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Espelho meu, há alguém mais pop do que eu?

Nos tempos que correm, quem quer ser popular entre os agentes económicos tem de se manifestar contra as rotundas e o Euro 2004, invectivar a função pública, desprezar os projectos infra-estruturantes e abraçar o lóbi da redução dos impostos e das contribu

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Nos tempos que correm, quem quer ser popular entre os agentes económicos tem de se manifestar contra as rotundas e o Euro 2004, invectivar a função pública, desprezar os projectos infra-estruturantes e abraçar o lóbi da redução dos impostos e das contribuições sociais. No rectângulo da nossa incultura florescem alegremente os clichés e o populismo seguidista de fachada científica. Se dúvidas razoáveis existem face à febre saloia das rotundas, que ninguém se iluda quanto à questão fiscal. Nos seus vinte e cinco anos de vida, a teoria da oferta nunca acertou.

Pelo contrário, revelou-se um autêntico flop mundial. Coisa de somenos, é certo, para os sectores mais conservadores e anti-Estado social, uma vez que só a utilidade política da causa lhes importa. Que se danem a evidência e a insustentabilidade da doutrina, desde que beneficiem os grupos de interesses mais influentes!

A teoria da oferta é uma doutrina singela e virtuosa, nascida no final dos anos setenta, que declara os impostos culpados da falta de incentivo ao trabalho, à poupança e ao investimento. É a alma mater do “choque fiscal” lusitano. Reconheça-se que a sua lógica é tão angélica quanto tentadora – a redução das taxas marginais desencadearia um tal crescimento do PIB que as contas públicas só poderiam melhorar. Mas a verdade é que os agentes económicos não se comportam desse modo ordeiro e parecem ignorar os fundamentos da teoria. Quanto à despesa pública, apesar dos esforços dos governos, os milagres não surgem – os proverbiais desperdícios mantêm-se ou não foram descobertos, enquanto as despesas com a educação, a saúde e a segurança social não param de subir, asfixiando as contas do Estado.

No seu mais recente artigo publicado no New York Times Magazine, Paul Krugman faz uma interessante viagem à história da teoria da oferta. Ronald Reagan foi o primeiro a querer experimentar a fórmula, em 1981, sem outros efeitos visíveis que não o agravamento dos défices orçamentais.

A situação das contas públicas degradou-se a tal ponto que o seu sucessor, G. Bush pai, teve de violar uma promessa eleitoral e aumentar os impostos. Bill Clinton voltou a aumentá-los e, para contrariar os teóricos da oferta, agravou as taxas marginais de tributação dos rendimentos mais elevados.

Ora, esta inflexão da política fiscal em nada perturbou o ambiente de optimismo e de forte crescimento económico da era Clinton. Com Bush filho, foi o regresso à escola reaganiana – dois desagravamentos fiscais, o primeiro em 2001 e o segundo já no corrente ano, beneficiando essencialmente os rendimentos mais elevados. Segundo o Tax Policy Center, 42 por cento da quebra de receitas fiscais beneficiou apenas um por cento dos lares, os mais ricos. Até agora, os efeitos sobre a economia foram nenhuns, mas as consequências sobre o défice federal (além da situação calamitosa das contas estaduais) foram avassaladoras.

A Europa não escapou ao surto de febre reducionista. A mesma fórmula, os mesmos resultados. A redução dos impostos levada a efeito por Chirac, tal como Jospin havia feito em 2000, mereceu recentemente o seguinte comentário irónico da revista The Economist: “O primeiro-ministro francês (?) acredita na necessidade de libertar o espírito empreendedor dos seus entraves. Assim, nada melhor do que favorecer os mais bem pagos: metade da quebra de receitas beneficiará os seis por cento de famílias mais ricas”.

Coube-nos agora a sorte de percorrer o caminho experimental da teoria da oferta. Como acontecera em França, há quatro anos atrás, o mainstream pensante português aderiu entusiasticamente à doutrina celestial. Cá como lá, esgrimem-se amigavelmente duas sensibilidades – uma mais à “direita”, pugnando por reduções de IRC em nome da “competitividade fiscal” e outra mais à “esquerda”, sugerindo desagravamentos da taxa social única.

Tal como considero insensata a tentativa de diminuir as contribuições sociais obrigatórias, não creio que as reduções de IRC agora avançadas na lei do orçamento de Estado surtam quaisquer efeitos sobre a economia portuguesa, mesmo que sejam implementadas de modo selectivo. A estrutura das receitas de IRC é bem conhecida: um pequeno número de (grandes) empresas é responsável pelo grosso da colecta. Ora, o que importa sobremaneira estimular é o universo das pequenas e médias empresas, para quem o IRC – pelas más razões, é certo – constitui um problema menor. O que desde já ficamos a saber é que as receitas do Estado vão ficar amputadas de cem milhões de euros, exactamente o custo previsto para a construção adiada da central de turbinagem reversiva em Pedrógão, factor essencial para a rendibilização da valência hidroeléctrica do Alqueva. São opções?

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