Opinião
Um embargo arriscado
A reorganização do mercado petrolífero seguirá um rumo que dificilmente convirá aos interesses europeus e norte-americanos.
Os efeitos contraproducentes do embargo petrolífero da União Europeia ao Irão deverão fazer-se sentir ainda antes do Verão e da imposição plena das sanções comerciais, económicas e financeiras dos Estados Unidos e de outros aliados como a Austrália.
Obrigar Teerão a regressar às negociações sobre o programa nuclear é o objectivo declarado do embargo, mas, mesmo que as conversações sejam retomadas (sem garantias de obtenção de acordo satisfatório) a reorganização do mercado petrolífero seguirá um rumo que dificilmente convirá aos interesses europeus e norte-americanos.
O Irão terá de compensar a perda do mercado da UE (20% do total das exportações de crude) e, desde logo, interessa-lhe que os preços não caiam abaixo dos 100 USD/barril para aliviar perdas das receitas na ordem dos 70 mil milhões de dólares (metade do orçamento de estado) que obtém com vendas de petróleo.
A Arábia Saudita ou a Rússia, dois exportadores com necessidade de financiarem dispendiosos programas sociais por motivos de segurança interna, partilham o mesmo interesse.
Petróleo caro
A procura global de petróleo deverá rondar este ano entre os 90 a 89 milhões de barris/dia, de acordo com projecções da "Agência Internacional de Energia" e da "Organização dos Países Exportadores de Petróleo", e a médio prazo o consumo continuará a superar a oferta.
O Irão extrai actualmente cerca de 3,5 milhões barris/dia e a capacidade de produção extra da OPEP cifra-se em 2,85 milhões barris/dia (75% assegurada pelos sauditas), segundo a AIE, chegando aos 3,8 milhões barris/dia se forem considerados Iraque, Nigéria, Venezuela e Líbia.
Caberá a Riade, além do Kuwait, Qatar e Emirados Árabes Unidos, assegurar a estabilidade do mercado, independentemente de eventuais acréscimos na produção iraquiana e líbia.
A capacidade extra das monarquias do Golfo equivale praticamente às exportações iranianas que rondam os 2,5 milhões barris/dia e teoricamente estabilizará os preços, podendo-se negligenciar a valorização de variedades de crude próximas da qualidade iraniana como o "Urals" russo em relação ao "Brent" do Mar do Norte.
O Irão deverá conformar-se com a redução a curto prazo das compras de outros importantes clientes como o Japão e a Coreia do Sul (17% e 9% das exportações, respectivamente), mas procura obviar a maiores perdas mantendo ou alargando as quotas de venda à China (20%) e Índia (17%).
Um óbice estratégico
Pequim adquiriu em 2011 ao Irão 557 000 barris/dia (um aumento de 30% em relação a 2010 ano em que as compras chinesas de crude no mercado internacional subiram 6,1%) e desde Dezembro as suas companhias pressionam Teerão para maiores descontos.
Além dos investimentos no sector de hidrocarbonetos iraniano a China dificilmente poderá reduzir drasticamente a quota de vendas do seu terceiro maior fornecedor após a Arábia Saudita e Angola.
A Índia, longe da diversidade de fornecedores conseguida pela China graças às compras em África e na América Latina, depende do Irão para 11% das suas necessidades de petróleo e 70% das suas importações provêm do Médio Oriente.
As duas potências asiáticas, independentemente da avaliação que façam dos seus interesses estratégicos nas relações com Washington e em menor medida com a União Europeia, não podem ficar excessivamente dependentes de fornecimentos de petróleo das monarquias do Golfo.
Nem a Pequim, nem a Nova Deli interessa uma dependência energética sujeita à garantia de defesa e segurança em última instância dos Estados Unidos.
Teerão irá tentar obviar aos danos do cerco norte-americano e europeu através de acordos de troca directa, da negociação de preços favoráveis - sobretudo a empresas chinesas e indianas - contornando o sistema bancário sujeito a sanções e por via do mercado negro.
As eleições legislativas de Março irão demonstrar se as sanções reforçaram uma dinâmica política mais nacionalista e intransigente no Irão como é de esperar.
A subida gradual dos preços do petróleo pode, entretanto, ser dada como adquirida porque não é possível tentar excluir o quarto maior produtor do mercado mundial sem arriscar uma agitação dificilmente controlável.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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Obrigar Teerão a regressar às negociações sobre o programa nuclear é o objectivo declarado do embargo, mas, mesmo que as conversações sejam retomadas (sem garantias de obtenção de acordo satisfatório) a reorganização do mercado petrolífero seguirá um rumo que dificilmente convirá aos interesses europeus e norte-americanos.
A Arábia Saudita ou a Rússia, dois exportadores com necessidade de financiarem dispendiosos programas sociais por motivos de segurança interna, partilham o mesmo interesse.
Petróleo caro
A procura global de petróleo deverá rondar este ano entre os 90 a 89 milhões de barris/dia, de acordo com projecções da "Agência Internacional de Energia" e da "Organização dos Países Exportadores de Petróleo", e a médio prazo o consumo continuará a superar a oferta.
O Irão extrai actualmente cerca de 3,5 milhões barris/dia e a capacidade de produção extra da OPEP cifra-se em 2,85 milhões barris/dia (75% assegurada pelos sauditas), segundo a AIE, chegando aos 3,8 milhões barris/dia se forem considerados Iraque, Nigéria, Venezuela e Líbia.
Caberá a Riade, além do Kuwait, Qatar e Emirados Árabes Unidos, assegurar a estabilidade do mercado, independentemente de eventuais acréscimos na produção iraquiana e líbia.
A capacidade extra das monarquias do Golfo equivale praticamente às exportações iranianas que rondam os 2,5 milhões barris/dia e teoricamente estabilizará os preços, podendo-se negligenciar a valorização de variedades de crude próximas da qualidade iraniana como o "Urals" russo em relação ao "Brent" do Mar do Norte.
O Irão deverá conformar-se com a redução a curto prazo das compras de outros importantes clientes como o Japão e a Coreia do Sul (17% e 9% das exportações, respectivamente), mas procura obviar a maiores perdas mantendo ou alargando as quotas de venda à China (20%) e Índia (17%).
Um óbice estratégico
Pequim adquiriu em 2011 ao Irão 557 000 barris/dia (um aumento de 30% em relação a 2010 ano em que as compras chinesas de crude no mercado internacional subiram 6,1%) e desde Dezembro as suas companhias pressionam Teerão para maiores descontos.
Além dos investimentos no sector de hidrocarbonetos iraniano a China dificilmente poderá reduzir drasticamente a quota de vendas do seu terceiro maior fornecedor após a Arábia Saudita e Angola.
A Índia, longe da diversidade de fornecedores conseguida pela China graças às compras em África e na América Latina, depende do Irão para 11% das suas necessidades de petróleo e 70% das suas importações provêm do Médio Oriente.
As duas potências asiáticas, independentemente da avaliação que façam dos seus interesses estratégicos nas relações com Washington e em menor medida com a União Europeia, não podem ficar excessivamente dependentes de fornecimentos de petróleo das monarquias do Golfo.
Nem a Pequim, nem a Nova Deli interessa uma dependência energética sujeita à garantia de defesa e segurança em última instância dos Estados Unidos.
Teerão irá tentar obviar aos danos do cerco norte-americano e europeu através de acordos de troca directa, da negociação de preços favoráveis - sobretudo a empresas chinesas e indianas - contornando o sistema bancário sujeito a sanções e por via do mercado negro.
As eleições legislativas de Março irão demonstrar se as sanções reforçaram uma dinâmica política mais nacionalista e intransigente no Irão como é de esperar.
A subida gradual dos preços do petróleo pode, entretanto, ser dada como adquirida porque não é possível tentar excluir o quarto maior produtor do mercado mundial sem arriscar uma agitação dificilmente controlável.
Jornalista
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