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08 de Novembro de 2010 às 12:18

Um cenário improvável

A ocorrência do cenário sobre a desejável situação energética do mundo no ano 2050

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A ocorrência do cenário sobre a desejável situação energética do mundo no ano 2050, que o Sr. Nabuo Tanaka, presidente executivo da IEA (Internacional Energy Agence), veio apresentar a Lisboa, no passado dia 22 de Outubro, é altamente improvável. É certo que 2050 ainda vem longe, e que daqui até lá muita coisa pode acontecer. Mas eu suspeito que nesse futuro, tão perto e tão longínquo, iremos estar muito afastados do cenário que o simpático japonês nos apresentou como necessário e desejável.

A EIA é muitas vezes referenciada pela designação de "cão de guarda" dos países da OCDE por velar pela sua segurança energética, garantindo razoáveis níveis de stocks de crude para serem usados em situações de emergência. E, disse o Sr. Tanaka, ao longo da sua história já por duas vezes a agência teve necessidade de intervir: em 1991, na Guerra do Golfo, e no período subsequente ao Katrina, libertando, por dia, no mercado 2 milhões de barris de crude dos seus stocks, e assegurando, deste modo, que os preços do petróleo não disparassem.

Todo o discurso de Tanaka foi construído à volta da comparação de dois cenários extremos: o cenário "normal", que ele designa de "baseline", é o que ocorreria se a energia estivesse disponível, como até agora, de forma barata e abundante e se não existisse o problema do aquecimento global. É o cenário decorrente do crescimento contínuo e exponencial da economia e do consumo energético, aquilo que os ingleses chamam "business as usual". Aquele que os governantes desejam para reduzir o défice e garantir o pleno emprego, e aquele em que os economistas das escolas clássicas acreditam, pois foi para ele, e só para ele, que foram preparados.

E contrapõe a este cenário um outro que ele designa de "blue map" que é aquele que terá de ocorrer para garantir que a concentração de CO2 na atmosfera se mantenha em níveis aceitáveis, e que, por outro lado, se ajuste à previsível escassez de energia fóssil, garantindo que não haverá rupturas de abastecimento. Bem diferente do cenário "baseline".

O cenário "blue map" exigirá que em 2050 (com a população a aumentar 3 mil milhões de almas!) se consuma menos carvão, menos petróleo e menos gás natural do que actualmente; que se vendam quase exclusivamente carros eléctricos; que todos os anos, daqui até 2050, sejam construídas 30 novas centrais nucleares; que, em 2050, 22% da electricidade produzida seja de origem eólica e que 11% seja de origem solar. E que, para atingir esses objectivos, sejam instalados, todos os anos, 12 000 novas turbinas eólicas de 4 MW cada, e 325 km2 (!) de novos painéis solares fotovoltaicos.

Para conseguir os objectivos do "blue map", invoca-se a necessidade de aumentar fortemente eficiência energética (pode ter o efeito oposto, recordo o paradoxo de Jevons!), e preconiza-se a adopção da (muito cara e ainda inexistente!) tecnologia de captura e armazenamento do CO2 emitido mas centrais termoeléctricas (CCS); apontam-se duas vias alternativas, a nuclear e a eólica, esta última a mais cara. E considera-se, sem lugar a dúvidas, que o futuro energético do mundo passará pela electricidade.

Ora este idílico "blue map", na minha opinião, só pode ser concebido nos slides do Sr. Tanaka, e nunca irá ocorrer na realidade. A "ordem económica" mundial não o vai permitir, pois a "mão invisível" do Sr. Adam Smith, que a regula, não entende o aquecimento global, nem tem em consideração o pico do petróleo; ela age movida pela exigência básica do capitalismo que é o crescimento a todo o custo, baseado na concorrência e na optimização dos factores de produção. E a esta ordem económica (chamemos-lhe capitalismo) esteve sempre associada à predação dos recursos naturais e à destruição ambiental.

Dizia há dias Joseph Tainter: "Considerando que a energia serve para resolver os nossos problemas, ninguém vai passar a usar menos se não for obrigado a isso". A questão crucial é a de saber quem nos vai obrigar, e se a bem ou a mal!


Presidente do Grupo Marktest, membro da ASPO Portugal
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