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15 de Abril de 2005 às 13:59

«Encerrado temporariamente por avaria no forno»

Em conversa com um antigo colega de escola, Ricardo toma conhecimento de que, por força de uns ajustamentos ao Plano Director Municipal (PDM), um terreno de Cascais deverá valorizar-se fortemente no espaço de poucos meses.

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Não querendo perder a oportunidade de ganhar uns dinheiros, lembra-se de Filipe, um velho amigo daquela zona, dono de uma riqueza invejável ganha com o suor de uma herança. Os amigos encontram-se e, com base no desprendimento do segundo e na fome do primeiro, não é preciso muito tempo para que o terreno adquira novo dono.

Nos meses seguintes, conjugando esforços com mais uns confrades, o terreno vai rodando de mão em mão até voltar às de Ricardo, sendo vendido a preços cada vez mais elevados que acabam por convencer (do seu valor) um avaliador imobiliário já de si meio corrupto.

Com base na avaliação do cediço, um Banco acaba por emprestar quantia equivalente a dez vezes o valor de compra inicial (provavelmente mais do que o terreno se valorizaria depois da alteração do PDM).

Com o dinheiro já guardado em sítio seguro, Ricardo passa vários dias a pensar sobre o que fazer com o terreno, até que tem uma ideia que virá, mais tarde, a revelar-se a ideia da sua vida: abrir um restaurante, uma pizaria, com o seu amigo de Cascais, dando aquele activo (o terreno) como entrada.

Confrontado com a ideia, Filipe ainda deu como alternativa a abertura de uma cadeia de lingerie, que apelidaria de Pink (se o deixassem), mas Ricardo conseguiu demovê-lo – da ideia e da marca -, quando, de forma astuta, lhe explicou que a seguir à loja de Cascais o crescimento se faria para Lisboa, sendo inevitável confrontar-se com a impossibilidade de abertura em Telheiras.

A sociedade constitui-se, com Ricardo a entrar com o terreno e Filipe com uma quantia equivalente ao valor que o Banco lhe atribuíra, ficando ambos com uma quota de 50% (o tipo de divisão que nunca se deve fazer).

Estando Filipe perfeitamente integrado no Jet Set nacional, não demorou muito para que a pizaria se tornasse um sucesso. Ricardo, que tratava do funcionamento e dinheiros da empresa, aproveitou essa euforia para ir adiantando uns lucros a ele próprio (parte deles canalizados para o pagamento do seu empréstimo).

O tempo foi passando, até que um dia, farto do cheiro a refogado e de ser o mouro de serviço, Ricardo resolve sair da sociedade, vendendo a sua quota a Filipe pelo dobro do valor atribuído ao terreno – aproveitando uma vez mais o desprendimento pecuniário do amigo, próprio de quem não teve que trabalhar para conseguir fortuna.

Contas feitas, Ricardo pagou o valor em dívida e ficou com um valor equivalente ao do terreno para investir de novo.

Quanto ao Restaurante, não levou muito tempo para que as dificuldades chegassem, com os empregados a aproveitarem-se das desatenções de Filipe.

Ao fim de um ano, o destino volta a reunir os dois amigos – desta feita, numa festa – e o nado rico volta a colocar-se nos dentes do tubarão, pedindo ajuda ao novo rico para recuperar o negócio que já fora de ambos e que agora se encontrava à beira da ruína.

Congeminando mais uma golpada, Ricardo compra novamente 50% da sociedade, quase falida, por um valor simbólico de 1 euro, e aconselha o amigo a investir as «poupanças» que lhe restam (e que serão emprestadas à sociedade) numa operação megalómana de compra de uma cadeia de Cash & Carry fornecedores da pizaria – uma fuga para a frente!

Nos tempos que se seguiram, Filipe foi igualmente aconselhado a pagar aos produtores (fornecedores dos Cash & Carry) a pronto, criando uma imagem de grande prosperidade – confirmada pelo Bentley T-Series estacionado à porta e o Rolex Yacht Master no pulso.

As encomendas aos produtores sucederam-se, aumentando de dimensão a cada nova colocação. Estes, que continuavam a receber a pronto (com a ajuda de alguns descobertos bancários), nem queriam acreditar na sorte que tinham em ter aqueles Cash & Carry como clientes. As mercadorias, essas, iam sendo escoadas a baixo preço por forma a assegurar a geração de dinheiro.

Certo dia, Ricardo colocou uma encomenda de dimensão anormalmente alta e convenceu os produtores a fornecerem a 60 dias, pois, afirmava, a empresa conhecia um crescimento exponencial! Completamente rendidos à capacidade financeira e seriedade de quem sempre lhes pagou a pronto e até apresentava sinais exteriores de riqueza, os produtores não hesitaram em fornecer a crédito um elevadíssimo volume de mercadorias, que, uma vez mais, foram escoadas para outros operadores a cerca de metade do preço de aquisição.

Ao ver tanto dinheiro nos cofres, fruto das tais vendas, Filipe voltou a acreditar na sua estrelinha e acabou por ceder às pressões de Ricardo que insistia em vender-lhe de novo a sua quota. Desta vez ao preço de metade do dinheiro que a sociedade tinha no banco e que era muito. A Columbus Prestigio escreveu um cheque de valor equivalente a dez vezes o valor (inflacionado) do terreno, isto é, cem vezes o valor da compra inicial!

Filipe só se apercebeu da situação financeira da empresa quando os fornecedores lhe bateram à porta, constatando, então, que os valores em dívida eram muito superiores ao dinheiro disponível no Banco. Ainda pensou seguir o conselho (mais um) do seu amigo, de pôr fogo ao armazém depois de retirar parte da mercadoria – para ver se o seguro engolia a tramóia e o reembolsava pelo valor das mercadorias compradas -, mas não teve coragem.

À porta da pizaria, simultaneamente sede da empresa – onde se podia ler num letreiro «Encerrado temporariamente por avaria no forno» – formavam-se ajuntamentos de pessoas que certamente não vinham para jantar.

O pedido de falência pareceu inevitável. Esperava-se que não fosse considerada fraudulenta...

A banhos no Brasil, Ricardo reflectia sobre a vida, concordando com a afirmação de que a maior riqueza da vida são os amigos – e depois os Bancos e os fornecedores (por esta ordem).

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