Opinião
Habla comigo, tienes dinerito?
Há alguns anos as ruas portuguesas foram invadidas por umas máquinas que debitavam, à aproximação de algum incauto: “habla comigo, tienes dinerito”?
E muitos de nós, apanhados de surpresa, contribuíamos para a causa. Era aí evidente que a nossa relação com Espanha se iria fortalecer, apesar dos cíclicos problemas do passado. Hoje parece que todos estamos dispostos a ceder à tentação da nova versão da cantilena: “habla comigo, yo tiengo dinerito”.
Quando trocávamos caramelos por café ou bacalhau por atoalhados turcos, tudo parecia correr bem. Depois o escudo deixou de valer o dobro da peseta e os espanhóis passaram a ter o triplo do nosso poder de compra. Quando o euro chegou e o Real Madrid começou a contratar todos os anos um jogador que, sozinho, custava mais do que metade dos plantéis da chamada Superliga portuguesa, percebemos que entre Portugal e Espanha já não existia uma balança equilibrada. O equilíbrio desequilibrara- se. O peso estava, todo, no sítio onde nascem os rios portugueses.
A última vez que driblámos os espanhóis foi quando conseguimos dividir o mundo, equilibradamente, pelo Tratado de Tordesilhas. Desde então estamos sempre a perder: qual é o valor, por exemplo, do “jet set” indígena comparado com o que surge na “Hola”?
Nem casos como os dos srs. Albertos e das sras. Koplowitz temos a sério. Até o porco preto, criado em Portugal e exportado para Espanha, é depois comprado novamente como se fosse produzido no país vizinho.
Quando, há anos, se criaram claques de apoiantes do Barcelona e do Real Madrid entre nós, o que era isso senão essa atracção fatal pelo destino que passamos a vida a negar?
Quando passeamos pela imponente Rua Augusta, em Lisboa, e olhamos de frente para a estátua de D. José, o que é que descobrimos de lado, em todas as portas? Lojas espanholas.
Foi isso, talvez, que levou o sr. Mello a pedir a humilde integração do sítio, na feliz expressão do sr. Eça de Queiroz, na Espanha. Afinal o que é que Portugal pode dar mais aos seus mais insignes membros?
O Estado já não tem dinheiro nem poder para dar, a alguns deles, monopólios (seja do tabaco, dos tabacos ou dos amendoins) ou empresas de mão beijada. Aquelas que, depois, são vendidas a correr aos espanhóis, em nome das “mais valias”. É isso que faz com que um dia destes estejamos todos a tornar o flamenco a música nacional.
A Espanha não é um Adamastor. Agora não pode ser apontado como um e, depois, à primeira oportunidade todos ficarem amedrontados e correrem a comprar bilhetes do el gordo”.
É claro que os jogos do campeonato espanhol de futebol são muito mais estimulantes do que os da Superliga nacional e que, entre todos os clubes que participam nesta, talvez só o FC Porto, o Sporting e o Benfica conseguissem competir com o Real Madrid ou o Valência ou mesmo com o clube da Amadora do sítio, o Rayo Vallecano. Mas só isso não chega para que as “imperiais” comecem a ser conhecidas por “cañas”.
A crueldade da questão é que hoje Espanha é um gigante e Portugal, mesmo se estiver vários dias a soro de auto-estima, é um país com pés-de-barro. Porque as suas elites são feitas de plasticina: modelam-se aos seus interesses e não aos do país.
Já não vivemos no Portugal dos pequeninos do “de Espanha nem bom vento nem bom casamento”. Mas na franca impossibilidade de se criar uma nação independente entre as nossas fronteiras e a Espanha das nacionalidades, há que saber encontrar um equilíbrio que não passe apenas por o sr. Figo jogar no Real Madrid, o sr. Quaresma no Barcelona, o sr. Camacho treinar o Benfica e, um dia destes, podermos ter árbitros espanhóis a apitar nos jogos portugueses, porque os nossos são suspeitos até prova em contrário.
Talvez fronteira do Caia, um dia, se desloque para Lisboa, mas o que custa é ver quem agita, muitas vezes, a bandeira da independência e dos “centros de decisão nacionais”, ser o primeiro refugiar-se na inevitabilidade como destino nacional.
Portugal pode estar prestes a trocar as sandes de torresmos pelos “bocadillos”, como prato nacional. E isso só não acontecerá com a elite que temos se, um dia destes, uma empresa espanhola ficar com o monopólio da produção de torresmos e os mantiver para os turistas de Madrid porque, como o Fado, é “very tipical”.