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Do populismo como Alzheimer civilizacional

O populismo é um fenómeno político relativamente recente, conhecido em maior detalhe através da história do século XX onde resultou nas grandes atrocidades dos fascismos e nacionalismos. Ideologia do povo pretensamente contra as elites instaladas e corrup

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Ideologia do povo pretensamente contra as elites instaladas e corruptas, não tem propriamente uma doutrina assumindo tanto posições de esquerda quanto de direita, de sensibilidade social e de favorecimento de interesses privados, de estatismo e antiestatismo. No essencial, o populismo trabalha sobre um conceito genérico de povo em nome do qual empreende um combate contra algumas elites, partidárias, políticas, económicas e nalguns casos contra os “outros”, os estrangeiros, determinadas etnias ou cores da pele. Há sempre um fundo de perseguição e discriminação no populismo, ou pelo menos na sua versão “soft” um espírito clubista e tribal do nós contra eles, e uma promessa de grandes vitórias.

Em termos práticos, a política populista consiste num dizer ao povo o que ele pensa que quer ouvir. Na democracia mediática em que hoje vivemos, o populismo, neste sentido de agradar ao povo, tornou-se num recurso vulgar de qualquer político independentemente do seu posicionamento ideológico. Os media, e em particular a televisão, geraram uma banalização do real e criaram um pano de fundo anti-intelectual que privilegia a frase curta, bombástica e demagógica e que muito estimula os discursos simplistas. Promovendo as poses mais do que as ideias e acima de tudo inviabilizando qualquer debate sério e uma verdadeira informação, o grande palco mediático da política actual favorece o psitacismo, que se define por uma repetição mecânica de palavras sem associação com ideias concretas. Patologia de que Santana Lopes é o caso clínico mais conhecido e por isso também o mais querido pelos media.

Mas o populismo actual tem ainda uma outra origem profunda. Ele representa uma reacção atávica ao mundo contemporâneo.

As mudanças, em particular as tecnológicas, sempre deixam um rasto de destruição. São as velhas profissões e actividades que de súbito se vêm atiradas para o caixote do obsoletismo, são os modos de vida que se alteram de um dia para o outro, são os vetustos hábitos que perdem espaço e sentido. Evolução e adaptação, na natureza e nas sociedades, são sempre lentas face a inesperadas alterações ambientais. E, tal como no mundo natural, também no universo social, sendo muitos os que conseguem beneficiar das novas condições, muitos outros há que não têm meios nem capacidades para se adaptarem em tempo útil. Num país, bastante isolado e atrasado como Portugal, o choque das rápidas e profundas transformações que se têm operado a nível tecnológico, na cultura, na economia e na configuração planetária tem deixado uma boa parte da população incapaz de reagir, quer por falta de meios, quer por falta de conhecimentos, quer ainda por deficiente preparação cívica e ética. Habituados a viver à sombra do Estado, que sempre distribuiu empregos, subsídios e fortunas, os portugueses resistem mal aos modelos impostos pelo norte da Europa que exigem iniciativa, competência e ambição. Habituados a viver no isolamento deste cantinho à beira mar plantado, os portugueses assustam-se com a invasão do mundo que lhes toma de assalto as principais empresas e mercados e lhes vende a preços estupidamente baratos a mesma baixa qualidade a que se habituaram durante décadas, mas que pelo menos eram produzidas nas nossas fabriquetas e não nas chinesas.

Habituados a imaginar folclore, chouriços, fado e futebol como colossais feitos desta pequena grande pátria, os portugueses reagem mal à nossa efectiva insignificância que se exprime, entre tanta outra coisa, por esse lugar cativo na cauda da Europa praticamente em todas as matérias.

Não admira portanto que neste contexto os discursos populistas vão ganhando força prometendo um eterno retorno a glórias arcaicas. Não admira também que num clima emocional mais do que racional, muita gente se queira a agarrar ao que julgam seguro, ou seja, a pátria, os bons velhos tempos, o mundo rural contra o mundo urbano, a religião, a anti-técnica e por aí fora.

Num tempo de incertezas provocadas por mudanças radicais em todos os domínios, o antigo aparece sempre como a melhor bóia de salvação. Mesmo que objectivamente seja o que garantirá um afogamento inevitável.

É neste contexto que deve ser vista a vitória de Luís Filipe Menezes. A juntar a Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras, Isaltino Morais, Manuel Alegre, Helena Roseta e Carmona Rodrigues, só para citar os mais conhecidos, estamos perante um movimento político inorgânico assente numa opinião pública desorientada que tenta a todo o custo resistir à realidade. Em nome de soberanias que já não existem, de fronteiras que se esfumaram, de tradições que se tornaram caducas, de identidades perdidas, de um mundo rural extinto, de redes de compadrio e corrupção que não têm mais lugar no plano internacional, de formalismos que impedem a inovação, de mentalidades que fomentam o atraso económico e cultural, todos estes políticos populistas iludem o povo e iludem-se a si mesmos com as mesmas caducas receitas de sempre da portugalidade e do seu isolamento. Este populismo nada de bom trará a Portugal. É uma espécie de Alzheimer civilizacional.

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