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Nada de bom se augura

A dr.ª Manuela Ferreira Leite persiste num mutismo inescrutável. Nada se sabe do que deseja para o País. Tudo se ignora acerca do programa que nos vai propor. A dr.ª Manuela Ferreira Leite aplica, somente, umas farpas ao eng.º Sócrates, acentuando...

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A dr.ª Manuela Ferreira Leite persiste num mutismo inescrutável. Nada se sabe do que deseja para o País. Tudo se ignora acerca do programa que nos vai propor. A dr.ª Manuela Ferreira Leite aplica, somente, umas farpas ao eng.º Sócrates, acentuando, insistentemente, a nódoa de carácter que lhe aponta: o de ser mentiroso, segundo a virtuosa senhora. Alfredo Barroso, na SIC Notícias, sugeriu, com a ironia que se lhe conhece, a eventualidade de a chefe do PSD estar à espera do programa do PS para aplicar o seu contrário. É uma hipótese. Pelo menos, admissível, dado o solene silêncio da antiga ministra do dr. Cavaco.

Acaso a mudez dela tenha sido recomendada pelo Pacheco Pereira, o qual esclareceu o povo que o discurso da dr.ª não deve ser tomado à letra, mas sim submetido a minuciosa interpretação. Nesse caso, o que ela diz não é o que quer dizer, e nem diz o que na realidade diz. Parece um alargamento do célebre aforismo de Óscar Wilde: "Digo sempre; não o que deveria dizer, mas o que na realidade penso." Acontece que o autor de "O Retrato de Dorian Gray" - pensava. Perante as evidências e as afirmações do Pacheco começa a manifestar-se fortes dúvidas sobre se a dr.ª Manuela - pensa.

Estamos entregues a estas colheitas. Um é mau; o outro (neste caso a outra) é péssimo. O português mediano, dado ao trabalho e sovado pelas preocupações, não sabe o que fazer.

Votar no PCP? Pôr a cruzinha no Bloco de Esquerda? Voltar ao Sócrates? Admitir, sequer, a possibilidade de ser governado pela dr.ª Manuela e, por ela, aquela gente que se atropela na conspiração de interesses, e cujos exemplos de riqueza instantânea têm dado azo às mais atrozes atribulações da nossa piedosa democracia?

As coisas não estão nada bem para os portugueses. Como dizia o meu amigo Novais Correia, oftalmologista distinto e ainda mais distinto camilianista: "Entre estes venha o diabo e escolha."

Eis o "tanto se me dá" em todo o seu esplendor. Eis a ausência de civismo, de cidadania e de cultura ética nas suas mais amargas expressões. A pandemia está por toda a Europa, como a gripe suína. Como é que a pátria de Garibaldi procriou e tem sustentado um homem como Berlusconi. E a França de Voltaire e da Revolução pariu Nicolas Sarkozy?, a quem Régis Debray chamou "um mentecapto hilariante." O amolecimento mental e moral dos europeus não é metáfora. E a lenta supressão das componentes democráticas, nos sistemas tradicionais, começa a preocupar muitos dos que vêem a ameaça fascista como uma realidade.

Na última semana, a importante revista "Le Nouvel Observateur" publicou uma entrevista com John Berger. Este intelectual de 83 anos, pouco conhecido em Portugal, é um dos maiores escritores do nosso tempo. Nasceu em Londres, envolveu-se nos bulícios da época, comprometeu-se, foi perseguido e, agora, vive em França. Diz Berger: "O neoliberalismo, a que chamo fascismo económico, reina, hoje, no planeta. O mundo é uma prisão. Eles mentem-nos e violam-nos. Não podemos acreditar no que dizem esses aldrabões."

Mais adiante, acrescenta: "Procuro, simplesmente, situar-me o mais ao centro possível; quero dizer: no centro da experiência humana. Nos nossos dias, o centro dessa experiência são os marginais. Marginais que, paradoxalmente, são os mais numerosos que vivem no planeta. Os sem-poder compreendem as coisas da vida, enquanto aqueles que detêm o poder não possuem nenhuma ideia do que, verdadeiramente, é a existência."

Aplique-se o conceito à realidade portuguesa. Quando se chega à inquietação de se perspectivar como actores principais da política aqueles que, todos os dias, maçadora e incansavelmente, as televisões e os jornais nos apresentam, efectivamente gente de terceiro plano - então, o assunto é grave. As coisas foram preparadas e conduzidas de molde a serem entendidas como inevitáveis. Não são. O preconceito ideológico, habilmente alimentado por estipendiados em todos os ramos, conduziu-nos a ser dominados pelos "valores" do irretorquível. Ora, o "irretorquível" é a negação absoluta da razão e do acto de pensar.

É preciso e é urgente pensar contra. Contra os que bloqueiam a diversidade cultural; contra os pretensos fatalismos; contra o imobilismo; contra o niilismo; contra a perda de sentido. A nossa criatividade está disponível para combater todos os que negam a importância do homem como factor de transformação. Quando tudo parece irremediavelmente perdido, é quando mais necessitamos das nossas energias, das nossas paixões e das nossas vontades. Queremos continuar a ser mandados por esta gentalha? A experiência vivida pelos sem-poder pode impor à inércia uma nova escala de valores. Viver assim, como vivemos e como se nos promete viver, cabisbaixos e fúnebres, distanciados dos modelos explicativos, ignorando o debate de ideias - mais vale não viver.

O que nos aguarda não augura nada de bom. De um e do outro lado pouco ou nada se pode esperar. A não ser a rotina encardida de um paradigma fatigado, que ora impõe a repressão nas suas diferentes variantes, ora se mascara de democracia.
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