Opinião
O Dragão e a Águia (*)
O fenómeno da globalização projectou uma relação de profunda interdependência entre as diversas economias mundiais. Estas, deixaram de ser vistas como ilhas pertencentes a um arquipélago - parte de um todo, mas não ligadas entre si, com...
O fenómeno da globalização projectou uma relação de profunda interdependência entre as diversas economias mundiais. Estas, deixaram de ser vistas como ilhas pertencentes a um arquipélago - parte de um todo, mas não ligadas entre si, com idiossincrasias próprias e sofrendo os seus próprios choques (Teoria das Ilhas, de Lucas) - para ganharem uma mecânica complexa, fruto de uma engrenagem que só funciona quando todos os seus elos se entrecruzam na perfeição.
Esta exposição vem a propósito de tudo o que se tem dito sobre a China: a sua emergência, crescimento acima da média, possibilidade de se tornar a maior potência económica mundial.
Estarão os chineses imunes ao ciclo económico recessivo em que mergulhámos no início de 2008? Tal como, em cima, deixámos subentendido, na nossa opinião, não!
Expliquemos porquê: a China necessita que a Europa e os EUA comprem os seus produtos. A economia chinesa tem crescido via exportações. Nesse sentido, não é favorável às autoridades de Beijing que haja uma retracção de procura interna nos países para os quais vendem a sua produção. Para além disso, a China possui 800 biliões de dólares em dívida pública americana ("treasuries"). A descida pronunciada das taxas de juro directoras, por parte da Reserva Federal americana (FED) ajudou Beijing a consolidar ganhos nestas aplicações. No entanto, o modelo keynesiano adoptado pelas autoridades dos Estados Unidos da América, com a consequente impressão de moeda e estímulos diversos à banca, criou constrangimentos em relação à qualidade do crédito da dívida americana, bem como apreensão quanto à capacidade do FED de evitar um ressurgimento da inflação - à semelhança dos anos 70 - assim que a economia retome.
Recentemente, as autoridades chinesas mostraram "curiosidade em conhecer a aritmética americana para fazer face ao défice". Elucidativo! Uma posterior visita do secretário de Estado americano, Timothy Geithner, à China, parece ter acalmado os ânimos, mas a verdade é que as autoridades de Beijing têm tomado algumas medidas preventivas: durante o mês de Junho, a China vendeu treasuries comprando metais industriais, de fácil armazenamento.
Os analistas internacionais indicam que este movimento - associado a um outro, em que os chineses reduziram a maturidade dos seus investimentos de longo prazo (10 e 30 anos), na dívida americana - significa que Beijing está a levar muito a sério esta ameaça, simultaneamente salvaguardando-se com importações de bens duráveis que lhe permitam alguma diversificação de risco. Alguns consideram que a China prepara a nova Revolução Industrial, os carros híbridos e daí a acumulação de "stocks" que tem vindo a promover, de metais como cobre. Para além deste, investiram em alumínio, zinco, titânio, níquel, entre outros, e também em petróleo. Relembramos que, à medida que as moedas se vão desvalorizando, - consequência da impressão de moeda - novos padrões emergem. Foi assim que apareceu o "Standard Gold". Será que futuramente teremos o "Standard Copper"? O cobre como moeda de troca?
Estas importações de mercadorias tiveram impacto nos mercados financeiros e, veremos, provavelmente na economia. Na verdade, a subida das "commodities" pode vir a ser perniciosa para famílias e empresas. Nas famílias, uma subida do preço do petróleo (valorizou de 37 dólares, no fim de 2008, para 70 dólares, em Junho de 2009) funciona quase como um imposto indirecto, tendo impacto negativo no rendimento disponível para consumo.
Nas empresas, porque a subida das matérias-primas afecta o custo dos bens produtivos, o que em sectores como o da construção, já tão deprimido, pode ser fatal. Com pouca capacidade para passar o custo aos consumidores, as empresas acabam por absorver este custo, reduzindo assim a sua margem. A reacção do sector empresarial poderá ser promover novos despedimentos (de forma a restaurar esta margem), o que terá como consequência futura uma maior retracção do consumidor.
Obviamente, esta situação acabará por penalizar os chineses, pelo que estes desequilíbrios pontuais tendem a normalizar-se no tempo. O maior risco para as economias mundiais será a China concentrar-se no seu mercado interno, onde os actuais 75 milhões de consumidores com poder de compra efectivo (numa população de 2 biliões) se afigura muito pouco. No entanto, para o fazer, a China precisa de continuar a crescer pelo que as importações ocidentais são muito importantes.
Será este um círculo virtuoso? A mim, parece-me que o espectro da estagflação (aceleração da inflação e redução drástica do ciclo de crescimento) é o maior risco para as economias mundiais. Acredito que o debate entre keynesianos e monetaristas (de Friedman) se irá intensificar nos próximos tempos…
(*) Símbolos respectivamente da China e dos EUA
Administrador do Grupo Golden
Esta exposição vem a propósito de tudo o que se tem dito sobre a China: a sua emergência, crescimento acima da média, possibilidade de se tornar a maior potência económica mundial.
Expliquemos porquê: a China necessita que a Europa e os EUA comprem os seus produtos. A economia chinesa tem crescido via exportações. Nesse sentido, não é favorável às autoridades de Beijing que haja uma retracção de procura interna nos países para os quais vendem a sua produção. Para além disso, a China possui 800 biliões de dólares em dívida pública americana ("treasuries"). A descida pronunciada das taxas de juro directoras, por parte da Reserva Federal americana (FED) ajudou Beijing a consolidar ganhos nestas aplicações. No entanto, o modelo keynesiano adoptado pelas autoridades dos Estados Unidos da América, com a consequente impressão de moeda e estímulos diversos à banca, criou constrangimentos em relação à qualidade do crédito da dívida americana, bem como apreensão quanto à capacidade do FED de evitar um ressurgimento da inflação - à semelhança dos anos 70 - assim que a economia retome.
Recentemente, as autoridades chinesas mostraram "curiosidade em conhecer a aritmética americana para fazer face ao défice". Elucidativo! Uma posterior visita do secretário de Estado americano, Timothy Geithner, à China, parece ter acalmado os ânimos, mas a verdade é que as autoridades de Beijing têm tomado algumas medidas preventivas: durante o mês de Junho, a China vendeu treasuries comprando metais industriais, de fácil armazenamento.
Os analistas internacionais indicam que este movimento - associado a um outro, em que os chineses reduziram a maturidade dos seus investimentos de longo prazo (10 e 30 anos), na dívida americana - significa que Beijing está a levar muito a sério esta ameaça, simultaneamente salvaguardando-se com importações de bens duráveis que lhe permitam alguma diversificação de risco. Alguns consideram que a China prepara a nova Revolução Industrial, os carros híbridos e daí a acumulação de "stocks" que tem vindo a promover, de metais como cobre. Para além deste, investiram em alumínio, zinco, titânio, níquel, entre outros, e também em petróleo. Relembramos que, à medida que as moedas se vão desvalorizando, - consequência da impressão de moeda - novos padrões emergem. Foi assim que apareceu o "Standard Gold". Será que futuramente teremos o "Standard Copper"? O cobre como moeda de troca?
Estas importações de mercadorias tiveram impacto nos mercados financeiros e, veremos, provavelmente na economia. Na verdade, a subida das "commodities" pode vir a ser perniciosa para famílias e empresas. Nas famílias, uma subida do preço do petróleo (valorizou de 37 dólares, no fim de 2008, para 70 dólares, em Junho de 2009) funciona quase como um imposto indirecto, tendo impacto negativo no rendimento disponível para consumo.
Nas empresas, porque a subida das matérias-primas afecta o custo dos bens produtivos, o que em sectores como o da construção, já tão deprimido, pode ser fatal. Com pouca capacidade para passar o custo aos consumidores, as empresas acabam por absorver este custo, reduzindo assim a sua margem. A reacção do sector empresarial poderá ser promover novos despedimentos (de forma a restaurar esta margem), o que terá como consequência futura uma maior retracção do consumidor.
Obviamente, esta situação acabará por penalizar os chineses, pelo que estes desequilíbrios pontuais tendem a normalizar-se no tempo. O maior risco para as economias mundiais será a China concentrar-se no seu mercado interno, onde os actuais 75 milhões de consumidores com poder de compra efectivo (numa população de 2 biliões) se afigura muito pouco. No entanto, para o fazer, a China precisa de continuar a crescer pelo que as importações ocidentais são muito importantes.
Será este um círculo virtuoso? A mim, parece-me que o espectro da estagflação (aceleração da inflação e redução drástica do ciclo de crescimento) é o maior risco para as economias mundiais. Acredito que o debate entre keynesianos e monetaristas (de Friedman) se irá intensificar nos próximos tempos…
(*) Símbolos respectivamente da China e dos EUA
Administrador do Grupo Golden
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12.08.2009