Opinião
O desalento palestiniano em Belém
No colégio cristão "Terra Sancta", em Belém, uma semana de discussões, insinuações, acusações e declarações de princípio marcou o primeiro congresso da Fatah em território palestiniano e deixou a claro a impossibilidade de qualquer...
No colégio cristão "Terra Sancta", em Belém, uma semana de discussões, insinuações, acusações e declarações de princípio marcou o primeiro congresso da Fatah em território palestiniano e deixou a claro a impossibilidade de qualquer negociação de paz chegar a bom porto.
Mahmoud Abbas foi reeleito por aclamação presidente da Fatah por mais cinco anos, mas a perplexidade e divisões entre os delegados quanto à possibilidade de negociações de paz puderem vir a conduzir a um estado independente foi uma constante, enquanto o Hamas dominar Gaza e enquanto Israel recusar desmantelar colonatos na Cisjordânia.
Uma Fatah desacreditada
A Fatah, fundada em 1954 no Koweit, ainda controla a Organização de Libertação da Palestina (OLP), a frente de libertação criada dez anos mais tarde na Cisjordânia, confunde-se com a Autoridade Palestiniana, saída dos Acordos de Oslo em 1994, mas é na realidade um movimento político longe das pretensões hegemónicas dos tempos de Yasser Arafat.
Mahmoud Abbas passou a dirigir a Fatah após a morte de Arafat, em 2004, e foi eleito presidente da Autoridade Palestiniana em Janeiro do ano seguinte, numa votação boicotada pelo Hamas.
A recondução de Abbas na presidência foi rejeitada pelos islamitas em Janeiro do ano passado e a legitimação do líder da Fatah e da OLP como presidente está agora dependente da realização de eleições presidenciais e legislativas em 2010.
Para todos os efeitos práticos, Abbas dirige a administração apenas nas áreas da Cisjordânia, onde residem cerca de 2,4 milhões de palestinianos e cuja economia está dependente das ligações a Israel, além de reclamar a representação de mais de quatro milhões de refugiados.
Os acordos de Oslo que levaram ao controlo limitado por parte da Fatah de territórios palestinianos em Gaza e na Cisjordânia, apesar da contestação de outros grupos representados na OLP, começaram por criar maior distanciamento entre a diáspora palestiniana e os interesses das populações sob tutela da nova administração de Arafat.
O fracasso das negociações que em cinco anos deveriam resultar na instauração de um estado independente, a corrupção e ineficácia da administração de Arafat, sistematicamente boicotada por sucessivos governos israelitas, redundaram na influência crescente do Hamas.
As eleições legislativas de Janeiro de 2006 levaram à vitória do Hamas e em Junho do ano seguinte o confronto militar entre os islamitas e a Fatah resultou na afirmação do controlo do Hamas sobre a faixa de Gaza e os seus 1,4 milhões de habitantes.
O movimento islamita, fundado em 1987, tornou-se desde então uma realidade militar e administrativa concorrente da Fatah e o apoio do Irão, da Síria e do Hizballah libanês garantem a persistência do Hamas como alternativa de poder entre os palestinianos.
Movimento de libertação sem paz, nem estado
Os 299 delegados de Gaza foram impedidos de deslocar-se a Belém para participarem no VI Congresso da Fatah, ao passo que Israel permitiu a presença de representantes exilados para reforçar a posição de Abbas contestada por históricos do movimento como Farouk Kadumi que antes do conclave acusou o presidente e o antigo homem forte dos serviços de segurança em Gaza Mohammed Dahlan de estarem implicados no alegado assassínio de Arafat.
Vinte anos depois do último Congresso em Tunis, uma Fatah convulsionada pelo fracasso do processo de Oslo, por décadas de corrupção e nepotismo, tentou reafirmar-se como "movimento de libertação nacional", mas salvo o reconhecimento de "muitos erros" não especificados, a autocrítica não se fez ouvir por parte da envelhecida liderança que tão pouco conseguiu prestar contas sobre a sua gestão financeira.
A resolução política adoptada pelos 2 .355 delegados, incluindo os representantes de Gaza que votaram por telefone, apresenta como objectivo da Fatah "pôr termo à ocupação israelita e conquistar a independência para o povo palestiniano num estado com capital em Jerusalém Oriental".
A Fatah reiterou as reivindicações do direito de retorno dos refugiados, do traçado de fronteiras segundo as delimitações vigentes antes da guerra de 1967, exigiu uma "paz justa", alcançável por meios pacíficos, através de formas de luta como boicotes e actos de desobediência civil, mas, contemplando, ainda, outras acções contra os ocupantes.
A salvaguarda do recurso à luta armada, legitimada em conformidade com a lei internacional, segundo os termos retidos pelos congressistas, foi uma concessão necessária de Abbas para puder prosseguir as desalentadas negociações com Israel no âmbito da política de dois estados para o chamado território histórico da Palestina.
À espera do Napoleão da Cisjordânia
As eleições para o Comité Central, o órgão executivo, e o Conselho Revolucionário, a instância deliberativa, saldaram-se por uma significativa renovação dos quadros dirigentes, com a entrada de militantes maioritariamente oriundos dos territórios palestinianos, em detrimento de representantes da diáspora.
Marwan Barghouti, nascido em 1959 nos arredores de Ramallah, um dos líderes da primeira Intifada em 1987, detido em 2002 e condenado a cinco penas de prisão perpétua em Israel, foi eleito para o Comité Central.
Barghouti, um dos raros dirigentes da Fatah a manter boas relações com o Hamas e simultaneamente apto a dialogar com os moderados israelitas, é notoriamente a pessoa mais capaz para lançar novas iniciativas políticas.
Além de Barghouti, foram também eleitos dois homens fortes da segurança que trazem consigo todos os estigmas do passado recente da Fatah.
O antigo responsável pelas forças da Fatah em Gaza, Dhalan, de 47 anos, e o seu homólogo na Cisjordânia, Jibril Rajoub, 56 anos, ambos práticos na relação com congéneres israelitas e norte-americanos, mas odiados pelos militantes do Hamas e alvo de inúmeras acusações de corrupção, passaram a integrar o Comité Central.
A Fatah concluiu terça-feira o seu Congresso, apelando à mobilização de mais de 300 mil militantes, mas com o gosto amargo de que todas as vias de negociação conduziram a um impasse, sem que qualquer alternativa se vislumbre no horizonte.
barradas.joaocarlos@gmail.com
jornalista
Assina esta coluna semanalmente à quarta-feira
Mahmoud Abbas foi reeleito por aclamação presidente da Fatah por mais cinco anos, mas a perplexidade e divisões entre os delegados quanto à possibilidade de negociações de paz puderem vir a conduzir a um estado independente foi uma constante, enquanto o Hamas dominar Gaza e enquanto Israel recusar desmantelar colonatos na Cisjordânia.
A Fatah, fundada em 1954 no Koweit, ainda controla a Organização de Libertação da Palestina (OLP), a frente de libertação criada dez anos mais tarde na Cisjordânia, confunde-se com a Autoridade Palestiniana, saída dos Acordos de Oslo em 1994, mas é na realidade um movimento político longe das pretensões hegemónicas dos tempos de Yasser Arafat.
Mahmoud Abbas passou a dirigir a Fatah após a morte de Arafat, em 2004, e foi eleito presidente da Autoridade Palestiniana em Janeiro do ano seguinte, numa votação boicotada pelo Hamas.
A recondução de Abbas na presidência foi rejeitada pelos islamitas em Janeiro do ano passado e a legitimação do líder da Fatah e da OLP como presidente está agora dependente da realização de eleições presidenciais e legislativas em 2010.
Para todos os efeitos práticos, Abbas dirige a administração apenas nas áreas da Cisjordânia, onde residem cerca de 2,4 milhões de palestinianos e cuja economia está dependente das ligações a Israel, além de reclamar a representação de mais de quatro milhões de refugiados.
Os acordos de Oslo que levaram ao controlo limitado por parte da Fatah de territórios palestinianos em Gaza e na Cisjordânia, apesar da contestação de outros grupos representados na OLP, começaram por criar maior distanciamento entre a diáspora palestiniana e os interesses das populações sob tutela da nova administração de Arafat.
O fracasso das negociações que em cinco anos deveriam resultar na instauração de um estado independente, a corrupção e ineficácia da administração de Arafat, sistematicamente boicotada por sucessivos governos israelitas, redundaram na influência crescente do Hamas.
As eleições legislativas de Janeiro de 2006 levaram à vitória do Hamas e em Junho do ano seguinte o confronto militar entre os islamitas e a Fatah resultou na afirmação do controlo do Hamas sobre a faixa de Gaza e os seus 1,4 milhões de habitantes.
O movimento islamita, fundado em 1987, tornou-se desde então uma realidade militar e administrativa concorrente da Fatah e o apoio do Irão, da Síria e do Hizballah libanês garantem a persistência do Hamas como alternativa de poder entre os palestinianos.
Movimento de libertação sem paz, nem estado
Os 299 delegados de Gaza foram impedidos de deslocar-se a Belém para participarem no VI Congresso da Fatah, ao passo que Israel permitiu a presença de representantes exilados para reforçar a posição de Abbas contestada por históricos do movimento como Farouk Kadumi que antes do conclave acusou o presidente e o antigo homem forte dos serviços de segurança em Gaza Mohammed Dahlan de estarem implicados no alegado assassínio de Arafat.
Vinte anos depois do último Congresso em Tunis, uma Fatah convulsionada pelo fracasso do processo de Oslo, por décadas de corrupção e nepotismo, tentou reafirmar-se como "movimento de libertação nacional", mas salvo o reconhecimento de "muitos erros" não especificados, a autocrítica não se fez ouvir por parte da envelhecida liderança que tão pouco conseguiu prestar contas sobre a sua gestão financeira.
A resolução política adoptada pelos 2 .355 delegados, incluindo os representantes de Gaza que votaram por telefone, apresenta como objectivo da Fatah "pôr termo à ocupação israelita e conquistar a independência para o povo palestiniano num estado com capital em Jerusalém Oriental".
A Fatah reiterou as reivindicações do direito de retorno dos refugiados, do traçado de fronteiras segundo as delimitações vigentes antes da guerra de 1967, exigiu uma "paz justa", alcançável por meios pacíficos, através de formas de luta como boicotes e actos de desobediência civil, mas, contemplando, ainda, outras acções contra os ocupantes.
A salvaguarda do recurso à luta armada, legitimada em conformidade com a lei internacional, segundo os termos retidos pelos congressistas, foi uma concessão necessária de Abbas para puder prosseguir as desalentadas negociações com Israel no âmbito da política de dois estados para o chamado território histórico da Palestina.
À espera do Napoleão da Cisjordânia
As eleições para o Comité Central, o órgão executivo, e o Conselho Revolucionário, a instância deliberativa, saldaram-se por uma significativa renovação dos quadros dirigentes, com a entrada de militantes maioritariamente oriundos dos territórios palestinianos, em detrimento de representantes da diáspora.
Marwan Barghouti, nascido em 1959 nos arredores de Ramallah, um dos líderes da primeira Intifada em 1987, detido em 2002 e condenado a cinco penas de prisão perpétua em Israel, foi eleito para o Comité Central.
Barghouti, um dos raros dirigentes da Fatah a manter boas relações com o Hamas e simultaneamente apto a dialogar com os moderados israelitas, é notoriamente a pessoa mais capaz para lançar novas iniciativas políticas.
Além de Barghouti, foram também eleitos dois homens fortes da segurança que trazem consigo todos os estigmas do passado recente da Fatah.
O antigo responsável pelas forças da Fatah em Gaza, Dhalan, de 47 anos, e o seu homólogo na Cisjordânia, Jibril Rajoub, 56 anos, ambos práticos na relação com congéneres israelitas e norte-americanos, mas odiados pelos militantes do Hamas e alvo de inúmeras acusações de corrupção, passaram a integrar o Comité Central.
A Fatah concluiu terça-feira o seu Congresso, apelando à mobilização de mais de 300 mil militantes, mas com o gosto amargo de que todas as vias de negociação conduziram a um impasse, sem que qualquer alternativa se vislumbre no horizonte.
barradas.joaocarlos@gmail.com
jornalista
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