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07 de Julho de 2010 às 14:20

Morte em Beirute

Uma das grandes figuras do islamismo xiita foi a enterrar terça-feira em Beirute e com a morte do grande ayatollah Muahmed Hussein Fadlallah os xiitas libaneses perdem um dos seus raros líderes espirituais capaz de apaziguar as tensões com os rivais muçulmanos e um mentor histórico do Hizballah.

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Uma das grandes figuras do islamismo xiita foi a enterrar terça-feira em Beirute e com a morte do grande ayatollah Muahmed Hussein Fadlallah os xiitas libaneses perdem um dos seus raros líderes espirituais capaz de apaziguar as tensões com os rivais muçulmanos e um mentor histórico do Hizballah.


Fadlallah foi um dos inspiradores do Hizballah (Partido de Deus) no início dos anos 80, mas as rivalidades religiosas e políticas com os patronos iranianos e sírios do movimento impediram que desempenhasse um papel mais activo na política levantina.

Oriundo de uma família libanesa radicada no Iraque, Fadlallah nasceu em 1935 na cidade santa de Najaf e foi um dos fundadores do Dawa (Partido do Apelo Islâmico) a mais duradoura das organizações políticas xiitas iraquianas, liderada actualmente pelo primeiro-ministro de Bagdade, Nuri al Maliki.

O islamismo político, em reacção contra o secularismo nacionalista árabe, o comunismo e o sionismo, continuou a orientar Fadlallah depois de se instalar no Líbano em 1966 onde passou a dedicar-se à promoção religiosa e política dos xiitas, a comunidade mais pobre do país, politicamente subrepresentada, mas que duas décadas depois se tornaria maioritária e num dos centros de poder.

Doutrinário e pregador, Fad-lallah assumiu o manto do líder dos xiitas libaneses Musa al Sadr desaparecido em 1978 durante uma viagem à Líbia.

No caos da guerra civil libanesa iniciada em 1975 Fadlallah ganhou estatuto como o mais importante ayatollah.

Tido como sayyed - descendente directo da filha do profeta, Fatima, e do imã Ali - e marja - fonte de emulação -, Fadlallah imperava entre a maioria xiita libanesa e tinha grande influência entre os fiéis de Ali no Bahrein e no Iraque.

A queda de Saddam Hussein permitiu, no entanto, a reemergência dos tradicionais focos de doutrinários do Iraque xiita e o grande ayatollah Ali Sistani de Najaf é, presentemente, um teólogo muito mais influente do que foi alguma vez Fadlallah, enquanto o Líder Supremo do Irão, Ali Khamenei, é reverenciado pelo Hizballah.

O oráculo do Hizballah

Fadlallah deu aval a dezenas de actos de terrorismo e sequestro, designadamente contra alvos norte- -americanos, britânicos e franceses, e em Março de 1985 escapou por um triz a um atentado em Beirute, presumivelmente às ordens da CIA, que causou 80 mortos.

Fatalmente considerado como mentor e oráculo do Hizballah, Fadlallah nunca terá tido o controlo efectivo do movimento, mas foi um doutrinário incontornável do islamismo como unidade indissolúvel político-religiosa de acção e organização da comunidade dos crentes, sem hesitar no recurso à violência.

Apesar de ter apoiado a revolução islamita no Irão em 1979, acabou por se opor à doutrina de governação pelos clérigos -Veleyat-e-Faquih - do Imã Khomeini o que o afastou da liderança do Hizballah sobretudo entre 1985 e 1991 quando, sob a chefia de Subhi al Tufayli, a organização se encontrava sob maior influência de Teerão e Damasco.

Fadlallah assumiu, ainda, uma interpretação relativamente tolerante de alguns aspectos que considerava ultrapassados da xaria, a lei islâmica, enquanto deplorava a divisão entre xiitas e sunitas.

O grande ayatollah condenava a excisão feminina, crimes de honra e violências contra as mulheres, que deveriam, no entanto, guardar a decência em público cobrindo todo o corpo excepto a cara e as mãos, e advogava o uso de cálculos astronómicos para proclamar o início do Ramadão, enquanto se embrenhava em virulentas controvérsias teológicas com Ali Sistani nos últimos anos.

A ascensão de Hassan Nasrallah, líder do Hizballah desde 1992, e os êxitos do movimento xiita, sobretudo após a retirada de Israel do sul do Líbano em 2000 e durante a guerra do Verão de 2006, retiraram margem de manobra política a Fad-lallah.

À medida que declinava a saúde, Fadlallah limitou-se cada vez mais à doutrinação teológica e às actividades de assistência social, mas via vingar a sua herança doutrinária que contribuiu para a ascensão xiita no Líbano e nunca criticou publicamente a estratégia política e militar do Hizballah.

Nem americanos, nem sionistas

A condenação da política norte-americana no Médio Oriente, em que ultimamente o reconhecimento inicial de uma eventual boa-fé de Barack Obama cedo deu lugar ao desapontamento, e a condenação da existência da chamada "entidade sionista", negando o direito à existência do estado de Israel, foram constantes na vida de Fadlallah.

Os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos ou em Moscovo em 2009 foram condenados pelo grande ayatollah, tal como os ataques suicidas contra civis no Egipto em Sharm el Sheik em Julho de 2005.

Fadlallah, no entanto, defendeu que a lei islâmica justificava a violência contra a agressão dos infiéis nas terras do Islão e sempre justificou actos terroristas contra judeus, civis ou militares, no Líbano, Palestina e Israel.

Com a morte de Fadlallah desaparece uma das figuras mais proeminentes do ressurgimento islamita xiita que começou a manifestar-se na década de 60.

Os xiitas do Líbano perdem para os centros religiosos do Iraque e do Irão a sua única fonte doutrinária independente o que nos cenários de rivalidades do Médio Oriente tem consequências imprevisíveis.

Fadlallah acabou por morrer numa cama de hospital aos 74 anos, depois de ter tido a cabeça a prémio décadas a fio, e no contexto tortuoso do Levante acabou por ser celebrado como uma voz em prol da conciliação da nação libanesa, do mundo islâmico, e do combate sem tréguas contra Israel.

Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com


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