Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
08 de Agosto de 2013 às 10:37

Uma reforma pragmática

Anteprojecto pode contribuir para tornar o sistema mais competitivo, mais simples e menos propenso a litígios. A limitação acrescida à dedução de encargos financeiros é uma medida discutível, consideram os especialistas

  • ...

 

 
Durante o mês de Agosto o Negócios associa-se à consulta pública sobre a reforma do IRC convidando juristas, economistas, empresários e académicos a discutirem as suas características e a sua oportunidade. Hoje contamos com a análise de dois especialistas da Linklaters. Veja todas aqui

Num mundo cada vez mais plano e competitivo, um diagnóstico realista e rigoroso dos problemas e uma abordagem informada e pragmática no desenho das soluções constituem vetores fundamentais para o sucesso de um sistema fiscal.


Exatamente por isso, mais do que apenas pela valia intrínseca de algumas das propostas de alteração legislativa e recomendações, a versão preliminar do Relatório da Comissão para a Reforma do IRC (o "Anteprojeto") merece o apreço de quantos pensam e trabalham (n)a fiscalidade precisamente pelo facto de centrar a discussão num plano essencialmente técnico. É de saudar, nesses termos, o esforço da Comissão em quantificar, comparar e justificar - procedimentos comuns na atividade legislativa em jurisdições mais sofisticadas, mas infelizmente escassos entre nós -, assim como é de enaltecer, pela sua novidade no domínio tributário, a oportunidade de discussão pública do Anteprojeto.


Ainda que orientado por critérios técnicos e objetivos pragmáticos, naturalmente que o Anteprojeto não é isento de crítica. É, por exemplo, discutível o agravamento das regras de limitação dos encargos líquidos de financiamento. Na realidade, ainda que a justificação se encontre de certo modo relacionada com as lições da crise sobre o excesso de "alavancagem" da economia, não é certo que se esteja a ter em conta que em Portugal o endividamento é substancialmente para com o sistema bancário (por insuficiência de capital) e não tanto para com entidades relacionadas, visando propósitos de planeamento fiscal, como sucede noutros países cujas soluções por vezes importamos para resolver problemas de origem distinta. Por outro lado, importa recordar que a dívida é prioritária e o capital subordinado, pelo que, numa fase em que o "risco Portugal" é ainda percecionado como muito elevado, esta limitação pode dissuadir financiamento externo à economia nacional em virtude de os agentes não estarem ainda dispostos a arriscar investimentos através de capitais próprios.


Não obstante o exposto, a globalidade do Anteprojeto cumpre de forma positiva o mandato da

Comissão. As respetivas propostas e recomendações podem contribuir para tornar o sistema fiscal mais competitivo, mais simples e menos propenso a litígios. Mais competitivo quando, por exemplo, se propõe ampliar de forma significativa o regime de eliminação da dupla tributação económica, alargar o prazo de reporte dos prejuízos fiscais, otimizar o regime de tributação de grupos ou criar um regime atrativo para a propriedade industrial. Mais simples quando, por sua vez, visa introduzir um regime funcional que assegura uma tributação mínima, mas moderada, das pequenas empresas, aproximar o normativo fiscal do contabilístico e reduzir as obrigações acessórias. Menos propenso a litígios quando, por seu turno, sugere reduzir a utilização de conceitos indeterminados em matéria de dedutibilidade de gastos, proceder à revisão da disciplina das reorganizações empresariais neutras e não neutras ou adequar e clarificar vários outros dispositivos, muitas vezes para consagrar legislativamente o que já resulta de jurisprudência superior.


Sem prejuízo de estas medidas poderem naturalmente ser aperfeiçoadas e aprofundadas (e acompanhadas por outras), nomeadamente durante a fase de discussão pública, a verdadeira "prova de fogo" do Anteprojeto e a sua conversão na ambicionada "Reforma" estão ainda longe.

 

É necessário que as propostas não sejam distorcidas na discussão parlamentar que precederá a sua introdução legislativa. É igualmente essencial que a sua implementação prática não seja, no final, bloqueada pela Autoridade Tributária (como sucedeu, bem recentemente, com o regime dos residentes não habituais). E é sobretudo fundamental - sublinhe-se - que os agentes políticos aceitem que um compromisso de estabilidade e previsibilidade é imprescindível para que a Reforma seja credível e confiável. Por muito atrativo que o regime português se apresente a 1 de janeiro de 2014, poucos investidores será o mesmo capaz de persuadir se não formos capazes de assegurar que não os surpreenderemos (como tantas vezes tem sucedido) com "contra-reformas" pouco tempo depois. Se pretendemos que o sistema fiscal possa ancorar crescimento, competitividade e emprego, é crucial proporcionar uma ilha de estabilidade num mar que, tão frequentemente, apresenta demasiada turbulência.

 

 


Rui Camacho Palma e Ricardo Reigada Pereira são Advogados no Departamento Fiscal da Linklaters LLP - Sucursal em Portugal e docentes universitários.

 


* Este artigo foi escrito ao abrigo das regras do Acordo Ortográfico

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio