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Estradas de Portugal: Um instrumento de Política Fiscal?...

Por mais voltas que dê à cabeça, não consigo encontrar uma única razão convincente e evidente para a decisão do Governo de transformar a empresa Estradas de Portugal (EdP), EPE ("Entidade Pública Empresarial), em SA ("Sociedade Anónima"). O que me leva a

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Por mais voltas que dê à cabeça, não consigo encontrar uma única razão convincente e evidente para a decisão do Governo de transformar a empresa Estradas de Portugal (EdP), EPE ("Entidade Pública Empresarial), em SA ("Sociedade Anónima"). O que me leva a concluir que aqui há "gato escondido com o rabo de fora", ou uma "marosca" bem pensada.

É, aliás, neste sentido que vão também as preocupações já manifestadas por Vera Jardim, Luís Campos e Cunha ou Teodora Cardoso, que não são propriamente conotados como opositores ao Governo? E já nem me refiro a todas as trapalhadas que têm marcado este processo e que têm deixado muito a desejar?

 ? Como é o caso da criação da chamada "contribuição de serviço rodoviário" que mais não é do que a transferência de receita cobrada em sede de ISP para a EdP, e que, no Orçamento do Estado (OE) para 2008, se estima em cerca de EUR 600 milhões no próximo ano. Ora, sendo uma transferência de um imposto, é óbvio que não resulta de nenhuma actividade prestada aos utentes da rede rodoviária nacional, que está concessionada à EdP. Até porque as estradas municipais, que representam cerca de 2/3 de todas as estradas do país, não estão sob alçada da EdP? Logo, quem conduz apenas, ou na sua maior parte, nestas estradas, por que deve também contribuir para a EdP quando abastece o seu veículo?...

 ? Ou a intenção, que o Executivo tem repetido até à exaustão, de não querer privatizar a EdP, nem estar de acordo com essa privatização. Mas se assim é, não se percebe por que no preâmbulo do Decreto-Lei nº 374/2007, de 7 de Novembro, esta possibilidade é referida!...

 ? Ou ainda a fixação do fim do prazo da concessão à EdP em 31 de Dezembro de 2099, no Decreto-Lei nº 380/2007, de 13 de Novembro, aprovado em Conselho de Ministros de 27 de Setembro - mas que, dias depois, num debate Parlamentar, o primeiro-ministro mostrou desconhecer. Certamente para tentar salvar a face do Engenheiro Sócrates, a Resolução do Conselho de Ministros nº 174-A/2007 de 23 de Novembro, aprovada em 14 de Novembro, viria a fixar em 75 anos a concessão da EdP sobre a rede rodoviária nacional (isto é, até? 2082, e não até 2099!). Ora, como pode uma Resolução do Conselho de Ministros sobrepor-se a um Decreto-Lei?!... Extraordinário, não é verdade?...

? Ou, por fim, o facto de o Governo vir defender que esta operação visa uma gestão mais eficiente da EdP. Assim, ficamos a saber que, para o Governo, uma empresa pública só pode ser bem gerida se for SA - as EPE existentes são mal geridas!... Mas não foi o mesmo Governo que, no ano passado, transformou os hospitais SA em EPE?!... Confuso, caro leitor? Não esteja: trata-se, realmente, do mesmo Governo!... Que, assim, revela uma coerência extraordinária!...

Deixando de lado todos estes episódios rocambolescos, é quando se começa a falar na dimensão do prazo de concessão que os verdadeiros motivos de preocupação (financeiros?) começam a surgir. Porquê uma concessão por 75 anos, quando a prática mais comum em Portugal, nesta área, tem apontado para cerca de 30 anos (40 no máximo)?... O Governo justifica-se com o facto de outras obras de grande dimensão, como as barragens, serem concessionadas por 75 anos!... Mas, pergunto eu: o que têm as barragens a ver com estradas?!... Ora a verdade é que, com uma concessão a 75 anos, as receitas a receber pelas subconcessões são bem maiores e, sendo pagas à cabeça, podem desempenhar um papel fundamental nos próximos anos, como veremos.

Convém também não perder de vista que, historicamente, a EdP tem vivido de transferências do OE (que, a partir de 2008, se consubstanciarão na contribuição de serviço rodoviário) e de fundos comunitários e que, para equilibrar as suas contas, recorre habitualmente ao financiamento bancário (de acordo com o Ministro das Finanças, o endividamento da EdP representará cerca de EUR 400 milhões em 2007 e um pouco menos em 2008). As insuficientes transferências do OE têm sido, pois, colmatadas com endividamento - e, se a empresa consolidar no perímetro das Administrações Públicas, como até agora sempre sucedeu, o efeito no défice é neutro.

O problema coloca-se se a EdP deixar de consolidar. O ministro das Finanças já garantiu que em 2008 tal não sucederá. Muito bem. Mas ainda nada ouvi a este respeito para 2009 - e aí é que está o busílis da questão, porque é nesse ano que se realizam eleições legislativas, autárquicas e europeias, e em que, como já se percebeu, o Executivo terá uma irresistível vontade de baixar impostos. Não que já não o devesse ter feito, por diversas razões (como já defendi em alguns textos de opinião e que agora, por economia de espaço, não vou recordar); mas irá fazê-lo apenas em 2009 e pelos piores motivos: as eleições. Para tanto, a manter-se tudo como está, o Governo precisa de uma almofada financeira - que bem lhe pode ser fornecida por uma possível saída da EdP do perímetro de consolidação das Administrações Públicas.

Para validar esta operação, o Eurostat exige que mais de 50% dos custos de uma empresa sejam cobertos por receitas mercantis (decorrentes da sua actividade de mercado), o que deve acontecer ao longo de um conjunto de anos. Ora, como se sabe, as primeiras concessões rodoviárias à EdP já foram feitas - e adivinha-se que continuem em bom ritmo durante os 2 ou 3 próximos anos, permitindo uma antecipação de receitas relativas aos próximos 75 anos (cá está a relevância do prazo de concessão, que possibilita uma muito maior antecipação de receitas do que nos até agora habituais 30-40 anos, por exemplo...) que, em conjunto com a contribuição de serviço rodoviário (que, não tenho dúvidas, o Governo se esforçará por demonstrar que resulta da prestação directa de um serviço aos utentes), cumprirão as regras do Eurostat. Sendo esta decisão tomada em 2008, ela produzirá efeitos em 2009, concedendo ao Governo uma margem de manobra que se poderá situar em redor de EUR 700 a 800 milhões (1). O que, por exemplo, é praticamente suficiente para reduzir o IVA em 2 pontos percentuais, para 19%. Ou para reduzir o IVA para 20% e o IRC em 5 pontos percentuais. Ou para reduzir o IVA e o IRS. Ou? Enfim, como o leitor já percebeu, se esta possibilidade se concretizasse, ter-se-ia a EdP como inusitado instrumento de política fiscal!...

Creio que se trataria de uma "marosca", um verdadeiro malabarismo orçamental. E que, por isso, importaria que fosse objecto de esclarecimento o quanto antes. Por mim, espero sinceramente que esta minha conjectura esteja errada - mas tudo aquilo a que temos vindo a assistir nos últimos meses nesta área faz suspeitar o pior... É que, se este "esquema" fosse por diante, já não estaríamos no campo das trapalhadas. Não.

Estar-se-ia perante uma verdadeira trapalhice, uma condenável prática de desorçamentação que não poderia deixar de envergonhar quem a praticasse. E tratando-se do Governo, não deixaria de envergonhar também o próprio País.

(1) Nos últimos anos, as transferências anuais do OE para a EdP têm-se situado entre EUR 500 e 600 milhões. Simplesmente, em 2007 tudo se altera, pois é neste ano que a renda anual das SCUT chega, digamos, ao seu "valor de cruzeiro", em redor de EUR 700 milhões, que se manterá a este nível, a preços correntes, bem para lá de 2020. Assim, nem sequer a contribuição de serviço rodoviário seria suficiente para que a EdP satisfizesse este compromisso. E ainda faltaria verba para a construção de novas estradas, bem como para a manutenção e reparação das vias existentes. No global, pode admitir-se que, a partir de 2007, o OE deveria transferir para a EdP um valor anual que oscilaria entre EUR 1200 e 1300 milhões. Juntando a este valor a renda anual de EUR 124 milhões que, a partir de 2008, a EdP terá que pagar ao Estado, e descontando a contribuição de serviço rodoviário (EUR 600 milhões), que será a única verba a sair do OE para a empresa, obtém-se um valor muito próximo de EUR 700 a 800 milhões que, saindo a EdP do perímetro das Administrações Públicas, constituirá uma folga financeira que permitirá, por exemplo, baixar impostos em 2009.

NOTA: Dado que as duas próximas terças-feiras em que era suposto escrever coincidem com o dia de Natal e o dia de Ano Novo, respectivamente, voltarei ao contacto com o leitor apenas no dia 8 de Janeiro de 2008, pelo que aproveito para lhe desejar um Feliz Natal e um óptimo ano de 2008.

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