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Opinião
07 de Março de 2012 às 23:30

Outro tratado estúpido?

Um destes dias, um colega quis saber se estaria disponível para falar sobre o novo tratado e fazer de advogado do diabo, porque só encontrava quem estava contra - "e muito contra". Missão ingrata.

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Um destes dias, um colega quis saber se estaria disponível para falar sobre o novo tratado e fazer de advogado do diabo, porque só encontrava quem estava contra - "e muito contra". Missão ingrata.

Não é nada fácil gostar deste tratado orçamental. Intuitivamente tira-nos a luz que ainda nem temos ao fundo do túnel. E vem acompanhado de rasteiras e chantagens, compreensíveis mas detestáveis, para agilizar a sua entrada em vigor. Mas não é um tratado "estúpido" - como, de resto, não era "per se" o pacto de estabilidade original.

Optar pelo défice estrutural como medida de orçamentos tendencialmente equilibrados não é má ideia: é preciso acertar uma receita de cálculo, mas a promessa é de que eliminará o incentivo a operações contabilísticas insanas, como integrações de fundos de pensões que contabilizam como receita do Estado num ano o que é encargo para todo o sempre. E, apesar de o valor ser apertado (0,5% do PIB), concede alguma margem de manobra para se gerirem tempos de vacas magras.

Vertido na Constituição ou numa lei mais perene, é verdade que este tratado retira margem de manobra aos Governos de serviço e, nessa medida, a quem os elege - a todos e a cada um dos nós. Mas até isso pode não ser nada má ideia, tendo em conta que frequentemente a política orçamental adere mais ao ciclo eleitoral do que ao económico.

É preciso é que essa restrição seja colectivamente aceite como benigna e sadia, que os Parlamentos a discutam e a virem do avesso, até porque a eles caberá a aprovação do tal "mecanismo de correcção automático" (receitas consignadas? Cativação de despesa?) que combaterá desvios no défice e garantirá uma redução constante da dívida pública. Levado a sério, por cá isso quer dizer uma geração a conviver com aperto orçamental do Estado: nenhum organismo prevê que o rácio da dívida esteja abaixo de 60% antes de 2030.

Por cá também, ver como vota o PS. Ontem, Vital Moreira escrevia neste jornal que "só se pode antecipar o voto favorável". Será? Em França, na Holanda e na Alemanha, os socialistas, ainda na oposição, prometem contestação. Quiçá com François Hollande no Eliseu se consiga a promessa de instrumentos mais robustos de solidariedade ("eurobonds"? Pacto de redenção de dívida?) do que o Mecanismo de Estabilidade. Quiçá consiga abrir-se caminho a uma diluição menos dolorosa da nossa "Schuld" - palavra que em alemão significa dívida e culpa, coisas bem distintas mas que, na mais pura ortodoxia, passam muitas vezes por sinónimos. Quiçá...

Fundamental é que o jogo com as novas regras seja jogado com metas realistas. O que significa metas ajustáveis à dinâmica imprevisível da realidade sem que se gere de imediato o preconceito do batoteiro. Porque nem a Alemanha, a quem esta crise deu via verde para impor a sua mais temida virtude, a disciplina, conseguiu no passado cumprir os requisitos do novo tratado - o que, de resto, nada diz sobre os seus méritos, apenas sobre a dificuldade de estes serem cumpridos.

Sem isso, ser mais uma emanação "estúpida" de Bruxelas é mera questão de tempo. Para já, o maior perigo é ler-se este tratado como se fosse a perpetuação de uma solução errada para um problema que não existe.


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