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O mundo não está a acabar

O sucesso da humanidade na redução da pobreza é uma conquista extraordinária, e somos demasiado reticentes a reconhecê-lo. Precisamos de ter a certeza que não perderemos de vista o que nos trouxe até aqui - e o que justifica a esperança de um futuro ainda melhor.

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Os humanos têm tendência para gostar de más notícias. Os meios de comunicação reflectem e moldam essa preferência, alimentando-nos de aflição e pânico. Tendências longas, lentas e positivas não chegam à primeira página nem são tema de conversas. Assim, desenvolvemos percepções erradas, especialmente a ideia de que a maioria das coisas está a correr mal.

 

Quando publiquei The Skeptical Environmentalist, em 2001, indiquei que o mundo estava a melhorar em muitos aspectos. Naquela época, isso foi visto como uma heresia, porque punha em causa várias percepções erradas, que eram comuns e apreciadas, como a ideia de que os recursos naturais estavam a acabar, que uma população crescente estava a deixar menos alimentos para as gerações seguintes e que o ar e a água estavam a tornar-se cada vez mais poluídos.

 

Em cada caso, uma análise cuidadosa dos dados estabeleceu que os cenários sombrios que prevaleciam na época eram exagerados. Embora as reservas de peixe, por exemplo, estejam esgotadas devido à falta de regulamentação, podemos comer mais peixe hoje do que nunca, graças ao advento da aquacultura. As preocupações de que estamos a perder florestas ignoram a realidade de que, à medida que os países se tornam mais ricos, aumentam a sua cobertura florestal.

 

Desde que escrevi o livro, o mundo só se tornou melhor, de acordo com muitos indicadores importantes. Continuamos a ver reduções significativas na mortalidade infantil e na desnutrição, e houve grandes avanços em direcção à erradicação da poliomielite, do sarampo, da malária e do analfabetismo.

 

Ao olharmos para o problema ambiental mais letal - a poluição do ar - podemos ver algumas das razões para melhorias. À medida que o mundo se desenvolveu, as mortes causadas pela poluição do ar diminuíram drasticamente, e essa tendência deverá continuará. Olhar para uma cidade poluída num país como a China pode sugerir o contrário, mas o ar dentro das casas da maioria das pessoas pobres é cerca de dez vezes mais poluído do que o pior ar de uma rua em Pequim. O problema ambiental mais grave para os seres humanos é a poluição do ar em ambientes fechados, decorrente das tarefas de cozinhar e aquecer com combustíveis sujos, como madeira e esterco - que é o resultado da pobreza.

 

Em 1900, mais de 90% de todas as mortes por poluição do ar resultaram da poluição do ar em ambientes fechados. O desenvolvimento económico significou mais poluição ao ar livre, mas também muito menos poluição interna. As reduções na pobreza foram acompanhadas de uma redução de quatro vezes na mortalidade global por poluição do ar. No entanto, hoje em dia, ainda morrem mais pessoas por poluição do ar em ambientes fechados do que por poluição externa. Mesmo na China, enquanto o ar externo se tornou muito mais poluído, a redução da pobreza causou um menor risco de morte total por poluição do ar. E à medida que os países se tornam mais ricos, podem regular e reduzir a poluição atmosférica ao ar livre.

 

Há 200 anos, quase todas as pessoas do planeta viviam na pobreza e uma minúscula elite vivia no luxo. Hoje, apenas 9,1% da população, ou quase 700 milhões de pessoas, vive com menos de 1,90 dólares por dia (ou o que costumava ser 1 dólar em 1985). E só nos últimos 20 anos, a proporção de pessoas que vive em pobreza extrema caiu quase para metade. No entanto, poucos de nós sabem disso. A fundação Gapminder fez uma pesquisa no Reino Unido e descobriu que apenas 10% das pessoas acredita que a pobreza diminuiu. Na África do Sul e na Suécia, mais pessoas acreditam que a pobreza extrema duplicou do que caiu.

 

Como é que continuamos o nosso rápido progresso? Não houve falta de intervenções políticas bem-intencionadas, por isso temos décadas de dados que mostram o que funciona bem e o que não funciona.

 

Nesta última categoria, mesmo boas ideias dos mais destacados pensadores do mundo podem ser insuficientes. O ambicioso conceito Millennium Villages deveria criar progressos simultâneos em várias frentes, produzindo "resultados importantes em três anos ou menos", segundo o fundador Jeffrey D. Sachs. Mas um estudo do Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido mostra que as aldeias tiveram "impactos moderadamente positivos" e "pouco impacto global sobre a pobreza".

 

É mais construtivo concentrarmo-nos no que funciona. A análise global das metas de desenvolvimento do Copenhagen Consensus por um painel de economistas laureados com o Prémio Nobel mostrou onde mais dinheiro pode alcançar o máximo. Eles concluíram que um melhor acesso à contracepção e serviços de planeamento familiar reduziria a mortalidade materna e infantil, e também - através de um dividendo demográfico - aumentaria o crescimento económico.

 

Da mesma forma, pesquisas que avaliaram as melhores políticas de desenvolvimento para o Haiti descobriram que o foco em melhorias na nutrição através do uso de farinha fortificada transformaria a saúde de crianças pequenas, criando benefícios para toda a vida.

 

Outra pesquisa do Copenhagen Consensus sugere que a ampliação de plataformas electrónicas de aquisição pública seria transformadora. Isso pode parecer tangencial à redução da pobreza, mas não é. Em média, os países em desenvolvimento usam metade dos seus orçamentos em aquisições públicas de bens e serviços; permitir uma concorrência transparente poderia reduzir as perdas causadas pela corrupção.

 

Isto não é mera especulação. Um estudo no Bangladesh, que gasta mais de 9 mil milhões de dólares anualmente em compras públicas, concluiu que a compra electrónica em apenas um departamento do governo reduziu os preços em 12%, deixando mais recursos para outras prioridades orçamentais importantes. O estudo mostra que a expansão das compras digitais a todo o governo economizaria 670 milhões de dólares por ano - o suficiente para aumentar os gastos anuais com saúde pública em cerca de 50%. O governo do Bangladesh está a acelerar essa expansão.

 

E a arma mais poderosa na luta contra a pobreza é a que nos levou aonde estamos hoje: crescimento económico de base ampla. Nos últimos 30 anos, o crescimento da China retirou 680 milhões de pessoas da pobreza.

 

Um acordo de comércio global - como a conclusão bem-sucedida da paralisada Ronda de Doha - tiraria mais 160 milhões de pessoas da pobreza. O cepticismo em relação ao livre comércio prejudica os mais pobres do mundo. Ainda que outras políticas dos EUA e tweets do presidente Donald Trump recebem muito mais cobertura, a rejeição do livre comércio pelo actual governo pode ser a maior tragédia.

 

O sucesso da humanidade na redução da pobreza é uma conquista extraordinária, e somos demasiado reticentes a reconhecê-lo. Precisamos de ter a certeza que não perderemos de vista o que nos trouxe até aqui - e o que justifica a esperança de um futuro ainda melhor.

 

Bjørn Lomborg é director do Copenhagen Consensus Center e professor visitante na Copenhagen Business School.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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