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18 de Abril de 2007 às 13:59

O peso do património e da responsabilidade

A semana começou convulsiva e ameaça acabar ainda pior, enquanto por cá se vislumbram sinais de inconsciência quanto às responsabilidades do estado ante o país e o vasto mundo.

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Vindo de fora para dentro, comecemos pelas eleições para governadores e assembleias regionais na Nigéria que se saldaram por violências e acusações de fraude contra os apoiantes do presidente Obasanjo, pondo em causa a legitimidade da votação do próximo sábado para a presidência.

Numa altura em que a insurreição e o banditismo no Delta do Níger alastram, a própria coesão da federação nigeriana arrisca ser posta em causa e, com ela, a primeira transição presidencial entre civis desde a independência de 1960.

A primeira volta das presidenciais francesas no domingo irá dominar as atenções, mas a crise na Nigéria e a contestação ao candidato do partido governamental, o muçulmano Umaru Musa Yar’Adua, do estado nortista de Katsina, não deve ser subestimada.

A credibilidade do presidente do Banco Mundial Paul Wolfowitz, envolvido num escândalo de nepotismo sentimental em clara contradição com a sua campanha contra a corrupção no Terceiro Mundo, caiu, entretanto, a pique.

A Casa Branca, principal accionista e a quem cabe, tradicionalmente, a indicação de um presidente consensual no Banco Mundial, deixando a chefia do Fundo Monetário Internacional para um europeu, mantém o apoio a Wolfowitz.

The Wall Street Journal editorializa sobre uma cabala "sobretudo dos europeus que querem a presidência do banco para um dos seus" e dos opositores da campanha anticorrupção lançada há dois anos por Wolfowitz.

The Financial Times considera, pelo contrário, que a bem do interesse dos próprios Estados Unidos num "banco eficaz e credível" e da campanha pelas "boas práticas de governança" impõe-se afastar Paul Wolfowitz.

O estalar do verniz na principal instituição internacional de apoio ao desenvolvimento numa altura em que Pequim continua a ignorar os apelos de Washington, secundados pelo G 7, para acelerar a valorização do yuan, quando os défices dos Estados Unidos crescem desordenadamente e o impasse na Organização Mundial do Comércio se arrasta, não veio em boa altura apesar dos sinais de estabilização da economia mundial.

Notícias de massacre numa universidade da Virgínia e de 50 mil iraquianos em fuga todos os meses sobretudo para a Jordânia e a Síria, que já albergam quase dois milhões de refugiados, segundo as estimativas da ONU, além da escalada de atentados da Al Qaeda no Magrebe, chegam para rastrear um mundo de violência.

Entre nós, um vislumbre de polémica quanto ao acerto da convocação de um referendo sobre o defunto tratado constitucional europeu não passou de fogacho e as inúmeras prioridades da próxima presidência portuguesa da União pouca discussão têm suscitado.

Inesperadamente, porém, um inquérito jornalístico veio lançar a suspeita do que poderá ser a redutora visão do mundo de parte significativa das elites portuguesas e de bom número de decisores.

Um erro colossal

Ficámos, então, informados que a arte rupestre do Vale do Côa é, afinal, responsável por malefício assumido entre "os maiores erros de política económica" escalpelizados por um escol de economistas portugueses do pós-Abril num inquérito do último Expresso.

A arte paleolítica foi debitada à conta de prejuízo.

A lógica é simples como o seixo que rola no rio e mistura a arte rupestre ao descalabro dos estádios do Euro 2004, ao sistema retributivo cavaquista da Função Pública ou às SCUT de António Guterres.

Diz o painel de decisores económicos que entre erros maiores das políticas democráticas (Guterres "viu-se sem margem de manobra para emendar a mão" e renegar de promessa eleitoral) consta o "peso das gravuras", ou seja, o Parque Arqueológico do Vale do Côa.

É custoso encontrar cavalo, auroque, cabra montês e veado rupestres entre o rosário de mágoas e "decisões que tramaram a nossa vida", mas assim se lia no Expresso.

O inquérito arrola, por sinal, vasto e comprovado desperdício. Esmiuça alegado desatino alheio sem culpa formada. As isenções fiscais ofertadas à Petrocontrol, devassidões do contrato da Ponte Vasco da Gama ou sumidos fundos desperdiçados nos Estádios do Euro-2004 ombreiam, no entanto, com o "peso das gravuras".

Asseveram os inquiridos quanto à gravura velha que neste particular de Foz do Côa andamos a pagar óbvio erro da opção guterrista de não construir a barragem.

"Foi um erro colossal", afirma mesmo "um ex-governante" e resta tentar adivinhar qual dos inquiridos (Miguel Cadilhe, Eduardo Catroga ou Mira Amaral, por exemplo) poderia ter dito tamanha barbaridade.

Desacerto estratégico, dizem, que, por via da salvaguarda das gravuras rupestres terá prejudicado "a economia da região, a empresa (EDP) e o país."

Acresce, facto fatídico, sem culpa provada ou assumida, a constatação de que o Parque Arqueológico criado em Novembro de 1995 não vale até agora nem chavelho, nem turista que se veja, dando-se o trabalho dos arqueólogos por conta de luxo aberrante, e temos consumado o "erro colossal".

As gravuras atraem apenas 20 mil visitantes por ano e só resta a esperança que o futuro Museu do Côa abra "a porta para o desenvolvimento do concelho de Vila Nova de Foz Côa".

Lido isto, o peso das gravuras obriga-nos a pensar quanto nos tramam, também, os Centros Históricos de Angra do Heroísmo, Évora, Guimarães e Porto, os Mosteiros da Batalha, de Cristo, Alcobaça, dos Jerónimos e a Torre de Belém, a floresta Laurissilva madeirense, as paisagens da vinha do Pico e o Alto Douro Vinhateiro que, por manifesta infelicidade, também constam do Património Mundial arrolado em terras de Portugal. 

O desprezo das elites

Que da virtude e apelo do Museu e Parque Arqueológico pouco se faça para promoção turística e cultural não há quem discuta.

Que tudo isso é desvario institucional, por incerto e imenso desacerto ou desatino, ninguém acima ou abaixo do Côa porá em questão.

Que culpas fiquem por assacar é matéria a quedar também em aberto.

Falhada a promoção do sítio de Foz Côa, vai-se delapidando a oportunidade dada pela descoberta de um património único que responsabiliza o estado português à escala do vasto mundo.

Sem desprimor para incertos governos meditabundos, a magna questão é tão curial quanto isto: uma coisa é valorizar o património por via do turismo selecto, outra folia seria devastá-lo por razão do "melhor lugar para construir uma barragem".

Será questão de política interna?

Será matéria que valha ao mundo alheio?

Certo é que na lógica de muito douto economista luso a ideia de salvaguardar quinhão maior do património da Humanidade não colhe.

A responsabilidade nacional, colectiva, em preservar património mundial é coisa de somenos.

Vislumbra-se aqui uma faceta atroz que, porventura, boa parte das elites portuguesas tem para mostrar ao mundo.

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