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Viva o Haiti!

Todos os países do planeta querem atrair capital. Da Austrália a Cuba, da China à Eslováquia, todos possuem agências de captação de investimento externo, todos conhecem o diamante da competitividade de Porter.

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Todos os países do planeta querem atrair capital. Da Austrália a Cuba, da China à Eslováquia, todos possuem agências de captação de investimento externo, todos conhecem o diamante da competitividade de Porter, todos se esforçam por encontrar fórmulas e interstícios jurídicos que permitam oferecer condições mais vantajosas aos investidores estrangeiros do que aos nacionais.

Os grandes grupos transnacionais esfregam as mãos de contentes porque a globalização lhes trouxe uma capacidade negocial inimaginável há uma vintena de anos atrás. Por isso se permitem tão amiúde criticar os mecanismos de governação democrática - embora só o façam nos países onde existe liberdade de expressão e preocupações sociais, nunca na "atractiva" China ou nos sistemas musculados do sudeste asiático -, lançar pedras às ineficiências administrativas, como se eles próprios as não tivessem, e negociar as benesses públicas até aos limites do criminalmente imputável.

Não há qualquer evidência de que as falhas apontadas às máquinas públicas tenham uma importância decisiva na hora das escolhas de investimento. Pelo contrário, os factores determinantes parecem ser, cada vez mais, a dimensão dos mercados internos e o custo da mão-de-obra. As ineficiências dos Estados, por inegáveis que sejam, servem de meros alibis para os critérios carnais da finança internacional.

O mais recente estudo do Banco Mundial, intitulado Doing Business 2004, sobre as condições de vida das empresas em 133 países do globo incide novamente sobre os estrangulamentos de origem estatal a que os agentes de mercado estão sujeitos. Seria mais um ranking de competitividade nacional relativa, com as habituais curiosidades e incongruências, não fora o facto de incluir novos critérios e países pouco comuns nestes trabalhos, o que nos permite extrair algumas conclusões surpreendentes.

Ao lado do Panamá, Portugal ocupa a última posição na "qualidade" das leis laborais. Não consegui aceder em formato electrónico à ficha técnica do trabalho, pelo que desconheço as medidas utilizadas bem como os nomes e as competências dos avaliadores nacionais, mas não deixa de ser estranho que o mesmo Panamá figure bem alto nas preferências do Banco Mundial quanto aos restantes critérios de "eficiência estatal" e que nunca tenha deixado de ser, a par da Costa Rica, o aliado comercial e político mais estável dos Estados Unidos a sul do Rio Grande.

Não menos equívoca é a inclusão no top ten da "qualidade laboral" de países como o Gana, o Botswana, o Quénia ou (pasme-se!) o Zimbabué (à frente do Reino Unido, da Nova Zelândia ou do Canadá!).

A maior originalidade do estudo está na avaliação do funcionamento da justiça, onde a unidade de medida é o tempo gasto no aparelho judicial para cobrar uma dívida. O Banco Mundial atribui a medalha de ouro à Tunísia, com uma média de sete dias na resolução de processos litigiosos, e inclui o incontornável Botswana, a Arménia e o Haiti (!) no rol das dez justiças mais céleres do mundo, onde só a Holanda e a Dinamarca (atrás do Haiti) figuram entre os países europeus. Que medalha concederia a um sistema de justiça desprovido de garantias, popular e imediato?

No Brasil, pauperrimamente classificado no estudo, a revista Veja tratou de apurar as preferências cruas do capital internacional e chegou à singela conclusão de que nenhum dos países do "primeiro mundo" é atractivo.

A China está na frente, destacada, seguindo-se-lhe o México, os "tigres asiáticos", a Índia, os países do cone andino, o leste europeu e África. Onde param os detentores das melhores práticas públicas, os países da transparência nas regras do comércio, as fontes de matéria cinzenta?

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