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Robert Skidelsky - Economista 03 de Julho de 2012 às 12:57

O paraíso perdido da mão-de-obra

À medida que as pessoas do mundo desenvolvido se perguntam como os seus países voltarão ao pleno emprego depois da Grande Recessão, poderá ser útil olhar para um ensaio visionário que John Maynard Keynes escreveu em 1930, chamado Possibilidades económicas para os nossos netos .

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À medida que as pessoas do mundo desenvolvido se perguntam como os seus países voltarão ao pleno emprego depois da Grande Recessão, poderá ser útil olhar para um ensaio visionário que John Maynard Keynes escreveu em 1930, chamado “Possibilidades económicas para os nossos netos”.

A obra de Keynes, Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, publicada em 1936, equipou os governos com as ferramentas intelectuais para lutar contra o desemprego provocado pelas depressões. No entanto, no ensaio supracitado, Keynes fez a distinção entre desemprego causado por crises económicas temporárias e o que ele chamou de “desemprego tecnológico” – ou seja, “desemprego devido à descoberta de meios para economizar o uso de mão-de-obra ultrapassando o ritmo em que podemos encontrar novas utilizações para a mesma”.

Keynes considerava que iríamos ouvir falar muito mais deste tipo de desemprego no futuro. Mas o seu aparecimento, pensou, era motivo de esperança, e não de desespero. Porque esse tipo de desemprego mostraria, pelo menos, que o mundo desenvolvido estava a caminho de resolver o “problema económico” – o problema da escassez que manteve a humanidade presa a uma vida de trabalho pesado.

As máquinas foram substituindo rapidamente o trabalho humano, mantendo a perspectiva de uma produção muito maior com uma pequena fracção do esforço humano existente. Na verdade, Keynes pensava que, nesta altura (início do século XXI), a maioria das pessoas teria de trabalhar apenas 15 horas por semana para produzir tudo o que era necessário para a sua subsistência e comodidade.

Os países desenvolvidos são agora quase tão ricos como Keynes pensou que seriam, mas a maioria de nós trabalha muito mais de 15 horas por semana, ainda que tenhamos férias mais longas, e o trabalho se tenha tornado menos exigente em termos físicos, e por isso, também vivemos mais tempo. Mas, em termos gerais, a profecia de muito mais lazer para todos não se cumpriu. A automatização foi avançando rapidamente, mas a maioria de nós trabalha cerca de 40 horas semanais. Na verdade, a quantidade de horas de trabalho não diminuiu desde o início da década de 1980.

Ao mesmo tempo, o “desemprego tecnológico” tem vindo a aumentar. Desde a década de 1980 que nunca mais recuperámos os níveis de pleno emprego das décadas de 1950 e 1960. Ainda que a maioria das pessoas trabalhe 40 horas semanais, uma minoria substancial e crescente tem tido tempo livre indesejado, que lhe é imposto na forma de desemprego, subemprego, e de uma saída forçada do mercado de trabalho. E, à medida que formos recuperando da actual recessão, a maioria dos especialistas prevê que este grupo cresça ainda mais.

O que isto significa é que não temos conseguido converter o crescente desemprego tecnológico num crescente lazer voluntário. A principal explicação para isto é que a grande parte dos ganhos de produtividade alcançados nos últimos 30 anos foi parar às mãos dos mais ricos.

Particularmente nos Estados Unidos e no Reino Unido, desde a década de 1980, temos assistido a um retorno ao capitalismo “vermelho nos dentes e garras”, descrito por Karl Marx. Os ricos e os muitos ricos ficaram muito mais ricos, enquanto os rendimentos de todos os outros estagnaram. Assim, a maioria das pessoas não está quarto ou cinco vezes melhor do que em 1930. Não surpreende que estejam a trabalhar mais do que Keynes julgava que estariam.

Mas há algo mais. O capitalismo moderno inflama, através de todos os poros e todos os sentidos, a fome de consumo. Satisfazê-la tornou-se o grande paliativo da sociedade moderna, a nossa falsa recompensa pela quantidade irracional de horas de trabalho. Os anúncios publicitários proclamam uma única mensagem: a sua alma será descoberta nas suas compras.

Aristóteles conhecia a insaciabilidade apenas como um vício pessoal; não vislumbrou a insaciabilidade colectiva e politicamente orquestrada, a que chamamos de crescimento económico. A civilização do “sempre mais” ter-lhe-ia parecido uma loucura moral e política.

E, além de um certo limite, é também loucura económica. Isto não é apenas, ou principalmente, porque mais tarde ou mais cedo, estaremos confrontados com os limites naturais do crescimento. É porque não podemos continuar por muito mais tempo a economizar mão-de-obra a um ritmo mais acelerado do que aquele em que podemos encontrar novas utilizações para ela. Esse caminho conduz a uma divisão da sociedade numa minoria de produtores, profissionais, supervisores e especuladores financeiros, de um lado, e numa maioria de desempregados, do outro.

Para além das suas implicações morais, tal sociedade enfrenta um dilema clássico: como conciliar a pressão implacável do consumo com ganhos estagnados. Até agora, a resposta tem sido pedir empestado, o que conduziu à dívida massiva que hoje atormenta as economias avançadas. Obviamente, isto é insustentável, e portanto, não é sequer resposta, pois implica colapsos periódicos da máquina de produção de riqueza.

A verdade é que não podemos continuar a automatizar com sucesso a nossa produção sem repensar as nossas atitudes em relação ao consumo, trabalho, lazer e distribuição de rendimentos. Se esses esforços de imaginação social, a recuperação da crise actual será simplesmente um prelúdio para mais calamidades devastadoras no futuro.


O novo livro de Robert Skidelsky, que conta com a co-autoria de Edward Skidelsky, é “How Much is Enough?”


Direitos de autor: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria




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