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Os limites da fixação de preços para o carbono

Num mundo em que os preços da energia podem cair a nível global, é essencial que haja um preço significativo para o carbono de modo a assegurar que o caminho viável para um futuro de baixo consumo de carbono, a baixo custo, não encontra impedimentos pela via da queda dos preços dos combustíveis fósseis.

Em 2004, os agregados familiares alemães que instalassem sistemas de energia solar nos seus telhados tinham direito a uma tarifa garantida de 0,57 euros (0,68 dólares) por kilowatt/hora (kWh) gerado. No México, em finais de Novembro, um grande leilão de energia foi arrematado por uma oferta de preço de 0,0177 dólares por kWh. Mesmo comparando projectos de dimensão similar, os custos com a energia solar diminuíram 90% em 10 anos. As melhorias na tecnologia fotovoltaica tornam inevitáveis novas reduções de preços: dentro de cinco anos, veremos um preço de 0,01 dólares por kWh em localizações promissoras.

 

Esta supreendente conquista tem sido motivada por um avultado investimento do sector privado e por inovação de vanguarda. Mas isso nunca teria sucedido sem um forte apoio das políticas públicas.

 

A investigação financiada com fundos públicos garantiu avanços científicos básicos, e os grandes subsídios iniciais – na Alemanha e depois noutros países – permitiram que a indústria alcançasse uma escala importante. A energia solar custa agora menos do que o carvão em muitos países, porque a subsidiação pública inicial deu lugar a um ciclo de auto-reforço, a uma escala cada vez maior, de aprendizagem contínua e de redução de custos.

 

Todos os economistas que aceitam a realidade científica das alterações climáticas apoiam as intervenções políticas que visam responder às "externalidades – custos que os poluidores impõem aos outros mas que não pagam. No entanto, muitos economistas defensores do mercado livre desconfiam, por natureza, de um apoio directo a investimentos específicos e defendem, em vez disso, a solução de mercado pura e simples: um preço para o carbono, fixado através de impostos ou através da competição por licenças num contexto de comercialização de emissões de CO2. A fixação de preços para o carbono, segundo se diz, evita os perigos de eleger vencedores, desencadeia uma procura – impulsionada pelo mercado – pela melhor resposta tecnológica e garante a redução das emissões ao menor custo.

 

Mas os preços explícitos do dióxido de carbono praticamente não tiveram qualquer papel na redução do custo da energia solar ou na concretização de uma queda similarmente drástica no custo da energia eólica e das baterias. No mundo real, o apoio ao investimento directo pode por vezes ser mais eficaz do que os preços – em teoria atractivos – do carbono.

 

A electricidade de baixo consumo de carbono – quer provenha de energias renováveis ou da energia nuclear – implica elevados investimentos de capital inicial mas o custo marginal operacional é quase inexistente. Consequentemente, o seu âmbito económico é fortemente influenciado pelo custo de capital (a taxa de retorno requerida), que reflecte a avaliação do risco. O apoio directo à implementação inicial – com preços garantidos para a electricidade gerada – reduz o risco e, por isso, baixa a fasquia dos retornos requeridos.

 

Em contrapartida, a fixação de preços para o carbono, por si só, não tem esse efeito. Se os preços para o carbono forem o único instrumento político, as avaliações do risco dos investimentos em energias renováveis irão reflectir estimativas altamente incertas dos combustíveis fósseis e dos preços marginais da electricidade a muito longo prazo. Em resultado, o custo de capital será maior e o ritmo de implementação e da redução de custos será bastante mais lento.

 

Os contratos com preço fixo para determinados serviços são uma política muito mais eficaz do que os preços do carbono no sentido de estimular o investimento nas renováveis. Os leilões para esses tipos de contratos devem continuar a ser uma característica-chave dos mercados das energias renováveis, mesmo agora que os preços fixados nas vendas em leilão são frequentemente inferiores aos custos futuros prováveis da produção eléctrica com base nos combustíveis fósseis.

 

Muitas vezes, uma regulação directa também é mais eficaz do que os instrumentos baseados em preços. A forte descida do custo das lâmpadas LED – que também caiu mais de 90% nos últimos 10 anos – reflecte o efeito da proibição total das lâmpadas incandescentes ineficientes, as políticas de subsídios públicos e, na Índia, o papel do sector público como comprador a granel e distribuidor de baixo custo.

 

Em teoria económica, as compras de lâmpadas por parte dos agregados familiares para as suas casas reflectem os cálculos do valor actual líquido da duração de vida de uma lâmpada e dos custos de electricidade para os vários tipos de lâmpadas alternativas, que podem ser influenciados por impostos sobre lâmpadas incandescentes, ou através de preços do carbono sobre a electricidade. Mas um típico ser humano, ao contrário dos economistas, não procede a esse tipo de cálculos. No mundo real, a regulação directa pode fomentar mais facilmente o investimento tecnológico e a redução de custos do que a fixação de preços.

 

No que diz respeito aos perigos de se tentar "eleger vencedores" e não se conseguir, temos de fazer a distinção entre o que é incerto e o que é claro. É certo que não podemos saber qual a combinação exacta de tecnologias e investimentos que irão conduzir a uma economia de baixo consumo de carbono ao menor custo. Mas sabemos que não existe um caminho viável para a prosperidade do baixo consumo de carbono sem uma rápida descarbonização da electricidade, seguida de uma electrificação do maior segmento possível da economia.

 

As políticas que apoiam directamente a geração de electricidade com baixas emissões de carbono são, por isso, claramente justificadas. E, por conseguinte, também o são os gastos públicos em investigação de apoio a mais progressos na tecnologia das baterias.

 

Posto isto, os preços do carbono continuam a ter um papel fundamental a desempenhar e a sua importância deverá aumentar ao longo do tempo. Na produção de electricidade, o objectivo é claro – menos emissões de carbono por kilowatt gerado – e sabe-se que uma determinada combinação de um número relativamente pequeno de tecnologias conhecidas pode resolver o problema.

 

Contudo, na produção de aço, cimento e plásticos, os caminhos da descarbonização são menos claros, podem diferir entre localidades e podem envolver complexas combinações de técnicas diferentes. Por isso, um preço elevado – e em constante subida – do carbono é essencial para desencadear a procura – impulsionada pelo mercado – de soluções ideais.

 

Os preços do carbono são também fundamentais porque o mesmo progresso tecnológico que está a fomentar a rápida redução no custo das energias renováveis está também a abrir caminho a grandes quedas nos custos de produção dos combustíveis fósseis, particularmente na indústria do petróleo e gás de xisto. Num mundo em que os preços da energia podem cair a nível global, é essencial que haja um preço significativo para o carbono de modo a assegurar que o caminho viável para um futuro de baixo consumo de carbono, a baixo custo, não encontra impedimentos pela via da queda dos preços dos combustíveis fósseis. Preços mais elevados para a energia consumidora de carbono também ajudam a reforçar os incentivos à eficiência energética, reduzindo o perigo de "efeitos de retoma" – por meio dos quais a queda dos custos da energia aumenta o consumo da energia.

 

Assim sendo, os instrumentos do preço são uma parte vital do arsenal de políticas. Mas a descida dos preços da energia solar e eólica, das baterias e das lâmpadas LED mostra que também são necessários outros instrumentos e, nalguns casos, mais eficazes.


Adair Turner, presidente do conselho de administração do Institute for New Economic Thinking e ex- chairman da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido, presidente à Comissão britânica das Transições Energéticas.

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

 

 

 

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