Opinião
YouTube e "Copyright": quem são "Les Misérables"?
Há dias um amigo, também advogado na sociedade de advogados que integro, perguntou-me se tinha visto o vídeo da mulher que no programa televisivo "Britain"s Got" "Talent" cantara o tema "I Dreamed A Dream", do musical "Les Misérables".
Há dias um amigo, também advogado na sociedade de advogados que integro, perguntou-me se tinha visto o vídeo da mulher que no programa televisivo "Britain's Got" "Talent" cantara o tema "I Dreamed A Dream", do musical "Les Misérables".
"Britain's Got Talent" é um "reality show" onde anónimos esperançados exibem o seu talento artístico.
Perante a minha ignorância, o meu amigo diz-me, sem hesitar, "Vai ao YouTube e escreve Susan Boyle!". Mesmo que não dissesse onde poderia encontrá-lo, iria primeiro ao YouTube (YT). Isto porque não há (quase) conteúdo visual, ou parte deste, que não esteja aí disponível. Já vi de tudo no YouTube: excertos de filmes, videoclips musicais, noticiários, "sitcoms", "reality-shows", telenovelas, séries televisivas, programas de entretenimento variados, vídeos domésticos, etc. Foi precisamente este conhecimento global sobre a riqueza e abundância de conteúdos que se encontram no YouTube que fez com que tivesse a certeza de que este "website" teria imagens do programa de televisão de que estávamos à procura. Sem surpresa, o YouTube não decepcionou. E a artista intérprete Susan Boyle, apesar da aparência física (muitíssimo) cómica e "sui generis", também não. Uma voz impressionante num tema pujante.
Criado em Fevereiro de 2005, o Youtube é o "website" mais popular dentro do seu género, devido ao facto de possibilitar aos seus utilizadores o carregamento ("upload") no "website" de qualquer tipo de vídeos, sejam estes de produção própria ou de natureza doméstica, ou ainda gravações de emissões televisivas ou filmes/séries copiadas de DVD comerciais. Estima-se que sejam diariamente visio-nados no YouTube cerca de 30 milhões de vídeos.
Em tese, não é permitido o "upload" de vídeos protegidos pelo direito de autor e direitos conexos ("copyright"). Não obstante, é possível encontrar no YouTube, em quantidade e variedade significativas, conteúdos legalmente protegidos por "copyright", tal como a emissão televisiva pela ITV da actuação da Susan Boyle com o tema "I Dreamed A Dream", de 11 de Abril deste ano. Ou seja, são imensos os vídeos disponibilizados no YouTube sem a autorização dos respectivos titulares de direitos, a saber, estações de televisão, estúdios de cinema, editoras discográficas, etc. O YouTube proclama-se como sendo, ou querendo ser, apenas, um fórum para os seus utilizadores partilharem vídeos produzidos pelos próprios utilizadores, pelo que diz ser um incentivador da criatividade audiovisual e da liberdade de expressão. Tanto assim parece ser, que o slogan adoptado pelo YouTube é "Broadcast Yourself".
A existência de conteúdos ilegais naquele "website" pode (parecer?) ser um efeito colateral alheio à vontade directa do YouTube. Isto porque, repare-se, a operação técnica de "upload" dos vídeos ilegais é levada a cabo pelos respectivos utilizadores, os YouTubers, não pelo YouTube em si mesmo. Este limita-se a facultar aos YouTubers os meios técnicos necessários ao "upload" dos vídeos, que são depois disponibilizados através daquele "website". A intervenção do Youtube, segundo o próprio, limita-se a isto mesmo: oferta gratuita de meios para o "upload" de conteúdos audiovisuais, legais e/ou ilegais. Tudo o resto é da responsabilidade dos utilizadores do "website", incluindo qualquer ilegalidade daí resultante.
É inegável que o YouTube se tornou, pouco tempo após a sua criação, um caso de sucesso, a que a Google não resistiu ficar alheia. Em 2006, a Google comprou o Youtube por 1,65 bilião de dólares em acções. Ao que tudo indica, a aquisição consolidou-se após o YouTube ter logrado evitar significativos e gravosos processos judiciais com três grandes empresas de comunicação que alegavam a violação do seu "copyright" por causa da actividade do YouTube. Acredita-se que a assinatura de tais acordos teve como finalidade o melhoramento da imagem e prestígio do YouTube, nomeadamente no quadro da possível aquisição.
Do ponto de vista legal, a principal questão reside em saber se, quando os utilizadores do YouTube fazem o "upload" de vídeos ilegais (i.e. sem a autorização dos respectivos titulares de direitos), o serviço de vídeo online YouTube é também ele passível de ser responsabilizado por violação de direito de autor e direitos conexos ("copyright").
O YouTube nunca negou ter conhecimento da violação maciça de "copyright" que tem lugar no seu serviço de vídeo online. Dúvida há sobre o carácter intencional da perpetuidade dessa violação atendendo aos benefícios para o YouTube daí resultantes… "Rumor has it" que, apesar YouTube se encontrar em posição de pôr termo às actividades ilícitas de colocação à disposição do público levadas a cabo pelos utilizadores do YouTube, este não promove qualquer diligência para a sua remoção do "website", salvo quando o titular de direitos notifica o YouTube de que determinado conteúdo da sua propriedade está a ser ilicitamente utilizado. Enquanto tal não acontece, é defensável que a utilização não autorizada no YouTube de conteúdos protegidos por direitos de autor e direitos conexos poderá sempre representar uma redução do valor comercial de tais direitos.
Pode ou não o YouTube continuar a esperar ser considerado como um mero espectador da situação de os seus serviços estarem a ser utilizados para fins de violação de "copyright"?
Os titulares de direitos sobre os vídeos exibidos no YouTube começam a mostrar algum cansaço relativamente à inércia do YouTube e à recusa deste em pagar quaisquer remunerações aos titulares de direitos sobre os vídeos disponibilizados e sentem-se "Les Misérables" da era digital. A verdade é que a 13 de Março de 2007, a Viacom International, empresa americana proprietária da MTV e dos estúdios de cinema Paramount e Dreamworks, entre outros, intentou uma acção judicial contra o YouTube e o Google, peticionando o pagamento de uma indemnização de 1 bilião de dólares, por violação e incitamento à violação dos seus direitos de "copyright".
Simultaneamente, a Viacom pretende que o tribunal ordene ao YouTube a adopção de medidas razoáveis que previnam ou limitem o volume de violações de direitos de "copyright" no "website".
A controvérsia legal sobre as virtudes e os danos eventualmente causados pelo YouTube também já chegou à Europa. No final de Julho do ano passado, a cadeia de televisão italiana Mediaset intentou uma acção judicial contra o YouTube, pedindo uma indemnização de 500 milhões de euros por utilização ilícita da sua propriedade intelectual. A guerra contra o YouTube ainda não deflagrou em Portugal mas será, certamente, uma questão de dinheiro, em primeiro lugar, e, em segundo, uma questão de tempo.
Até lá, vá a www.youtube.com, insira o nome "Susan Boyle" no campo de busca ("Search") e veja o vídeo desta interpretação improvável de "I Dreamed A Dream", de Elaine Paige. Enquanto puder...
Inês de Sá
Advogada da Cuatrecasas, Gonçalves Pereira, especialista em Propriedade Intelectual
"Britain's Got Talent" é um "reality show" onde anónimos esperançados exibem o seu talento artístico.
Criado em Fevereiro de 2005, o Youtube é o "website" mais popular dentro do seu género, devido ao facto de possibilitar aos seus utilizadores o carregamento ("upload") no "website" de qualquer tipo de vídeos, sejam estes de produção própria ou de natureza doméstica, ou ainda gravações de emissões televisivas ou filmes/séries copiadas de DVD comerciais. Estima-se que sejam diariamente visio-nados no YouTube cerca de 30 milhões de vídeos.
Em tese, não é permitido o "upload" de vídeos protegidos pelo direito de autor e direitos conexos ("copyright"). Não obstante, é possível encontrar no YouTube, em quantidade e variedade significativas, conteúdos legalmente protegidos por "copyright", tal como a emissão televisiva pela ITV da actuação da Susan Boyle com o tema "I Dreamed A Dream", de 11 de Abril deste ano. Ou seja, são imensos os vídeos disponibilizados no YouTube sem a autorização dos respectivos titulares de direitos, a saber, estações de televisão, estúdios de cinema, editoras discográficas, etc. O YouTube proclama-se como sendo, ou querendo ser, apenas, um fórum para os seus utilizadores partilharem vídeos produzidos pelos próprios utilizadores, pelo que diz ser um incentivador da criatividade audiovisual e da liberdade de expressão. Tanto assim parece ser, que o slogan adoptado pelo YouTube é "Broadcast Yourself".
A existência de conteúdos ilegais naquele "website" pode (parecer?) ser um efeito colateral alheio à vontade directa do YouTube. Isto porque, repare-se, a operação técnica de "upload" dos vídeos ilegais é levada a cabo pelos respectivos utilizadores, os YouTubers, não pelo YouTube em si mesmo. Este limita-se a facultar aos YouTubers os meios técnicos necessários ao "upload" dos vídeos, que são depois disponibilizados através daquele "website". A intervenção do Youtube, segundo o próprio, limita-se a isto mesmo: oferta gratuita de meios para o "upload" de conteúdos audiovisuais, legais e/ou ilegais. Tudo o resto é da responsabilidade dos utilizadores do "website", incluindo qualquer ilegalidade daí resultante.
É inegável que o YouTube se tornou, pouco tempo após a sua criação, um caso de sucesso, a que a Google não resistiu ficar alheia. Em 2006, a Google comprou o Youtube por 1,65 bilião de dólares em acções. Ao que tudo indica, a aquisição consolidou-se após o YouTube ter logrado evitar significativos e gravosos processos judiciais com três grandes empresas de comunicação que alegavam a violação do seu "copyright" por causa da actividade do YouTube. Acredita-se que a assinatura de tais acordos teve como finalidade o melhoramento da imagem e prestígio do YouTube, nomeadamente no quadro da possível aquisição.
Do ponto de vista legal, a principal questão reside em saber se, quando os utilizadores do YouTube fazem o "upload" de vídeos ilegais (i.e. sem a autorização dos respectivos titulares de direitos), o serviço de vídeo online YouTube é também ele passível de ser responsabilizado por violação de direito de autor e direitos conexos ("copyright").
O YouTube nunca negou ter conhecimento da violação maciça de "copyright" que tem lugar no seu serviço de vídeo online. Dúvida há sobre o carácter intencional da perpetuidade dessa violação atendendo aos benefícios para o YouTube daí resultantes… "Rumor has it" que, apesar YouTube se encontrar em posição de pôr termo às actividades ilícitas de colocação à disposição do público levadas a cabo pelos utilizadores do YouTube, este não promove qualquer diligência para a sua remoção do "website", salvo quando o titular de direitos notifica o YouTube de que determinado conteúdo da sua propriedade está a ser ilicitamente utilizado. Enquanto tal não acontece, é defensável que a utilização não autorizada no YouTube de conteúdos protegidos por direitos de autor e direitos conexos poderá sempre representar uma redução do valor comercial de tais direitos.
Pode ou não o YouTube continuar a esperar ser considerado como um mero espectador da situação de os seus serviços estarem a ser utilizados para fins de violação de "copyright"?
Os titulares de direitos sobre os vídeos exibidos no YouTube começam a mostrar algum cansaço relativamente à inércia do YouTube e à recusa deste em pagar quaisquer remunerações aos titulares de direitos sobre os vídeos disponibilizados e sentem-se "Les Misérables" da era digital. A verdade é que a 13 de Março de 2007, a Viacom International, empresa americana proprietária da MTV e dos estúdios de cinema Paramount e Dreamworks, entre outros, intentou uma acção judicial contra o YouTube e o Google, peticionando o pagamento de uma indemnização de 1 bilião de dólares, por violação e incitamento à violação dos seus direitos de "copyright".
Simultaneamente, a Viacom pretende que o tribunal ordene ao YouTube a adopção de medidas razoáveis que previnam ou limitem o volume de violações de direitos de "copyright" no "website".
A controvérsia legal sobre as virtudes e os danos eventualmente causados pelo YouTube também já chegou à Europa. No final de Julho do ano passado, a cadeia de televisão italiana Mediaset intentou uma acção judicial contra o YouTube, pedindo uma indemnização de 500 milhões de euros por utilização ilícita da sua propriedade intelectual. A guerra contra o YouTube ainda não deflagrou em Portugal mas será, certamente, uma questão de dinheiro, em primeiro lugar, e, em segundo, uma questão de tempo.
Até lá, vá a www.youtube.com, insira o nome "Susan Boyle" no campo de busca ("Search") e veja o vídeo desta interpretação improvável de "I Dreamed A Dream", de Elaine Paige. Enquanto puder...
Inês de Sá
Advogada da Cuatrecasas, Gonçalves Pereira, especialista em Propriedade Intelectual