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Exportações e mercado

Tem sido advogado por muitos, em que eu me incluo certamente, a importância do aumento das exportações portuguesas. Nos últimos tempos esse argumento tem ganho visibilidade pública devido ao nível insustentável do nosso endividamento externo e ao...

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Tem sido advogado por muitos, em que eu me incluo certamente, a importância do aumento das exportações portuguesas. Nos últimos tempos esse argumento tem ganho visibilidade pública devido ao nível insustentável do nosso endividamento externo e ao elevado valor do défice da balança corrente. Parece ser hoje consensual entre nós a importância das nossas empresas exportarem mais bens ou serviços (do turismo, à banca ou à consultoria).

O debate público exige sempre, porém, alguma simplificação dos argumentos. E há por isso o risco da importância das exportações ter significados diferentes para diferentes pessoas.

Para mim, a importância das exportações decorre duma ideia muito simples. Só a exposição à concorrência garante que os preços reflictam devidamente os custos, a qualidade e o valor dos bens produzidos. Em muitos sectores de actividade só a exposição aos mercados externos garante que as empresas operam em situação de concorrência. Daí que o nosso défice externo representa acima de tudo o défice de competitividade das nossas empresas e da nossa economia. Os lucros elevados de algumas grandes empresas portuguesas são assim um mau indicador de competitividade. Eles podem ocorrer por várias razões das quais destaco três: as empresas serem realmente competitivas, operarem num mercado doméstico sem concorrência, receberem os favores do Estado em matéria de regulação e de preços.

Só saberemos efectivamente a qualidade destas empresas quando derem lucros por conquistarem mercados de que não são donas naturais.

As exportações não podem ser vistas como um fetiche, mas como um sinal de saúde empresarial. Se as exportações resultarem de subsidiação cruzada dentro das empresas ou de condições excepcionais públicas na forma de subsídios, financiamento bonificado ou benefícios fiscais também não são sinal de competitividade.

Daqui resulta que a melhoria das exportações não pode ser tratada pelo Estado como indicativa de que precisamos em Portugal de uma política industrial activa, que defina sectores estratégicos, crie linhas de crédito mais favoráveis, ou que tente usar as verbas da União Europeia para promoção do sector exportador. Pelo contrário, esse tipo de políticas poderia criar empresas tão pouco competitivas como as que operam de forma protegida no mercado doméstico. O défice externo até poderia ser contabilisticamente anulado, mas o nosso défice de competitividade manter-se-ia intacto.

Tenho por isso um saudável cepticismo face aos que advogam, mesmo que de forma aparentemente persuasiva, que determinadas políticas simplistas, e sem custo ou dor aparente, resolvem problemas importantes da economia portuguesa. Se o problema de competitividade fosse simples e não tivesse custos em termos de decisões difíceis por parte dos Governos já teria sido resolvido certamente.

Para um país da dimensão de Portugal a importância das exportações é muito maior de que o seu peso no produto. É a garantia de que a economia funciona de forma eficiente, descentralizada e com flexibilidade. Mas isso só será verdade se o sucesso das empresas exportadores não puder ser atribuído a políticas públicas direccionadas. Este é aliás um paradoxo da situação actual. A importância acrescida das exportações no espaço mediático vai criar uma pressão adicional ao Governo para fazer qualquer coisa para se mostrar atento ao problema. Mas a maior parte das acções de curto prazo que possa tomar serão na forma de estímulos artificiais a determinados sectores ou empresas que em si mesmo não aumentam a competitividade. E podem mesmo prejudicá-la.

Nesta perspectiva, advogar uma melhoria nas exportações não corresponde a negligenciar o mercado interno. Pelo contrário, o bem-estar dos portugueses resulta em larga medida da qualidade dos bens e serviços que consomem e compram. E a maior parte destes são produzidos e consumidos internamente. Significa apenas que o mercado interno numa economia da dimensão da portuguesa não permite uma concorrência plena em muitos sectores de actividade, e não temos por isso a certeza de que os custos das empresas sejam os adequados para a qualidade dos bens que produzem, ou se os preços reflectem acima de tudo os custos reais associados à produção desses bens.

Entre nós, o sector externo, é o único em que podemos aspirar a atingir eficiência económica. Onde os lucros resultam do mérito e engenho comercial das empresas, e também, porque não dizê-lo, da ousadia e da sorte. Pelo contrário, no mercado doméstico, há muitas instâncias que contribuem para decisões centralizadas em matéria de preços, custos e alocação de recursos. Os lucros das empresas resultam por isso em parte de decisões centralizadas que de alguma forma distribuem pelas várias empresas e parceiros as mais valias da produção para o mercado interno, quer este seja constituído pelas famílias ou o Estado. Como se compreende este mecanismo de distribuição de resultados não cria incentivos de eficiência económica idênticos aos propiciados pelo mercado.

Há por isso boas razões para se ser a favor das exportações, da competitividade externa e do mercado. Mas nenhuma delas nos leva a um fetichismo pelas exportações.



Professor da Universidade Católica Portuguesa
jba@fcee.ucp.pt
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