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Os desafios na era da tecnologia e da inteligência artificial

As iniciativas de regulação tecnológica, especialmente para IA, estão a intensificar-se globalmente.

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A inteligência artificial e a competitividade de Portugal. Qual o papel da regulação?

A competitividade das empresas e das economias depende cada vez mais da capacidade de integrar e utilizar eficazmente as tecnologias inovadoras. A inteligência artificial (IA) destaca-se entre as mais revolucionárias, marcando uma nova fase de inovação e eficiência, sobretudo para os que souberem criar valor para além do "hype".

O papel da regulação na criação de valor para a economia é importante.

Existe uma perceção de "sobrerregulação" na União Europeia (UE) no domínio digital, em especial em comparação com os Estados Unidos (EUA) e a Ásia. É indiscutível que a UE tem sido muito ativa na regulamentação digital; o "think-tank" Bruegel identificou 116 leis relevantes para a digitalização entre 2019 e 2024. Mas as iniciativas de regulação tecnológica, especialmente para IA, estão a intensificar-se globalmente. Nos EUA, o governador da Califórnia assinou recentemente 17 projetos de lei sobre IA.

O Regulamento de IA da UE, em vigor desde 1 de agosto, é um marco regulatório global, atendendo à sua abrangência extraterritorial. Este regulamento estabelece diversas medidas de apoio à inovação e não regula a IA per se, mas cria um "mapa" que as empresas (e entidades públicas) têm de seguir se desenvolverem ou utilizarem IA em aplicações que apresentem risco elevado para a saúde, a segurança e/ou os direitos fundamentais, tais como privacidade, democracia e Estado de direito. (As aplicações que não apresentem este tipo de risco não são abrangidas.)

Com a regulação da IA definida a nível europeu, não podemos fazer muito a este respeito, além de termos um papel ativo nas entidades europeias que vão acompanhar o Regulamento, como o Comité para a IA e o painel científico de peritos, e de participarmos ativamente nas consultas públicas lançadas pela Comissão Europeia.

O que podemos efetivamente influenciar é a forma como implementamos o Regulamento em Portugal, aprovando medidas públicas destinadas a criar um ecossistema favorável para startups, agilizar a aprovação de projetos infraestruturais e incentivar a colaboração dos centros de investigação com as empresas, entre outras iniciativas.

Além disso, é fundamental promover uma mudança de mentalidade dos gestores e "founders".

Os gestores devem ver a regulação digital para além do mero cumprimento das normas ("compliance"). Embora esta vertente seja crucial, considerando as elevadas multas e responsabilidades para empresas e gestores, agravadas pela crescente tendência de ações coletivas movidas por associações de defesa dos consumidores, a regulação é muito mais do que isso. Uma boa estratégia regulatória pode trazer vantagens competitivas, reduzir custos operacionais, mitigar riscos, fomentar a inovação, melhorar a reputação da empresa e aumentar a eficiência, impactando positivamente o EBITDA.

Se pensarmos na importância dos dados no contexto da IA, a verdade é que atualmente apenas 14,2% das empresas na Europa aproveitam grandes "datasets". E em Portugal, de acordo com um estudo recente do Instituto Nacional de Estatística, só 7,9% das empresas utilizam tecnologias de IA. Entre as que não utilizam, 65,3% citam a falta de conhecimento, 64,9% mencionam custos elevados, 51,6% têm preocupações relacionadas com a falta de clareza no domínio legal e 50,1% apontam dificuldades com a disponibilidade ou a qualidade dos dados.

Mas poucas empresas sabem que, em determinados casos, a legislação permite reproduzir e extrair conteúdos protegidos por direitos de autor para mineração de dados, que o "Data Governance Act" facilita o acesso e uso de dados do setor público pelo setor privado, enquanto o "Data Act" obriga as empresas a partilharem mais dados.

Portugal enfrenta o desafio de aproveitar as vantagens competitivas que a IA pode oferecer. O país possui talento e a ambição de implementar uma Estratégia Digital Nacional eficaz e competitiva. A candidatura conjunta de Portugal e Espanha para criar uma Fábrica de IA visa transformar a Península Ibérica num centro de excelência, atraindo investimentos e projetos inovadores como o Center for Responsible AI e o Bridge AI, que fortalecem o ecossistema de IA, envolvendo startups, grandes empresas, academia, centros de investigação e a área legal, e criando conhecimento prático e com impacto real.

O modelo de governação que Portugal adotar será crucial para uma estratégia bem-sucedida. Esse modelo deve assegurar uma boa gestão da componente de supervisão, mas também garantir que existe foco no incentivo à inovação e ao investimento em IA. Quanto à primeira componente, o Regulamento de IA da UE exige uma autoridade nacional específica para supervisionar a IA, mas reguladores como a Comissão Nacional de Proteção de Dados, a Autoridade da Concorrência, o Banco de Portugal e a futura entidade digital para a saúde também terão papéis importantes. Um modelo eficiente deve assegurar a coordenação destas autoridades, evitar a burocracia e promover um mindset que valorize a inovação. Quanto à segunda componente, será necessário disseminar conhecimento, apoiar o investimento e estreitar parcerias estratégicas internacionais.

Estas são algumas iniciativas que certamente contribuirão para que a regulação seja um motor de competitividade, capaz de impulsionar Portugal para a vanguarda tecnológica e económica.

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