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Quantos anos de desapontamento? (I)

Foi há sensivelmente um ano que escrevi, nesta coluna, o texto «A Factura», no qual dava conta da ultrapassagem, em 2003, da Grécia a Portugal em termos de PIB «per capita» corrigido pelas paridades do poder de compra (PPC) e identificava as razões por qu

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Portugal voltava a ser o lanterna vermelha da UE-15 (depois de ter deixado esse lugar no início dos anos 90), isto é, voltávamos a ser os mais pobres dos 15.

Entretanto, o Eurostat reviu a metodologia de cálculo das séries do PIB em PPC (o que acontece de tempos a tempos e provoca algumas discrepâncias que, em meu entender, em nada beneficiam a credibilidade destes dados - o que faz com que os utilize com alguma relutância; mas enfim, são os mais usados e por isso também a eles recorro...) e, com a entrada dos dez novos países na UE em Maio último, as novidades – que já não eram boas – tornaram-se ainda piores. De facto, com a recente publicação das projecções de Outono da Comissão Europeia, até os mais optimistas não vão poder deixar de se adaptar à realidade.

E que realidade tão confrangedora é esta? Vejamos:

- Afinal, a Grécia não ultrapassou Portugal em 2003, mas sim um ano antes, em 2002;

- O recente alargamento da UE trouxe boas e más notícias para o nosso país – mais más do que boas. As boas residem no facto de Portugal ter deixado de ser o país mais pobre da União: entre os 15, éramos... o décimo-quinto (último); entre os 25, os dados de 2004 dizem-nos que já não somos o último, mas sim o décimo-sétimo. As primeiras más notícias, está o leitor a ver mesmo quais são: é que, não sendo décimos-quintos, dois dos países do alargamento – Chipre e Eslovénia – já têm um nível de vida médio superior ao nosso (Chipre desde sempre, a Eslovénia desde 2002, ver quadro 1).

- Mas, como já referi, há mais más notícias: é que as projecções até 2006 continuam a ser em baixa. De facto, até esse ano, veremos os países da UE-15 com que somos habitualmente comparados – Espanha, Grécia e Irlanda –, mas também Eslovénia e Chipre afastarem-se cada vez mais; ao mesmo tempo, Eslováquia, Hungria e Polónia, por exemplo, aproximar-se-ão do nosso nível de vida. Mas se estes «apenas» se aproximarão, a República Checa apanhar-nos-á em 2006. Esta realidade é visível através dos diferenciais apresentados no quadro 1 (note-se que Estónia, Letónia e Lituânia também se aproximarão do nosso nível de vida até 2006, sendo que só não apresentei os dados referentes a estes países para não dificultar (mais) a leitura do quadro 1).

Esta mesma realidade é, aliás, mais visível através das figuras 1 e 2, para as quais não são precisas muitas palavras: Portugal perde em toda a linha, em termos de rendimento por habitante, desde 2001 (ano em que o nosso PIB per capita estabilizou face ao ano anterior, tendo começado a cair a partir daí) com a esmagadora maioria dos países da UE-15 e com todos os do alargamento, com excepção de Malta. É realmente confrangedor vermos as linhas dos outros países em trajectórias ascendentes – como deve acontecer, quando se está atrasado e se quer recuperar algo (ou até a da Irlanda, que continua a subir, apesar de já desde 1997 ter ultrapassado a média da UE-15) – e a nossa a decair desde 2001...

Já por diversas vezes escrevi sobre este assunto (como, aconteceu, por exemplo, há cerca de um ano, como já referi), e tenho cada vez mais a certeza de que a raiz para este nosso mal reside no facto de termos entrado no euro sem estarmos preparados para tal; mais: julgo mesmo que nem sequer havia grande noção, por parte do governo que preparou a nossa adesão em1999 (isto é, entre 1996 e 1999) para onde caminhávamos. E é esta verdade que deve ser sempre recordada para que nunca nos esqueçamos dela, porque a factura, como se vê, é bem pesada, e está aí para durar. De facto, não encontro explicação para a ausência de reformas estruturais, nesses anos (ainda por cima, anos dourados, com uma conjuntura internacional muitíssimo favorável) em áreas em que temos desvantagens estruturais, como a fraca qualificação dos recursos humanos, uma fiscalidade «pouco amiga» do investimento, uma legislação laboral pouco flexível, ou elevados níveis de burocracia (no ambiente empresarial, na justiça ou na administração pública, por exemplo). É que, num ambiente de moeda única, em que as políticas cambial e monetária deixam de poder ser usadas como no passado, estas áreas assumem um papel fundamental na competitividade de qualquer economia. Ah, e isto, claro, sem falar na total ausência de consolidação orçamental nesse período, o que levaria a que fosse o nosso país o primeiro a passar pela vergonha de não cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento em 2001 (para além de limitar extraordinariamente a utilização da política orçamental como factor de estabilização das oscilações da actividade económica nos difíceis anos seguintes).

Tudo isto foi descurado até bem depois da nossa entrada no euro, mais precisamente até ao início de 2002; desde então, na actual legislatura (e num tempo de «vacas bem mais magras»), tem-se tentado proceder a modificações importantes nestas áreas, se bem que não ao ritmo (mais forte) que gostaria de ter visto aplicado. Por exemplo, foi uma pena que o choque fiscal não tenha sido aplicado, como prometido na campanha eleitoral de 2002, logo no OE’2003; tal como foi uma pena que só há poucas semanas a essencial reforma do mercado do arrendamento tenha visto a luz do dia; ou que a nova lei de bases da educação, por veto presidencial, não esteja já a vigorar; ou que, ainda, a versão final do código do trabalho tenha deixado a desejar face à versão inicialmente apresentada em termos de flexibilização da legislação.

Contudo, o que tem sido feito, mesmo assim, não tem comparação com a (des)governação e inactividade entre o final de 1995 e o início de 2002; agora, o que também se sabe (e quem disser o contrário, é pouco sério) é que, em economia estas «coisas» levam tempo até serem sentidas, como se constata pelo facto de o PIB per capita nacional ter começado a divergir em 2001, quando o primeiro governo socialista tomara posse em 1995... Assim, apesar da acção, ainda assim positiva que tem vindo a ser desencadeada nesta legislatura, temo que os resultados demorem a aparecer e o tempo de divergência - ou de desapontamento, se quisermos - se possa prolongar bem para além de 2006. Até porque, como veremos na segunda parte deste artigo, dentro de quinze dias, a evolução da variável fulcral para recuperarmos este atraso - a produtividade - não nos deixa, infelizmente, grandes esperanças de que o prognóstico possa ser muito diferente do que aqui deixei.

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