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Gato escondido com o rabo de fora?...

Na semana passada foram conhecidas as projecções de Outono do FMI, que nada de novo trouxeram quanto à realidade da nossa economia. Continuaremos a crescer abaixo da média europeia em 2006, à semelhança do que já acontece ininterruptamente desde 2000 - o

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Na semana passada foram conhecidas as projecções de Outono do FMI, que nada de novo trouxeram quanto à realidade da nossa economia. Continuaremos a crescer abaixo da média europeia em 2006, à semelhança do que já acontece ininterruptamente desde 2000 - o que tem levado, e continuará a levar, à divergência do nosso PIB per capita face à UE-15 e a UE-25.

É uma realidade que já desde 1999-2000 era previsível e a que, infelizmente, continuaremos a assistir durante mais alguns anos. Também já muito tenho escrito sobre este tema pelo que guardarei novos comentários a este propósito para futuras ocasiões (por exemplo, quando a Comissão Europeia e a OCDE divulgarem as suas projecções, o que deve acontecer dentro de sensivelmente um mês).

Mas para além disto, surgiram duas situações na semana que passou, a propósito das contas públicas portuguesas, que levaram a que tivesse optado por escrever sobre elas, em detrimento das projecções do FMI. Como o leitor observará nas linhas que se seguem, trata-se de dois casos que não auguram nada de bom nem para a tão necessária consolidação das finanças públicas nacionais, nem para a transparência, clareza e verdade quanto à forma como se pretende reduzir o défice público - sendo que considero o primeiro caso mais gravoso do que o segundo, porque tenta camuflar uma promessa que tinha sido feita quanto a uma determinada forma de agir (ou seja, tenta lançar "areia para os olhos dos portugueses").

E este primeiro caso é nem mais nem menos do que a anunciada privatização de mais 5% da EDP, através da venda a investidores institucionais da participação que a Caixa Geral de Depósitos (CGD) detém nesta empresa do sector energético (que no total ascende a 9.8% e que passará, assim, para 4.8%).

Ora, tratando-se da venda de uma parte da posição da CGD na EDP, esta operação de privatização não surge nos moldes habituais, pois não proporciona uma receita directa ao Estado - o que, se tivesse acontecido, faria com que o montante proveniente da privatização fosse utilizado para abater dívida pública e/ou efectuar aumentos de capital nas empresas públicas, não sendo, portanto, passível de utilização para redução do défice público.

Contudo, nos moldes em que esta operação foi anunciada, ela pode ser encarada como uma privatização porque implica a passagem de 5% da EDP de "mãos públicas" para "mãos privadas", sendo que essas "mãos públicas" não são as do Estado mas sim as da CGD, empresa pública, é verdade, mas cujas contas não consolidam no chamado Sector Público Administrativo.

Assim, o que ela proporciona é um aumento dos resultados da CGD neste ano em cerca de EUR 400 milhões (tendo em conta a actual cotação em bolsa da EDP) - e não a tal receita directa do Estado, que serviria para os objectivos acima identificados -, levando à entrega ao Estado de um dividendo extraordinário que - esse sim - poderá ser usado, como receita extraordinária, para abater ao défice público.

E é precisamente aqui que reside o cerne da questão: é que o actual Governo afirmou repetidamente que não utilizaria receitas extraordinárias na redução do défice público. Pelo que, se existir - como julgo que, obviamente, existirá - esta entrega do dividendo extraordinário por parte da CGD ao seu accionista (Estado), não só o Governo não falou verdade, como leva a que aumentem as dúvidas quanto à estratégia de consolidação/redução do défice público...

...estratégia essa que, com o segundo caso conhecido na semana passada, foi ainda mais colocada em xeque. Refiro-me, claro está, ao facto de, ao contrário do que tinha prometido no debate do Programa do Governo (Assembleia da República, 21 de Março, 2005), o Ministro das Finanças não ter apresentado, seis meses depois (21 de Setembro, 2005), o Programa Plurianual de Redução da Despesa Corrente do Estado.

Para além de poder fazer luz sobre o que esperar do Orçamento do Estado para 2006 no que toca à redução/consolidação da despesa pública (ainda nada foi referido a este propósito da parte do Governo, apesar de a redução do défice público de 6% do PIB este ano para 4.8% em 2006 representar qualquer coisa como EUR 1.8 mil milhões...), seria igualmente importante para que todos pudessem conhecer as intenções do Governo para os anos posteriores a 2006 em matéria de finanças públicas e consolidação orçamental - uma área fundamental para que a economia portuguesa possa, no futuro, retomar a convergência real com a média comunitária. Aliás, na altura, o Ministro das Finanças de então referiu que "(...) esta redução da despesa pública não pode passar ao lado de uma profunda reestruturação da Administração Pública. Porém, reconhecendo o que funciona bem, é fundamental reconhecer a existência de funcionários a mais em vários serviços (...)". O Ministro entretanto mudou, como se sabe, mas o Governo é o mesmo, pelo que seria bom que os objectivos se mantivessem, até porque do meu ponto de vista estão absolutamente correctos.

Assim, esta falha - grave - do Governo significa que:

(i) ou o Executivo ainda não tem ideias claras sobre o que fazer com a despesa corrente do Estado, o que não pode, de maneira nenhuma, dar confiança aos agentes da economia;

(ii) ou o Executivo já tem esses planos, mas ainda não os quer divulgar por razões eleitorais - o que não é de todo um modo de agir que possa ser louvado.

Seja qual for a razão, é lamentável que tal aconteça, pois esta forma de actuar revela que o Executivo não respeita os compromissos assumidos perante todos os portugueses através dos eleitos pela população na Assembleia da República. E não deixa antever nada de bom nem de positivo para o futuro, para além de não aumentar os níveis de confiança dos portugueses, e os deixar ainda mais preocupados.

O que estes dois exemplos deixam concluir é que, se já existiam dúvidas sobre o caminho traçado pelo Governo em termos de consolidação orçamental, elas são agora ainda maiores. Será que não vão mesmo ser usadas receitas extraordinárias para reduzir o défice? E qual será o caminho escolhido para a consolidação da despesa pública nos próximos anos? Não se sabe. Mas o que começa a ser perceptível é que as promessas feitas quanto a transparência, clareza e, mesmo, rotura com o passado (agora não deveriam ser usadas receitas extraordinárias, não é?!...), não irão passar de meras intenções...

Um caso de "gato escondido com o rabo de fora"?...

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