e países de todos os níveis de rendimento e em todo o mundo.
O cuidadoso planeamento e a aplicação, com recursos adequados, de estratégias de controlo da poluição poderão ajudar os países em desenvolvimento a evitar os piores tipos de desastres humanos e ecológicos que no passado acompanharam o crescimento económico. Finalmente poder-se-á abandonar o velho pressuposto de que os países pobres têm de passar por uma fase de poluição e de doenças na sua via para a prosperidade.
Tanto nos países ricos como pobres, estas estratégias permitiriam um crescimento mais sustentável do PIB. A eliminação do chumbo na gasolina devolveu às economias mundiais milhares de milhões de dólares, uma vez que a menor exposição a este elemento poluente se traduz em menores dificuldades cognitivas e numa maior produtividade. Nos Estados Unidos, a melhoria da qualidade do ar renderam 30 dólares por cada dólar investido, num retorno acumulado que ascendeu a 1,5 biliões de dólares face a um investimento de 65 mil milhões de dólares desde 1970.
Assim, reduzir a poluição cria enormes oportunidades de promoção do crescimento económico, ao mesmo tempo – e acima de tudo – que protege as vidas e a saúde das pessoas. A Comissão Lancet apela aos governos nacionais e municipais, a doadores internacionais, a grandes fundações, aos grupos da sociedade civil e aos profissionais da área da saúde que façam do controlo da poluição uma prioridade muito mais premente do que actualmente.
Tudo isto exige um aumento substancial do financiamento da prevenção da poluição nos países de baixo e médio rendimento, tanto nos orçamentos nacionais como na ajuda dos doadores. E é algo que pode ser alcançado a nível internacional, ampliando os programas actuais ou criando novos fundos autónomos, análogos ao Fundo Mundial de luta contra a SIDA, tuberculose e malária. Estes programas deverão desbloquear e complementar as contribuições nacionais, ao mesmo tempo que proporcionam assistência técnica e que apoiam a investigação. O financiamento internacional também pode ser canalizado para o apoio à criação de um "observatório mundial da poluição".
Um controlo eficaz da poluição também implica integrar estratégias de prevenção em todas as estratégias futuras de crescimento e de desenvolvimento, reconhecendo que só é possível ter êxito se as sociedades alterarem os seus padrões de produção, consumo e transporte.
Entre alguns passos-chave está a criação de incentivos destinados a uma transição generalizada para fontes de energia não poluentes; a eliminação de subsídios e isenções fiscais para os poluidores; recompensar a reciclagem, a reutilização e a reparação; a substituição de materiais perigosos por substitutos mais seguros; e o incentivo ao uso de transportes públicos e activos [não motorizados].
A transição para sistemas menos poluentes não será simples e irá deparar-se com uma feroz oposição, em todo o mundo, por parte dos interesses instalados. Mas, tal como o demonstra o relatório da Comissão Lancet, a transição para sistemas de baixa poluição é essencial para a saúde, bem-estar e prosperidade das nossas sociedades. Não podemos dar-nos ao luxo de continuar a negligenciar esta ameaça global.
Philip J. Landrigan é director do Departamento de Saúde Global no Arnhold Global Health Institute e professor de Medicina Ambiental e Pediatria na Icahn School of Medicine em Mount Sinai, Nova Iorque. Richard Fuller é presidente da Pure Earth.
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Tradução: Carla Pedro