Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

What else?

Patrícia é uma radical. Durante anos, vi-a defender, no seu modo intransigente, as causas mais extremistas dessa massa de contornos indefinidos chamada consumidores. À boa maneira das correntes libertárias norte-americanas...

  • 3
  • ...
Patrícia é uma radical. Durante anos, vi-a defender, no seu modo intransigente, as causas mais extremistas dessa massa de contornos indefinidos chamada consumidores. À boa maneira das correntes libertárias norte-americanas, Patrícia desprezava olimpicamente qualquer critério de escolha que não se cingisse à suposta racionalidade do binómio qualidade-preço. Patriotismo económico? "Bullshit" - afirmava ela. Num mundo global, onde o capital e o trabalho não têm pátria, onde o interesse dos agentes económicos é desprovido de quaisquer sentimentos, que sentido faz dar preferência ao que é nacional? Pela sua frieza, era um argumento dificilmente rebatível.

Mas eis que Patrícia se transfigura. Do extremismo utilitarista passa para o nacionalismo mais feroz nas suas opções de consumo. "Percebi que o primeiro dos círculos de solidariedade era o do meu país. Se não preferirmos o que é nosso, empobrecemos" - justifica. Hoje, é vê-la a analisar os rótulos das embalagens, não tanto para conhecer as características técnicas dos produtos, mas sim para detectar a sua proveniência. "Not made in Portugal? Não compro". Em apoio da sua tese, propôs-me uma visita guiada ao sector alimentar de um hipermercado. Será possível comprar exclusivamente português?

A primeira lição é que uma marca portuguesa e um produto português não são bem a mesma coisa. Nos lacticínios, em especial nos iogurtes, a concorrência internacional de marcas como a Danone ou a Yoplait é dominante, mas nem por isso os seus produtos são necessariamente estrangeiros - pelo contrário, na sua maioria são produzidos em Portugal. Ao invés, a histórica marca Longa Vida, hoje nas mãos da Nestlé, está a ser produzida em Espanha e França. Entre as insígnias de mass market, resta uma de ADN nacional puro - a Adagio, da Lactogal. Pelo meio, muitos artigos de marca branca. No segmento dos leites ultra-pasteurizados, é também à Lactogal que cabe defender a honra lusitana, através das suas marcas Matinal, Mimosa e Agros. Da velha UCAL só resta o nome, explorado comercialmente pela italiana Parmalat. Mas no leite fresco, aí ninguém bate a Vigor.

A segunda lição, inconclusiva, foi sobre as marcas brancas. Ao contrário do que muitos supõem, não parece existir qualquer relação entre a alvura da insígnia e a portugalidade do artigo.

Certas linhas são manufacturadas cá, outras lá fora. A maioria, porém, não possui qualquer indicação compreensível acerca do local de produção, algo que eu supunha ser obrigatório. Por isso, a Patrícia advoga uma vigilância impiedosa sobre os rótulos e, à falta de indicação de proveniência, a recusa pura e simples do artigo.

A terceira constatação, já esperada, é a do domínio dos produtos nacionais em categorias tão diversas quanto os queijos, a charcutaria, os vinhos, os azeites ou as cervejas. Nas duas primeiras, as regiões de origem tendem a sobrepor-se às insígnias, apesar de as designações Nobre, Sicasal e Limiano se terem tornado familiares para os consumidores portugueses.

Curiosamente, é nos sub-segmentos sujeitos a forte concorrência espanhola, como na charcutaria de porco ibérico, que se registam os movimentos mais interessantes de afirmação de novas marcas portuguesas - Casa Porco Preto, Montanheira e Beloteiros.

A quarta verificação é a do ataque que alguns produtos de forte consumo em Portugal, como o arroz ou o café, têm registado por parte de marcas estrangeiras. No segmento gramíneo, o bom carolino perde progressivamente terreno para arrozes de outras proveniências e paladares (já é comum verem-se cabidelas feitas com basmati ou com arroz vaporizado!). Nesta guerra, a nossa frente de combate é protagonizada pelas marcas Saludães, Bom Sucesso e Pato Real.

E o café? Quem haveria de pensar que, após as fortes investidas italianas, o mercado sucumbiria aos encantos de uma multinacional suíça? Eu, pecador, me confesso: não vivo sem o Nespresso. Sorry, Patrícia.


Disclaimer: Patrícia é uma personagem virtual e não detém quaisquer participações sociais nas empresas referenciadas neste artigo.

Economista
Assina esta coluna mensalmente à segunda-feira


Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio