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Estrutural versus Conjuntural

Enquanto não percebermos que estruturalmente a nossa situação é, de facto, assustadora, e nos continuarmos a regozijar porque estamos hoje conjunturalmente melhor do que há uns meses, sem entendermos que continuamos a afastar-nos cada vez mais (para pior)

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Em termos estruturais, na verdade, os relatórios da OCDE, do FMI e do Banco de Portugal sobre a situação da economia portuguesa e que foram publicados há poucos dias, não contêm grandes novidades:

- Que a nossa retoma não é sustentada? Já tínhamos sentido?

- Que o nosso padrão de crescimento, baseado no consumo privado e no consumo público não é saudável nem permite um crescimento robusto e sustentado a médio/longo prazo? Também já todos sabemos?

- Que vamos continuar a crescer abaixo da média europeia até, pelo menos 2010? Bem, desde 1999-2000 que era possível vaticinar tal cenário? mesmo que tivéssemos, depois disso, feito o que precisamos de fazer para nos tornarmos mais competitivos e nos adaptarmos ao euro (porque precisamos de alterações estruturais, que levam o seu tempo até produzirem resultados visíveis). Ora, manifestamente, tal ainda não sucedeu, logo?

- Que as intenções do Governo em algumas matérias (como a simplificação de procedimentos e o combate à burocratização na Administração Pública, por exemplo) são louváveis? Sem dúvida, mas das boas intenções à prática vai uma distância considerável e, como sabemos, de boas intenções?

- Que a consolidação (?) orçamental realizada em 2005 foi claramente insuficiente, porque realizada mais, muito mais, do lado da receita do que do lado da despesa? E que o défice de 6% do PIB obtido foi, na verdade, um resultado pior do que o de 2004 (défice de 5.3%) – ainda para mais obtido com um aumento generalizado e considerável de impostos? Mas não «estava na cara» que esse aumento de impostos do ano passado, só foi efectuado para que o Governo não fosse «obrigado» a uma política bem mais austera (e necessária) do lado da despesa pública? Mas só agora é que toda a gente acordou para isto?!... Por favor!...

- Que o desemprego continuará a aumentar pelo menos até ao final de 2007? E como poderia ser diferente, se as taxas de crescimento do PIB projectadas são ínfimas?!...

- Que a continuação da moderação salarial e a elevação da (baixa) produtividade (para o que são necessárias as «tais» mudanças estruturais) são essenciais para resolver a actual situação? Também aqui não noto qualquer inovação?

E poderia continuar por aqui fora – mas esteja descansado caro leitor, que não o vou maçar por esta via. Na verdade, aqui chegado, interessa-me salientar que se os relatórios referidos não trouxeram novidades estruturais sobre a nossa economia, já no que toca a alterações conjunturais, e a acontecimentos laterais (que foram provocados por aqueles documentos) existem alguns aspectos que gostaria de salientar, porque me parecem muito relevantes. Vejamos então.

Desde, logo o Boletim Económico de Primavera do Banco de Portugal. Não sei se o leitor reparou mas, neste relatório, não existe uma única referência ao relatório de Maio de 2005, conhecido como «Comissão Constâncio», que ficou famoso pela projecção de 6.83% para o défice público de 2005 numa situação em que nada seria feito (ou seja, se o país estivesse sem Governo, ou se, mesmo existindo um Executivo, este nada fizesse para alterar a situação). Acontece que o Governo ainda conseguiu que, em 2005, a despesa pública se tivesse situado em cerca de EUR 1.3 mil milhões acima do valor, já de si «estratosférico», que tinha sido estimado pela Comissão Constâncio. Foi obra, não há dúvida!... Terá sido por isto que, neste Boletim de Primavera, o Banco de Portugal criticou duramente as opções de política orçamental e económica tomadas pelo Governo? Responda quem souber? mas não deixa de ser intrigante a (enorme) diferença do tom usado no relatório da Comissão Constâncio para o que o Banco Central usa no boletim recentemente publicado. Aliás, a mudança foi de tal ordem que, segundo reza a comunicação social, até o Governo se sentiu irritado e incomodado?

Outro facto relevante diz respeito ao relatório da OCDE, que aponta, sem papas na língua, que  simplificar o sistema fiscal é essencial para acelerar a competitividade do país para atrair mais  investimento (quer nacional, quer estrangeiro) e, assim, criar mais emprego e crescer mais. É a prova provada de que o «não acreditar» do Engº Sócrates na relevância da política fiscal em termos de competitividade (como consta do Programa do Governo) é profundamente errado e só mostra que não se está atento às tendências internacionais. Depois, a OCDE refere ainda que não existe espaço para descer taxas de imposto devido ao problema do défice orçamental. Aqui discordo frontal e totalmente desta instituição. Porque uma coisa é baixar taxas de imposto; outra, bem diferente, é perder receita. Ora, creio que a OCDE toma por implícito que qualquer diminuição de taxas de imposto leva à diminuição de receita. No entanto, como as alterações produzidas na fiscalidade em países da Europa de Leste mostram, é possível realizar reformas nesta área que passam pela simplificação do sistema fiscal, pelo combate à fraude e à evasão, e pela diminuição de taxas de (vários) impostos - e garantir que não há perda de receita. Logo, tornar uma reforma deste género dependente da consolidação orçamental não me parece correcto – muito menos desejável, no estado em nos encontramos. Aliás, não vejo por que não seria possível seguir uma via semelhante em Portugal, até porque os efeitos já visíveis na Europa de Leste são bem positivos. E, já agora: onde estão os resultados dos dois grupos de trabalho criados junto do Ministério das Finanças em meados do ano passado para, exactamente, estudar a simplificação do sistema fiscal português? Por onde andam? Alguém os viu?...

Enfim, neste ponto ainda, não posso deixar de salientar as afirmações da Dra. Manuela Ferreira Leite, que a propósito dos três relatórios acima mencionados referiu que «(?) O plano que o Ministro das Finanças apresentou em Bruxelas de redução da despesa pública implica que a carga fiscal tenha que aumentar muitíssimo, o que não é susceptível. Não é viável nós pensarmos que a nossa carga fiscal vai aumentar, nós temos todos que trabalhar para que a carga fiscal se reduza e enquanto não conseguirmos reduzir a carga fiscal, o país não vai crescer (?)». Sem dúvida, não poderia concordar mais. Só que isto já era perceptível desde 2000/2001 e, desde então para cá, infelizmente, muito pouco ou quase nada foi feito nesta matéria. Até o que tinha sido prometido foi adiado e, depois, «dissolvido»? Com os prejuízos que todos conhecemos...

O terceiro facto que gostaria de salientar tem a ver com as reacções do Ministro das Finanças e do Primeiro-Ministro a esta realidade. Teixeira dos Santos referiu que não havia razões para entrar em pânico, que havia que manter a serenidade. Ora, este é o tipo de expressões que é geralmente usado antes de as grandes catástrofes terem lugar (por exemplo, antes do afundamento do Titanic). Talvez queira dizer alguma coisa?

Finalmente, como catalogar o contentamento do Primeiro-Ministro perante todas estas notícias, só porque, entretanto, os indicadores de conjuntura do INE e do Banco de Portugal revelaram que a situação parece não ser, agora, tão negativa como há uns meses atrás? Mas atenção: indicadores por indicadores, os da Comissão Europeia revelam que, com excepção dos consumidores, a confiança em Portugal voltou a cair em Março no que toca a industriais, retalho, serviços, construção e sentimento económico em geral... quando subiu no resto da Europa!...

Enquanto não percebermos que estruturalmente a nossa situação é, de facto, assustadora, e nos continuarmos a regozijar porque estamos hoje conjunturalmente melhor do que há uns meses, sem entendermos que continuamos a afastar-nos cada vez mais (para pior) dos outros países europeus, nada feito. Podemos até manter a serenidade, ou mostrar contentamento, mas se não adoptarmos as opções de política mais correctas e continuarmos como até aqui não sei, de facto, onde vamos parar?

NOTA: O presente texto foi redigido com informação disponível até 27 de Abril.

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