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26 de Fevereiro de 2007 às 13:59

Portugal e a China: olhar para além da retórica

A recente visita de Estado do primeiro-ministro, José Sócrates, à China e a Macau tem sido apresentada com o ponto de partida para um retorno económico de Portugal ao continente asiático.

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O exercício de charme de José Sócrates junto de Wen Jiabao, as declarações que repetiu até à exaustão de que Portugal olha para o acordo de parceria estratégica assinado em Dezembro de 2005, com a China, como vital para país esconde, na verdade, debilidades próprias e sobretudo a falta de interesse das empresas portuguesas nos mercados asiáticos.

No quadro actual das relações económicas internacionais ser-se "parceiro estratégico" significa mais que cozinhar, para cada visita de Estado, meia dúzia de acordos pontuais, sem maior peso económico, fazer-se rodear de um cortejo significativo de empresários, CEO, figuras institucionais ou "socialites".

Significa perceber a qualidade e rol de oportunidades do mercado que se aborda e actuar de uma forma agrupada, persistente e inteligente. Significa, ainda, acompanhar do ponto de vista da monitoragem da política de cooperação económica os acordos que se vão firmando e auxiliar os empresários face às dificuldades que vão encontrando.

O primeiro-ministro, sob o manto diáfano da retórica e da boa-disposição, que distribuiu em todas as direcções, não pode esconder que não fez o trabalho de casa, nem tem a mínima noção como estruturar e municiar, do lado português, o acordo de parceria assinado, há pouco mais de um ano, com Wen Jiabao, em Lisboa. Como dificilmente disfarçou (pelo menos para o lado chinês) que nada se avançou na sua execução como o comprova o adiamento da reunião da Comissão Mista Económica Luso-Chinesa.

Vinte e oito acordos assinados por 90 empresas portuguesas de média dimensão, orçados em 21.5 milhões de euros parecem revelar resultados. Lidos de forma mais fina, denotam o improviso e o desenrasque como se demanda um mercado que mal se conhece, mas onde existe enorme concorrência de empresas europeias e norte-americanas. O processo de abertura económica ao exterior iniciou-se em 1979 e, desde então, com pragmatismo, a China tem aprendido depressa e bem com os estrangeiros. De mero recipiendário do investimento directo estrangeiro a China é, hoje, um fortissimo e promissor investidor financeiro nos mercados europeu e norte-americano. 

Naturalmente não se ignora que existe, hoje, uma abertura para investir no mercado chinês que não existia há cinco anos. Como há um esforço para melhorar o estado das desequilibradas relações comerciais bilateriais, que representaram, em 2005, uns modestos 0.6 por cento das exportações portuguesas e 1.2 por cento das nossas importações. Mas isso supõe olhar-se para o mercados chinês sem exotismos, sem ideias preconcebidas. Prevalece em Portugal a ideia peregrina que os chineses são uns pobres diabos, incultos e que não sabem, seguramente, fazer negócios. São já a terceira maior economia mundial, mas isso pouco importa.

Os três principais problemas que prejudicam a investida portuguesa no mercado chinês têm a ver com a errada identificação do interlocutor certo, o absoluto desconhecimento sobre a cultura empresarial e as regras que tutelam a actividade das empresas estrangeiras, e uma anquilosada visão sobre o papel da diplomacia.

A primeira questão, agravada pela barreira da língua, funda-se na ideia errada de que é indispensável aceder-se ao mercado chinês usando os mediadores empresariais de Macau. Macau teve uma importância decisiva no registo histórico das relações de Portugal com a China, mas a sua vantagem como plataforma de acesso ao mercado chinês feneceu à medida que Guandong, Xangai e Pequim se dotaram de instrumentos de intermediação profissionalizados. Fazer negócios na China significa, hoje, "bater à porta" dos escritórios dos principais conglomerados chineses, localizados em Pequim e Xangai. A importância de Macau para Portugal é, hoje, sobretudo, política, linguística e cultural.

O segundo problema é de estrita ignorância. Passa pela formação e informação dos empresários e empresas interessados em investir na China sobre a cultura, as metodologias de fazer negócios na China, bem como sobre a legislação nacional e local aplicável. Esta é uma área em que o governo pode actuar socorrendo-se de quem tem conhecimento e experiência actualizada da realidade chinesa. Ainda não há muito tempo acedi a um programa de sensibilização sobre a China em que a maioria dos monitores era gente que há mais de dez anos não vem à China ou aqui estão num fim-de-semana.

O terceiro é, provavelmente, o problema mais difícil. Prevalece no Palácio das Necessidades a ideia que os postos diplomáticos são desk offices  de representação no exterior. Logo os diplomatas têm uma função passiva e não "sujam os punhos de renda" em actividades de promoção económica. Trata-se de uma visão tacanha, divorciada da era da Internet e do email, mas, também, da prática de outras nações com responsabilidades superiores às nossas.

No seu périplo por África onde assinou, por exemplo, acordos de cooperação com Moçambique na ordem dos 180 milhões de euros, o presidente Hu Jintao encontrou tempo para contrariando notícias desfavoráveis à presença chinesa em África, reunir com responsáveis de empresas chinesas locais, industriando-os quanto à forma de dignificarem a imagem país, contribuindo para a promoção social dos países de acolhimento.

Isso seria de todo impensável para qualquer político português. Se há algo que os nossos empresários estão de acordo é a absoluta ignorância dos políticos como se fazem negócios. Por isso preferem o acesso aos mercados em turba ao agrupamento das vantagens comparativas. Veja-se o séquito de Sócrates: 4 CEO pela banca, 3 pela construção civil, 10 pela actividade de consultoria, 4 pela cortiça, 6 empresas de TI, 2 de papel, 8 pelos têxteis, 6 do sector do vinho, 2 do papel. 28 contratos é pouco, mas o que vale a pena é aquele sabor especial de estar numa comitiva papal.

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