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"Rebentos verdes" e viçosos ou "ervas daninhas" secas e amareladas?

Os dados mais recentes sugerem que o ritmo de contracção da economia mundial poderá estar a abrandar. No entanto, as esperanças de que possam estar a despontar "green shots" ("rebentos verdes") de recuperação viram-se...

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Os dados mais recentes sugerem que o ritmo de contracção da economia mundial poderá estar a abrandar. No entanto, as esperanças de que possam estar a despontar "green shots" ("rebentos verdes") de recuperação viram-se frustradas por muitas "ervas daninhas" amareladas. Os dados mais recentes sobre o desemprego, vendas a retalho, produção industrial e mercado imobiliário nos Estados Unidos continuam bastante débeis; o crescimento do PIB europeu no primeiro trimestre é desalentador; a economia do Japão está ainda em estado comatoso; e até mesmo a China - que está em recuperação - divulgou números bastante fracos relativamente às exportações. Por isso, a opinião consensual de que a economia mundial em breve tocaria no fundo revelou-se - uma vez mais - demasiado optimista.

Depois do colapso do Lehman Brothers, ocorrido em Setembro de 2008, o sistema financeiro global quase afundou e a economia mundial entrou em queda livre. Com efeito, o ritmo de contracção económica no quarto trimestre de 2008 e no primeiro trimestre de 2009 atingiu níveis próximos da depressão.

Foi então que os estrategas políticos de todo o mundo começaram a agir com fé e a utilizar a maioria das armas do seu arsenal: forte flexibilização da política orçamental; expansão monetária convencional e não convencional; biliões de dólares de apoio à liquidez, recapitalização, garantias e seguros para deter a crise do crédito e da liquidez; e, por último, um vasto apoio às economias dos mercados emergentes. Só nos últimos dois meses, houve mais de 150 tipos de intervenções em todo o mundo.

Esta política - equivalente à doutrina de "força esmagadora" do ex-secretário de Estado norte-americano Colin Powell -, de par com a forte queda da produção para níveis abaixo da procura final de bens e serviços (o que foi esvaziando os inventários de mercadoria por vender), prepara o cenário para a maioria das economias atingirem o fundo em inícios do próximo ano.

Ainda assim, está provado que os optimistas que no ano passado falavam de uma aterragem suave ou de uma recessão moderada, com a duração de oito meses e "em forma de V", estavam errados, ao passo que aqueles que afirmavam que se trataria de uma recessão mais severa, com a duração de 24 meses e "em forma de U" - a contracção nos EUA está já no seu 18º mês - estavam certos. E a recente vaga de optimismo - que defendia que as economias tocariam no fundo em meados deste ano - foi frustrada pelos dados económicos mais recentemente divulgados.

No entanto, a questão crucial que se coloca não é a de saber quando é que a economia global vai bater no fundo, mas sim até que ponto é que a recuperação mundial - independentemente de quando suceder - será robusta ou débil no médio prazo. Não se pode descartar que haja alguns trimestres com um acelerado crescimento do PIB, à medida que o ciclo dos inventários e o enorme impulso gerado pelas políticas de fundo aplicadas forem conduzindo a uma recuperação de curto prazo. Mas esses "rebentos verdes" que tentarão despontar e de que tanto ouvimos falar actualmente poderão muito bem ser asfixiados por "ervas daninhas" a médio prazo, anunciando uma retoma global débil ao longo dos próximos dois anos.

Em primeiro lugar, a criação de empregos continua a diminuir fortemente nos Estados Unidos e noutras economias. Com efeito, nas economias avançadas, a taxa de desemprego estará acima dos 10% em 2010. Más notícias para o consumo e para a dimensão das perdas sofridas pela banca.

Em segundo lugar, esta é uma crise de solvência, não apenas de liquidez, mas a verdadeira desalavancagem ainda não começou, pois as perdas privadas e as dívidas dos agregados familiares, instituições financeiras e mesmo corporações não estão a ser reduzidas, mas sim a ser socializadas e a ser incluídas nos balanços dos governos. Enquanto não houver desalavancagem, a capacidade dos bancos para conceder empréstimos, das famílias para consumir e das empresas para investir estará limitada.

Em terceiro lugar, nos países com défices nas balanças de transacções correntes, os consumidores terão de cortar nos gastos e poupar muito mais durante bastantes anos. Os consumidores, que gastaram em excesso, pouparam menos e estão sobrecarregados com dívidas foram atingidos por um choque de riquezas (queda dos preços das casas e dos mercados accionistas), pela subida do rácio serviço-dívida e pela diminuição dos rendimentos e dos postos de trabalho.

Em quarto lugar, o sistema financeiro - apesar do apoio político - foi severamente danificado. Grande parte do sistema bancário paralelo desapareceu e os bancos comerciais tradicionais vêem-se a braços com biliões de dólares de perdas previstas em créditos e títulos, enquanto permanecem seriamente descapitalizados. Assim sendo, a crise do crédito não será facilmente atenuada.

Em quinto lugar, a fraca rentabilidade, resultante do elevado endividamento e do risco de aumento do crédito malparado, o fraco crescimento económico - o que diminui as receitas - e a persistente pressão deflacionista sobre as margens das empresas são factores que continuarão a diminuir a vontade das empresas de produzir, contratar colaboradores e investir.

Em sexto lugar, o aumento da dívida nacional acabará por levar a um aumento nas taxas de juro reais, o que poderá conter as despesas do sector privado e mesmo conduzir a um risco de refinanciamento soberano.

Em sétimo lugar, ao passo que a monetização dos défices orçamentais não desencadeia inflação no curto prazo, o abrandamento dos mercados do trabalho e da produção é sinónimo de forte deflação. Se os bancos centrais não encontrarem uma boa estratégia para abandonarem as estratégias que duplicam ou triplicam a base monetária, o aumento dos preços no consumidor ou mais uma perigosa bolha do crédito ou de outro activo (ou ambos) acabará por suceder. As mais recentes subidas de preços das acções, matérias-primas e outros activos de risco são claramente movidas pela injecção de liquidez.

Em oitavo lugar, algumas economias de mercados emergentes com fundamentais económicos mais débeis poderão não conseguir evitar uma grave crise financeira, apesar do forte apoio por parte do Fundo Monetário Internacional.

Por último, a redução dos desequilíbrios em todo o mundo implica que os défices das balanças comerciais das economias dispendiosas (os Estados Unidos e outros países anglo-saxónicos) diminuam os superávites das balanças comerciais dos países que poupam em excesso (China e outros mercados emergentes, Alemanha e Japão). Mas se a procura interna não crescer com suficiente rapidez nos países com excedentes comerciais, a resultante falta de procura global face à oferta - ou, de maneira equivalente, o excesso de poupanças globais face aos gastos com o investimento - levará a uma retoma mais fraca do crescimento mundial, com muitas das economias a crescerem muito mais lentamente do que a sua capacidade potencial.

Assim, os "rebentos verdes" da estabilização poderão ser substituídos pelas "ervas daninhas" da estagnação se uma série de factores de médio prazo restringir a capacidade da economia global de reentrar na via do crescimento sustentado. Se estas debilidades estruturais não forem solucionadas, a economia mundial poderá crescer em 2010-2011, mas a um ritmo anémico.

Nouriel Roubini é professor de Economia na Stern School of Business, Universidade de Nova Iorque, e CEO da RGE Monitor (www.rgemonitor.com)
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