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No meu tempo é que era!

Provavelmente, as nossas elites são hoje tão sofríveis como sempre foram.

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Com as decorações de Natal e os pensamentos do professor Cavaco Silva, vieram-me à memória os serões familiares da minha juventude. A conversa entre os mais velhos acabava sempre nas recordações, no como eram bons os tempos de outrora e perigosos os actuais. Comparativamente, o passado levava sempre a melhor sobre o presente. Liberdades e rendimentos à parte, a sociedade era mais segura, havia mais decência, mais verdade, mais qualidade das elites e dos dirigentes, menos insegurança, menos corrupção emenos egoísmo. Em suma, o povo era mais feliz. É uma história feita de ingredientes nostálgicos e que se repete, geração após geração, em todas as famílias do planeta, inclusive as políticas. Mas será que tem alguma aderência à realidade? Fará algum sentido sustentar que a qualidade da classe dirigente tende para infinito menos?

Comecemos pelo óbvio. Em todos os tempos houve dirigentes capazes e incapazes, gente séria e gente corrupta, políticos visionários e políticos correntes. Nada prova nem nos leva a supor que os actuais índices de competência média são inferiores aos do passado, nem sequer que se encontram em regressão. Provavelmente, as nossas elites são hoje tão sofríveis como sempre foram. Mas então, porque têm os cidadãos, dos ilustres aos comuns, uma percepção contrária?

A primeira razão decorre do actual momento político e económico. Deprimidos, mal pagos e mal geridos, os portugueses descarregam as suas frustrações na classe política e nos dirigentes em geral. Dificilmente a economia dará sinais de recuperação notória nos tempos mais próximos, mas resta a esperança de que o leme da governação venha brevemente a conhecer um timoneiro mais capaz. Regressar-se-á então à normalidade estatística, após a inflexão abrupta na curva de competência média dos responsáveis políticos durante o consulado Santana Lopes. Mas nem por isso a acção governativa deixará de estar sujeita ao crivo de avaliação impiedoso a que a comunicação social e a opinião pública aprenderam a sujeitar os dirigentes de todas as cores partidárias.

É essa, aliás, uma das certezas dos próximos decénios - a pressão dos media e da opinião pública sobre os decisores acentuar-se-á, pondo cruelmente a nu a mais pequena falha, omissão ou transgressão. Por isso se exige aos políticos um conjunto de atributos cada vez mais vasto - capacidade política, sentido estratégico, competência, resistência física, aptidões de gestão e, sobretudo, poder comunicacional -, que um dia só super-homens serão capazes de garantir.

Ora, a complexidade e a exposição crescentes da acção governativa impõem, para o bem e para o mal, dirigentes de tipo novo. Não é minimamente comparável o contexto actual com o de há vinte ou trinta anos atrás. Muitos dos responsáveis de então não resistiriam à densidade dos dossiês do século XXI nem a oito dias de pressão mediática. As performances de ontem poucas ou nenhumas garantias de sucesso transportam para o mundo de hoje.

Soam, pois, a sininhos de Natal os bem intencionados apelos ao regresso de ex-dirigentes partidários em nome da salvaguarda de princípios (que princípios?), da qualidade ou da probidade na gestão da coisa pública. Cavaco Silva bem pode parabolizar a lei de Gresham, aplicando-a à política em jeito de aviso paternal ou de mensagem subliminar do tipo Do you remember?. Se fosse caso disso, a realidade encarregar-se-ia de demonstrar em três tempos que os critérios de qualidade do respeitável professor e seus seguidores já não colam às exigências dos novos mercados eleitorais - digitais e irrequietos, imprevisíveis e intrusivos. Há um velho princípio de gestão que convém não esquecer: nunca se ganha em contrariar o mercado.

Tal como os mais velhos nos serões de família, não estou certo dos caminhos futuros da política. A sociedade digital elevará ou banalizará os critérios «clássicos» de rigor e competência? A melhoria dos indicadores de qualidade de vida e dos níveis de instrução contribuirá para uma elevação da bitola geral de exigência ou, pelo contrário, veremos consagrados pelos novos eleitores os valores do efémero e do superficial? Ou será que, pura e simplesmente, ainda não nos apercebemos de que a geração digital está a criar um novo quadro de valores?

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