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Relações Angola-Portugal sem turbulência à vista

Por maior ou menor que venha a ser o ruído sobre a forma como decorreram a preparação, o acto e os resultados das eleições gerais hoje em Angola, ninguém vai ferir a legitimidade do MPLA em continuar a governar o pais e de José Eduardo dos Santos manter-se como o factor congregador de um processo de reconstrução nacional que, já se viu, precisa mais do que betão e asfalto e tem de se virar, agora, para a satisfação das necessidades básicas de uma população que demonstrou, definitivamente, aceitar a paz como ganho maior destes quase trinta e sete anos de independência.

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Nem a oposição, com a UNITA à cabeça, se atreveria a beliscar essa força dominadora resultante da conjugação entre um partido que se transpõe nos momentos decisivos, esquecendo ou adiando feridas e divisões antigas, e uma liderança que se consolidou ao longo de 32 anos e que personifica o real poder em Angola.

A tentativa de descredibilizar o processo eleitoral para depois lhe retirar significado aos resultados não só estará, uma vez mais, condenada a fracasso interno e mesmo internacional, como poderá vir a revelar-se contraproducente para os seus seguidores, há muito confrontados com o espectro da derrota, por uma clara falta de adaptação aos novos tempos que lhes possa catapultar para uma alternância credível, sem desconfianças de represálias e promessas de começar tudo de novo.

Ao escolher este novo modelo eleitoral, Eduardo dos Santos optou claramente por um sistema que lhe permite, antes de mais, a legitimidade do poder reclamada dentro e fora de portas e, simultaneamente, dar sequência ao processo de transição para a sua retirada da cena política activa em 2017.

Engana-se, pois, quem pensa que o presidente angolano cumprirá apenas meio mandato, abrindo caminho para Manuel Vicente, sua escolha pessoal, vir a ser o seu sucessor.

José Eduardo dos Santos precisa de mais de meio mandato para preparar a sua saída e afirmar o seu substituto. A opção Manuel Vicente não foi suficientemente consensual obrigando, ainda, a muito trabalho de afirmação por entre o MPLA e as forças armadas e militarizadas. A mais do que provável indicação de Pitra Neto (ministro cessante do Emprego e Administração Pública) para presidente do Assembleia Nacional é a prova provada de um ensaio que está longe de estar concluído...

Só a retirada, à ultima hora, da UNITA das lista dos concorrentes eleitorais, poderia manchar a manutenção do poder do MPLA e do seu líder. Mas isso teria consequências piores, desastrosas mesmo, para a UNITA e a sua actual direcção, a braços com dissensões às claras cujo exemplo mais flagrante foi a criação da Casa-CE de Abel Chivukuvuku, a quem se augura melhor desempenho eleitoral em... 2017!

Com José Eduardo dos Santos e Manuel Vicente no leme de Angola nos próximos cinco anos, Portugal continuará ser o parceiro privilegiado que, apesar de não possuir os biliões da China, EUA, Alemanha, Brasil ou África do Sul, preenche espaços que nenhum dos cinco citados consegue, mesmo e quando a língua funciona como factor de aproximação.

O MPLA estará sob maior escrutínio, como aconteceu, aliás desde 2008. É expectável uma maioria absoluta, mas também uma oposição mais forte. As promessas já não são para o vento as levar. A população está atenta e é cada vez mais exigente, não ficando indiferente a fenómenos como a corrupção e a distribuição desigual da riqueza. A componente social do seu programa terá de se impor verdadeiramente durante o próximo quinquénio, na base de uma política séria de combate à fome e à pobreza e debelação das gritantes diferenças sociais, geradoras elas próprias de convulsões contrárias à estabilização indispensável para a captação de investimentos externos.

Se a China remontou a estrutura dos caminhos de ferro, Portugal pode e bem contribuir para o seu pleno funcionamento e exploração, no que aliás já está empenhado à semelhança do que sucede em outras áreas.

Por entre as grandes infra-estruturas que se ergueram e se estão a erguer, são inúmeros os desafios de Angola para os próximos anos, onde sectores vitais como a energia e águas, habitação, educação e saúde, precisam de ser melhorados em grande escala e que não podem continuar a ser tratados com paliativos de chave na mão, sem que a condição humana seja devidamente tida em conta. E nesse particular, Portugal pode ter uma palavra a dizer. Basta citar três das mais emblemáticas obras como a nova marginal de Luanda, o aeroporto internacional da Catumbela ou a sede do Parlamento para se ver o espaço de manobra para as empresas portuguesas que já " descobriram" que há muito negócio para além de Luanda. A aposta de Angola está, claramente, na diversificação das suas fontes de receita, reduzindo a dependência do petróleo (que continuará como a alavanca do crescimento) e projectando outras áreas de grandes potencialidades, como a agricultura, a indústria e o alargamento da exploração mineira não apenas aos diamantes mas também ao ferro, ouro e outros.

Mais do que as incertezas políticas - infundadas pela manutenção do status quo depois do escrutínio, que as principais forças da oposição aproveitaram para agitar durante a campanha eleitoral com o estafado argumento do "crioulismo", que mais não é do que a dependência de Portugal e dos portugueses -, existem dúvidas empresariais quanto aos potenciais interlocutores lusos para futuras parcerias numa altura em que se acumulam as falências e que os contactos de hoje podem não ser os mesmos de amanhã.

A ligação empresarial entre Angola e Portugal, passa muito além das relações e investimentos de Isabel dos Santos, Manuel Vicente ou Manuel Vieira Dias "Kopelipa" e os grandes grupos lusos. Banca, telecomunicações, energia e distribuição são áreas de grande dimensão, mas há um sem número de oportunidades que passam pelas PME que serão cada vez mais solicitadas a constituir parcerias com o empresariado angolano, que se quer cada vez mais forte e actuante dentro e fora de portas.

Ruídos como os que se têm espalhado nos últimos dias sobre o eventual interesse de grupos angolanos concorrerem à privatização ou concessão da televisão pública portuguesa, em que líderes políticos citam expressa e unicamente o nome do Presidente de Angola como o seu principal interessado, não fazem qualquer sentido e são achados como obsessões que escondem resquícios neo-coloniais, exactamente contra os quais devem caminhar as relações bilaterais entre Angola e Portugal.

Portugal será sempre uma porta de entrada de Angola para a Europa, por mais diversificadas e diferentes outras que existam e o investimento angolano está pensado não para comprar Portugal e os portugueses mas numa estratégia de internacionalização que tende a expandir-se através do próprio Estado, talvez já não através da Sonangol mas do Fundo Soberano recentemente criado.

Jornalista angolano,ex-director do semanário "Novo Jornal"
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