Opinião
07 de Novembro de 2024 às 12:30
Os desafios na era da tecnologia e da inteligência artificial
As iniciativas de regulação tecnológica, especialmente para IA, estão a intensificar-se globalmente.
A inteligência artificial e a competitividade de Portugal. Qual o papel da regulação?
A competitividade das empresas e das economias depende cada vez mais da capacidade de integrar e utilizar eficazmente as tecnologias inovadoras. A inteligência artificial (IA) destaca-se entre as mais revolucionárias, marcando uma nova fase de inovação e eficiência, sobretudo para os que souberem criar valor para além do "hype".
Existe uma perceção de "sobrerregulação" na União Europeia (UE) no domínio digital, em especial em comparação com os Estados Unidos (EUA) e a Ásia. É indiscutível que a UE tem sido muito ativa na regulamentação digital; o "think-tank" Bruegel identificou 116 leis relevantes para a digitalização entre 2019 e 2024. Mas as iniciativas de regulação tecnológica, especialmente para IA, estão a intensificar-se globalmente. Nos EUA, o governador da Califórnia assinou recentemente 17 projetos de lei sobre IA.
O Regulamento de IA da UE, em vigor desde 1 de agosto, é um marco regulatório global, atendendo à sua abrangência extraterritorial. Este regulamento estabelece diversas medidas de apoio à inovação e não regula a IA per se, mas cria um "mapa" que as empresas (e entidades públicas) têm de seguir se desenvolverem ou utilizarem IA em aplicações que apresentem risco elevado para a saúde, a segurança e/ou os direitos fundamentais, tais como privacidade, democracia e Estado de direito. (As aplicações que não apresentem este tipo de risco não são abrangidas.)
Com a regulação da IA definida a nível europeu, não podemos fazer muito a este respeito, além de termos um papel ativo nas entidades europeias que vão acompanhar o Regulamento, como o Comité para a IA e o painel científico de peritos, e de participarmos ativamente nas consultas públicas lançadas pela Comissão Europeia.
O que podemos efetivamente influenciar é a forma como implementamos o Regulamento em Portugal, aprovando medidas públicas destinadas a criar um ecossistema favorável para startups, agilizar a aprovação de projetos infraestruturais e incentivar a colaboração dos centros de investigação com as empresas, entre outras iniciativas.
Além disso, é fundamental promover uma mudança de mentalidade dos gestores e "founders".
Os gestores devem ver a regulação digital para além do mero cumprimento das normas ("compliance"). Embora esta vertente seja crucial, considerando as elevadas multas e responsabilidades para empresas e gestores, agravadas pela crescente tendência de ações coletivas movidas por associações de defesa dos consumidores, a regulação é muito mais do que isso. Uma boa estratégia regulatória pode trazer vantagens competitivas, reduzir custos operacionais, mitigar riscos, fomentar a inovação, melhorar a reputação da empresa e aumentar a eficiência, impactando positivamente o EBITDA.
Se pensarmos na importância dos dados no contexto da IA, a verdade é que atualmente apenas 14,2% das empresas na Europa aproveitam grandes "datasets". E em Portugal, de acordo com um estudo recente do Instituto Nacional de Estatística, só 7,9% das empresas utilizam tecnologias de IA. Entre as que não utilizam, 65,3% citam a falta de conhecimento, 64,9% mencionam custos elevados, 51,6% têm preocupações relacionadas com a falta de clareza no domínio legal e 50,1% apontam dificuldades com a disponibilidade ou a qualidade dos dados.
Mas poucas empresas sabem que, em determinados casos, a legislação permite reproduzir e extrair conteúdos protegidos por direitos de autor para mineração de dados, que o "Data Governance Act" facilita o acesso e uso de dados do setor público pelo setor privado, enquanto o "Data Act" obriga as empresas a partilharem mais dados.
Portugal enfrenta o desafio de aproveitar as vantagens competitivas que a IA pode oferecer. O país possui talento e a ambição de implementar uma Estratégia Digital Nacional eficaz e competitiva. A candidatura conjunta de Portugal e Espanha para criar uma Fábrica de IA visa transformar a Península Ibérica num centro de excelência, atraindo investimentos e projetos inovadores como o Center for Responsible AI e o Bridge AI, que fortalecem o ecossistema de IA, envolvendo startups, grandes empresas, academia, centros de investigação e a área legal, e criando conhecimento prático e com impacto real.
O modelo de governação que Portugal adotar será crucial para uma estratégia bem-sucedida. Esse modelo deve assegurar uma boa gestão da componente de supervisão, mas também garantir que existe foco no incentivo à inovação e ao investimento em IA. Quanto à primeira componente, o Regulamento de IA da UE exige uma autoridade nacional específica para supervisionar a IA, mas reguladores como a Comissão Nacional de Proteção de Dados, a Autoridade da Concorrência, o Banco de Portugal e a futura entidade digital para a saúde também terão papéis importantes. Um modelo eficiente deve assegurar a coordenação destas autoridades, evitar a burocracia e promover um mindset que valorize a inovação. Quanto à segunda componente, será necessário disseminar conhecimento, apoiar o investimento e estreitar parcerias estratégicas internacionais.
Estas são algumas iniciativas que certamente contribuirão para que a regulação seja um motor de competitividade, capaz de impulsionar Portugal para a vanguarda tecnológica e económica.