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15 de Setembro de 2010 às 12:00

Quem deve salvaguardar a estabilidade financeira?

Os bancos centrais de todo o mundo não conseguiram antecipar a actual crise financeira que começou no início de 2007. Martin Cihák do Fundo Monetário Internacional divulgou em Julho de 2007 que, dos 47 bancos centrais que publicaram relatórios de estabilidade financeira, "quase todos" deram uma "avaliação positiva aos seus sistemas financeiros nacionais".

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Mas apesar destes bancos centrais terem falhado antes da crise, devem continuar a ter um papel importante na prevenção da próxima crise. Essa é a conclusão, talvez pouco intuitiva, que o grupo Squam Lake [http://squamlakegroup.org/], um "think tank" que reúne 15 economistas financeiros e ao qual eu pertenço, do nosso mais recente relatório, "Fixing the Financial System".

O sistema financeiro necessita urgentemente de reguladores macro-prudenciais (funcionários governamentais que não se centram na solvência das instituições financeiras mas sim na estabilidade de todo o sistema financeiro) e os bancos centrais são as instituições mais adequadas para desempenhar este papel.

Outros reguladores também não conseguiram antecipar a actual crise e estão menos preparados para prevenir a próxima.
Aparentemente o novo Governo de David Cameron no Reino Unido chegou à mesma conclusão quando anunciou que pretende transferir a regulação da Financial Services Authority (regulador do mercado financeiro britânico) para o Banco de Inglaterra.

Mas não existe unanimidade sobre o papel regulador dos bancos centrais. Nos Estados Unidos, por exemplo, é reconhecida a importância da regulação macro-prudencial mas não de dar essa autoridade à Reserva Federal (Fed).

A recente legislação aprovada sobre a reforma do sistema financeiro norte-americano atribui a política macro-prudencial a um novo Conselho de Supervisão de Estabilidade Financeira (Financial Stability Oversight Council). Isso é bom, mas o secretário do Tesouro dos Estados Unidos vai ser o presidente do conselho e a Fed, apesar de ter ganho novos poderes, será, em grande medida, apenas mais um dos muitos membros.


O presidente do conselho é, assim, um político nomeado que serve os interesses do presidente. A história recente mostra que os políticos nomeados não conseguem, muitas vezes, tomar medidas corajosas e impopulares para estabilizar a economia. Um moderno presidente dos Estados Unidos recorda-se certamente como difícil que foi convencer os eleitores a colocá-lo onde ele está e está em campanha permanente para manter as taxas de aprovação e para preservar as perspectivas do seu partido nas próximas eleições.

O secretário do Tesouro faz parte da equipa do presidente e trabalha ao lado da Casa Branca.
George W. Bush ganhou as eleições de 2000, apesar de ter perdido o voto popular. Em 2003, Bush escolheu para secretário do Tesouro, John W. Snow, presidente de uma empresa ferroviária, que como escreveu colunista Alan Abelson "podia não ser a pessoa mais brilhante do gabinete".

Snow teve uma atitude de deferência com o presidente e apoiou cegamente as suas políticas até deixar o gabinete em 2006, pouco tempo antes do início da crise. De acordo com a nova lei, Snow teria estado a liderar a estabilidade de toda a economia norte-americana.
Um tema que surgiu na campanha de reeleição de 2004 foi o da "sociedade de proprietários". Uma economia bem sucedida, argumentou Bush, exige que as pessoas aprendam a assumir a responsabilidade pelas suas acções e as políticas que visavam impulsionar a compra de casas iriam permitir introduzir essa virtude em larga escala. Isto soou bem aos eleitores, especialmente se significava políticas governamentais que encorajavam o surgimento de uma bolha imobiliária e tornavam os seus investimentos imobiliários muito mais valiosos.

Snow repetiu as palavras do seu chefe. "A economia norte-americana está a começar a recuperar", disse em 2003. Dois anos mais tarde, quando se aproximava o ponto culminante das bolhas dos mercados accionistas e imobiliário, afirmou: "Podemos estar satisfeitos que a economia está no bom caminho e a crescer de forma sustentável".

Mas Bush tem a seu favor o facto de, em 2006, ter nomeado Ben Bernanke para presidente da Reserva Federal. Bernanke, que não fazia parte da equipa de Bush, estava protegido das pressões políticas devido à longa tradição norte-americana de tradição de respeito pela independência da Fed. A escolha de Bernanke, um excelente especialista, aparentemente, reflectiu a aceitação por parte de Bush do desejo da opinião pública de nomear um especialista para liderar a Fed.

Os mesmos problemas ocorrem em muitos outros países. As pessoas que são escolhidas para ganhar as próximas eleições acabam, muitas vezes, por ver as suas opiniões económicas limitadas. Por exemplo, em 2003, uma notícia informava que o secretário do Tesouro australiano, Ken Henry, tinha avisado para uma "bolha imobiliária" no país. Mas rapidamente, Henry tentou retirar a sua informação dizendo que "não era para citá-la fora desta sala". No início deste ano propôs, finalmente, uma nova política orçamental para travar a bolha imobiliária do país.

No entanto, Ken Henry não consegue agora que o seu governo implemente esta medida.
Pelo contrário, nas últimas décadas os bancos centrais de muitos países têm ganho gradualmente a aceitação do princípio da independência face às pressões políticas do dia-a-dia. Actualmente, em grande parte do mundo, a opinião pública entende que os bancos centrais façam o seu trabalho sem a interferência do poder político.

Existe a tradição de que o presidente do banco central seja como um filósofo, que defende uma política sensata de longo prazo, e esta tradição faz com que seja politicamente mais fácil para os bancos centrais fazer o que está certo.
De facto, apesar dos bancos centrais de todo mundo não terem conseguido antecipar a actual crise e, antes de 2007, não terem tomado as medidas necessárias para aliviar as pressões que levaram à crise, reagiram decisiva energicamente assim que a crise rebentou com acções internacionais coordenadas.

Isto foi facilitado pela tradição de independência política e cooperação desenvolvida ao longo dos anos pelos bancos centrais.
A crise destacou a extraordinária importância da regulação macro-prudencial. Apesar dos nossos bancos centrais não serem juízes perfeitos da estabilidade financeira, continuam a ser as instituições com melhor posição política e institucional para a garantir.

Project Syndicate, 2010.
Tradução: Ana Luísa Marques




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