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24 de Setembro de 2007 às 13:59

Passagem de música em locais públicos: Pagar para ouvir?

A “música ambiente” está um pouco por toda a parte. Raro é o local em que não existe um sistema de difusão que permita ouvir música, quer sejam locais abertos ou público, quer outros de acesso condicionado.

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Contudo, a esta utilização generalizada da música ambiente não corresponde necessariamente uma consciência das condições e implicações legais resultantes da referida utilização. Isto porque, legalmente, é necessário pagar para ouvir.

A exigência de pagamento é, como se explicará, a forma legalmente consagrada de tutela dos direitos dos autores, intérpretes e produtores da obra musical face à divulgação pública das suas obras.

Deste modo, é relevante descrever, em traços gerais, o enquadramento legal da passagem de música em locais públicos.

Sobre uma obra musical fixada incidem direitos de autor e direitos conexos. Deste modo, a passagem de música em local público terá sempre de ser perspectivada numa dupla vertente:

(i) direitos de autor, que incidem sobre o acto de criação da obra (art.º 9 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos “CDADC”);

(ii) direitos conexos, que incidem sobre as prestações de intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão.

Estas duas vertentes são independentes, na medida em que respeitam a direitos com objecto distinto, mas correlacionam-se entre si.

Direitos de autor

A composição musical é objecto de direito de autor (art.º 1., n.º 1, e art.º 2, n.º 1, alínea e) do CDADC). Por sua vez, quando a obra é reproduzida com o consentimento do seu autor e desde que seja posta à disposição do público passa a ser considerada uma obra publicada, independentemente do modo de fabrico dos exemplares ou do suporte físico em que mesma seja divulgada.

Consideram-se titulares dos direitos de autor da obra musical os autores do texto e da música novamente.

A divulgação da obra musical em local público depende de autorização dos seus autores (art.º 149.º do CDADC). De acordo com a lei, é considerado local público “todo aquele a que seja oferecido o acesso, implícita ou explicitamente, mediante remuneração ou sem ela, ainda que com reserva declarada do direito de admissão”. Esta definição de local público constante do CDADC é de tal modo abrangente que compreende qualquer local que não seja estritamente privado.

Por outro lado, na situação em apreço, em que a obra já foi objecto de fixação para fins de comercialização com autorização do autor, abrangendo expressamente a respectiva comunicação ou radiodifusão visual, é desnecessário o consentimento especial deste para cada radiodifusão, sem prejuízo dos direitos morais e da remuneração equitativa que assistem aos titulares do direito de autor.

Ao autor é devida remuneração pela comunicação pública da obra radiodifundida, sendo particularmente relevante, quanto a esse aspecto em concreto, o papel das entidades de gestão colectiva de direitos.

No caso de o autor ser cooperante ou beneficiário da Sociedade Portuguesa de Direitos de Autor (”SPA”), caberá a esta entidade, na qualidade de entidade de gestão colectiva de direitos, autorizar a utilização das obras musicais, fixar as condições dessa utilização e cobrar os direitos que lhe forem inerentes..


Direitos conexos

Os direitos conexos não versam sobre a obra criada mas sim sobre a prestação dos artistas intérpretes ou executantes e produtores de fonogramas.

Trata-se de uma tutela que, tal como a lei refere, em nada afecta a protecção dos autores sobre a obra utilizada.
Aos artistas intérpretes ou executantes, produtores de fonogramas e de videogramas assiste o direito exclusivo de autorizar, por si ou pelos seus representantes, a colocação à disposição do público da sua prestação, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa.

De acordo com o art.º 178.º do CDADC, “sempre que um artista interprete ou executante autorize a fixação da sua prestação para fins de radiodifusão [...] considerar-se-á que transmitiu os seus direitos de radiodifusão e comunicação ao público, conservando o direito de auferir uma remuneração inalienável, equitativa e única”, nas utilizações subsequentes que venham a ocorrer. Caberá assim à entidade de gestão colectiva da respectiva categoria acordar com os utilizadores o pagamento e a gestão da referida remuneração.

A utilização de música gravada em espaços públicos ou acessíveis ao público, com ou sem fins comerciais directos, constitui uma forma de execução pública. Assim, baseados na noção de espaço público, somos levados a concluir que não só os espaços comerciais (como bares, discotecas e comércio em geral) mas também as empresas e os locais de trabalho, onde se ouça música ambiente, são obrigados a cumprir com as exigências legais relativas aos direitos conexos.

Deste modo, a comunicação da música pode ser directa, a partir de um fonograma original, ou indirecta (a partir de uma emissão de rádio), e em ambos os casos o utilizador deverá obter a respectiva a autorização prévia não só dos autores como também dos titulares dos direitos conexos, mediante pagamento da respectiva remuneração a intérpretes ou executantes, produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão.

Sem prejuízo de outras fórmulas legais indicadas para tutelar quer os direitos de autor quer os direitos conexos, é em relação a estes últimos que se tem registado maiores desenvolvimentos. Assim, já no final do ano de 2006, foi lançada uma solução de cobrança de direitos conexos através de um processo de licenciamento, conhecido como “Passmúsica”.

O licenciamento musical e a “Passmúsica”

A criação de um serviço de licenciamento para a passagem de música em espaços públicos resultou da concertação entre a GDA – Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas Intérpretes ou Executantes, a Associação Fonográfica Independente e a APF – Associação Fonográfica Portuguesa, que chegaram a acordo relativamente à gestão e cobrança dos direitos que, por lei, cabem aos representados de cada uma destas entidades no que respeita à comunicação pública dos fonogramas editados comercialmente.

É neste contexto que surge a licença conjunta identificada como “passmúsica” – Licenciamento Conjunto de Produtores e Artistas –, emitida pelas entidades de gestão colectiva acima referidas e legalmente habilitadas para o efeito. A passmúsica é uma autorização para a utilização de música gravada em nome dos titulares dos direitos conexos ao direito de autor, estabelecendo, simultaneamente, uma remuneração pela comunicação pública de fonogramas editados comercialmente (“música ambiente”).

As autorizações para a utilização de música gravada, emitida no âmbito do licenciamento conjunto “passmúsica”, asseguram aos respectivos utilizadores não só a regularização perante os produtores fonográficos mas também perante os artistas que intervieram nas gravações, interpretando e executando as obras musicais gravadas.

No que respeita ao objecto da passmúsica, a mesma permite a utilização da quase totalidade do repertório de música gravada nacional ou estrangeira comercializada e utilizada em Portugal.

Ao ser emitida a licença e paga a respectiva tarifa anual, a mesma corresponde a uma autorização por parte dos titulares dos direitos conexos de execução pública dos fonogramas, na forma e período previamente estabelecidos.

Por último, refira-se que, o processo de licenciamento tem registado resultados muito positivos, no que respeita ao licenciamento voluntário, o que, em grande parte, se deve à actividade de divulgação dos deveres legais que impedem sobre quem difunde música num espaço público.

Sem prejuízo do balanço positivo que resulta do licenciamento voluntário e da generalização da Passmúsica, as entidades responsáveis pelo licenciamento não descartam o recurso à via judicial para tutela dos titulares de direitos conexos, nomeadamente através de acções de indemnização e denúncias aos órgãos competentes de uma prática susceptível de configurar crime de usurpação.

Face ao exposto, teremos de concluir que, independente das fórmulas jurídicas que se possam implementar e diferentes soluções ao nível da gestão colectiva, o cumprimento da lei nesta matéria obriga a pagar para ouvir.

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