Opinião
Um 2007 incerto
A guerra desencadeada pela Etiópia contra os islamitas da Somália é o primeiro dos sinais de que o ano de 2007 ameaça trazer notícias desagradáveis e instabilidade acrescida.
Demasiados impasses e tensões estão, desde logo, condicionados pela desorientação e dificuldade da administração Bush em avançar com iniciativas políticas credíveis frente a um Congresso hostil e pouco virado para compromissos de fundo em ano de arranque das candidaturas à Casa Branca.
As expectativas de que o crescimento da economia norte-americana registe um abrandamento controlável não obstam, por sua vez, a que demasiados parceiros comerciais e políticos, em particular a União Europeia, se mostrem inquietos com a queda do dólar (que se depreciou 11 por cento face ao euro em 2006), ora com ameaças proteccionistas agravadas pelas dificuldades nas negociações sobre a ronda de Doha e o imparável défice comercial de Washington que atingiu este ano os 800 mil milhões de dólares.
As consequências do fracasso do Iraque irão agravar-se, descartando as hipóteses de mediação construtiva dos Estados Unidos nas crises que abalam a Palestina e o Líbano. Face à determinação de Teerão em prosseguir o seu programa militar nuclear e à relutância de países como a Rússia, a China e a Índia em imporem sanções comerciais e financeiras significativas ao Irão a crise no Médio Oriente tenderá a agudizar-se.
Os diferendos sobre a política a seguir pela Arábia Saudita, temente à fragilidade das garantias de segurança dos Estados Unidos e à ameaça iraniana e xiita, já começaram a fazer-se sentir com diferendos abertos no seio do clã Saud.
A estabilidade da monarquia saudita poderá ser posta em causa tal como o regime autocrático de Hosni Mubarak num Egipto confrontado com o desafio da sucessão. O sucesso das ambições do seu filho Gamal não é seguro e uma eventual crise política no Egipto só poderá reverter no imediato a favor de correntes islamitas radicais.
A SUCESSÃO PUTINISTA
A sucessão na Rússia putinista é outro dos grandes factores a augurar um 2007 incerto. Vladimir Putin tem reiterado a intenção de retirar-se em Março de 2008 e vai testando os méritos dos dois candidatos que de momento promove para uma eventual sucessão: os vice-primeiros-ministros Dmitri Medved e Sergei Ivanov.
Uma estratégia de crescimento económico assente nas exportações de hidrocarbonetos e a centralização política fazem consenso nas elites russas, mas levantam o problema de como assegurar a eficácia da chamada "vertical do poder" a partir do momento em que Putin deixe o Kremlin.
Um poder divido, com a presença tutelar de Putin a pairar sobre o chefe de estado nominal, seria fautor de crise permanente, como o demonstra toda a história russa, e a busca de uma solução para este dilema vai determinar as opções de Moscovo ao longo de todo o ano.
Será, indubitavelmente, uma conjuntura que dificultará as relações com a União Europeia, Washington e os países da antiga esfera soviética e outro contributo para maior confronto político e estratégico no Cáucaso e, também, na Ásia Central onde está em causa a periclitante durabilidade dos regimes autocráticos em estados chave como o Cazaquistão, o Turquemenistão ou o Usbequistão.
A União Europeia pode, assim, preparar-se para forte turbulência nas relações com Moscovo o que não ajudará os 27 a levar a bom porto projectos de integração política no quadro da revisão do falhado projecto constitucional.
A eleição presidencial francesa trará à primeira linha, por sua vez, a contestação à política seguida pelo Banco Central Europeu, complicando os termos de discussão da reforma institucional e de futuros alargamentos da União.
As dificuldades da coligação governamental de Angela Merkel e a chegada de Gordon Brown a Downing Street são outras condicionantes em desfavor do reforço da credibilidade política internacional dos 27 que terão de fazer valer as suas apostas de apoio financeiro a África e combate à emigração ilegal.
A CREDIBILIDADE DA NATO
A NATO é, por seu turno, outra entidade em sério risco de credibilidade pois o falhanço da intervenção no Afeganistão lança dúvidas sobre a real capacidade de projecção de poder da maior organização militar do mundo.
O envolvimento de forças da Aliança noutros palcos de conflito está desse modo muito comprometido, apesar dos projectos de alargamento, designadamente à Geórgia, continuarem em aberto. Uma intervenção mesmo muito limitada de forças da NATO para suster o genocídio do Darfur, uma crise em que a incapacidade da ONU e da União Africana é ainda mais evidente, é de momento bastante improvável e de resultados ainda mais dúbios.
O conflito no Sudão, que tem vindo a destabilizar estados vizinhos como o Chade e a República Centro-Africana, é apenas uma das crises que atormentam a África, um dos continentes em que os efeitos negativos das alterações climáticas (tópico maior de discussão internacional) mais se fazem sentir.
Além do triângulo de guerra que arrasta a Somália, a Etiópia e a Eritreia, as tréguas incertas na região dos Grandes Lagos, na Libéria e na Serra Leoa, estão muito dependentes da evolução em estados chave como a Nigéria. O conflito no delta do Níger poderá ser ainda contido em 2007 e a eleição presidencial do governador muçulmano do estado de Katsina, Umaru Yar’Adua, é um possível factor de contenção na instável Nigéria caso se concretize sem provocar confrontos com os Yoruba.
Angola, por seu turno, é exemplo de estado petrolífero e diamantífero em que a chegada da China a África, serve para reforçar o regime vigente, a inerente cleptocracia e o poder pessoal de Eduardo dos Santos.
De adiamento em adiamento, promete-se agora uma eleição parlamentar para 2008 e a escolha do chefe de estado para o ano seguinte, por sinal na mesma altura em que Jacob Nzuma poderá concorrer à sucessão de Mbeki na África do Sul. Se a saúde não trair Eduardo dos Santos 2007 será ano para gozo dos rendimentos e mediações simbólicas para sustentar Robert Mugabe no poder.
DEPOIS DE FIDEL
Na América Latina, mais do que o passamento de Fidel e o eventual êxito de Raúl Castro em conseguir liderar o grupo de transição apostado no reforço do papel dirigente e administrativo do Partido Comunista, em conjunção com as Forças Armadas, assegurando o controlo estatal na economia, o maior risco aparenta vir da contestação no México ao recém-empossado Felipe Calderón.
A virulência das esquerdas lideradas por López Obrador na campanha contra o presidente, os conflitos em Oaxaca e Michoacan e o tráfico de drogas representam uma conjugação de perigos preocupante.
As ambições de Hugo Chávez em suceder a Castro na liderança revolucionária continental estão contidas pelas fragilidades estruturais da economia venezuelana que acabam por remeter Caracas a patrono financeiro de Cuba, da Nicarágua de Daniel Ortega e da Bolívia de Evo Morales.
Álvaro Uribe tem, por sua vez, poucas hipóteses de pacificar a Colômbia e derrotar a guerrilha das FARC, mas é de esperar que, juntamente, com Lula, no Brasil, Néstor Kirchner, na Argentina, e Michelle Bachelet, no Chile, possa contribuir para manter a América Latina num curso capaz de evitar convulsões gravosas.
PERIGOS ASIÁTICOS
O Paquistão está no epicentro de uma zonas de conflito mais perigosas de 2007.
Pervez Musharaff talvez escape de novo aos sucessivos atentados que o visam desde a tomada do poder em 1999, mas os dias do general estão contados. As tentativas de Musharaff para se perpetuar na presidência e na chefia das forças armadas esbarrarão com a hostilidade de largos sectores da hierarquia militar e de todos os partidos da oposição que aguardam pelas prometidas eleições parlamentares e presidenciais.
As tensões com as tribos pashtun na fronteira com o Afeganistão, o irredentismo dos separatistas do Baluchistão, o terrorismo dos radicais islamitas, o conflito de Caxemira e a periclitante relação com Nova Dehli auguram um fim trágico para o general.
A Índia, envolvida numa nova parceria com os Estados Unidos que reconheceram o seu estatuto de potência militar nuclear, está demasiado enredada nas dificuldades da política de reformas económicas prosseguida por Manmohan Singh para puder descartar propostas de compromisso vindas de Islamabade sobre Caxemira e mostra-se interessada em cooperar com a China, apesar dos conflitos de interesses no Índico e, em particular, na Birmânia.
A exasperante crise no Bangladesh em que, além dos atentados terroristas islamitas, se confrontam as rivais Begum Khaleda Zia, do Partido Nacionalista no poder, e Sheikh Hasina, da Liga Awami, poderá, no entanto, redundar num conflito sangrento que arraste Nova Dehli já suficientemente preocupada com a manutenção das tréguas no Nepal e o recrudescer da guerra civil no Sri Lanka.
No contexto de instabilidade regional, o risco de atentados terroristas em larga escala pode lançar por terra as expectativas de retoma económica do presidente indonésio Susilo Yudhoyono.
O êxito do processo de paz em Aceh e a subsequente vitória eleitoral dos islamitas do Movimento de Libertação de Aceh obrigam, também, a novas e difíceis concessões de Jacarta no sentido da federalização do poder que podem ter repercussões nas Molucas, nas Celebes e na Papua. A irremediável instabilidade de Timor-Leste não é de todo em todo do interesse de Jacarta que pretende preservar o recém assinado tratado de segurança com a Austrália.
Ameaças terroristas são outra constante nas Filipinas em que a presidência de Gloria Arroyo poderá não sobreviver a um golpe, mas, tal como na Tailândia, a violência separatista nas regiões muçulmanos é um risco maior, aparentemente passível de resolução política.
Já na Ásia do Norte Pyongyang ameaça provocar uma crise de proporções calamitosas. A sobrevivência do regime de Kim Il Sung é uma incógnita com variáveis nucleares que pode acarretar quer um conflito armado, quer a nuclearização militar do Japão.
Para 2007 a aposta de uma das principais potências, a China, é, no entanto, o congelamento de conflitos, incluindo o diferendo de Taiwan, num compasso de espera para os Jogos Olímpicos e de contenção das tensões sociais graças à continuação da expansão económica que poderá cifrar-se nos dez por cento.
OS ATENTADOS A TEMER
Todas as previsíveis áreas de conflito, sobretudo no Médio Oriente e na Ásia do Sul, estão numa situação de tamanha tensão e acumular de impasses que atentados terroristas podem repercutir o efeito Sarajevo.
Tal como o atentado de Gravilo Princip foi pretexto para desencadear a guerra entre as potências europeias no Verão de 1914 também agora atentados bem sucedidos podem acarretar consequências que escapem ao controlo dos estados envolvidos.
O rol de assassinatos e atentados a temer é tão grande – terrorismo com armas químicas, bacteriológicas ou biológicas, ataques calamitosos a instalações nucleares e petrolíferas ou, ainda, a rotas comerciais nos Estreitos de Malaca, Ormuz ou Dardanelos, ou nos Canais do Panamá, do Bósforo e do Suez – que o ano de 2007 acaba por vir mergulhado na maior das incertezas.