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06 de Novembro de 2006 às 13:59

Diz que é uma espécie de branqueamento

Como é seu hábito, o juiz Baltazar Garzón fez-se anunciar e a chegada da polícia que mandou aos balcões do BES e do BNP Paribas foi filmada quase em directo. Aos primeiros minutos, as acções caíram, as redacções enviaram equipas de reportagem e começaram

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A informação oficial era (e é ainda) pouca, o que gerou especulações. E várias reacções imediatas mostraram bem as nossas credulidades e até os nossos preconceitos.

A visão anti-banca: lemo-la e sobretudo ouvimo-la profusamente nos últimos dias, que os bancos trabalham nas margens da legalidade, aproveitam buracos legais e movimentam esferas de poder que lhes garantem lucros astronómicos.

A visão anti-Portugal: em Espanha é que as coisas funcionam, cá o Estado é fraco, a Justiça não funciona mesmo com trombetas de "Operação Furacão", o Banco de Portugal só olha para o lado de dentro do balcão, mas agora com o Garzón é que vão ser elas.

A visão anti-Espanha: se há evasão fiscal e branqueamento de capitais em todo o mundo, e em Espanha a economia paralela tem dimensão superior à portuguesa, só por ingenuidade se pode achar normal a ausência de bancos espanhóis nesta operação, tirando uma irrelevante corretora e uma desconhecida seguradora. Esta tese tem como corolário a visão conspirativa: os espanhóis já controlam o BPI, que pode por sua vez ser um Cavalo de Tróia para que eles venham a controlar também o BCP e era preciso arrumar as aspirações expansionistas do BES, que assim se vê de novo enxovalhado em investigações policiais.

Podemos portanto interpretar a realidade a partir dos nossos preconceitos, com a vantagem de que eles são ainda por cima populares. Pouco apraz mais um cidadão zangado com o País do que ver poderosos com nódoas no colarinho branco.

Só que isto não resolve nada.

A Operação Furacão, feita aos pinotes nos jornais, candidata-se a ser Operação Vergonha. Um ano depois de a sociedade ver uma polícia viril a entrar em quatro bancos como os cowboys entram à patada num saloon e cospem para a escarradeira, esses quatro bancos não são acusados do que quer que seja. O que significa que ou os bancos são inocentes, e nesse caso o alarido do Furacão foi despropositadamente vexatório; ou são culpados mas a investigação não soube ou não pôde reunir provas para acusá-los.

Quem quer sangue fica saciado às primeiras esguichadelas. Mas quem quer justiça tem de exigir mais do que delações ou insinuações ou detenções em directo. O branqueamento de capitais não tem combate em Portugal. A corrupção, diz João Cravinho, aprisiona o Estado. O financiamento dos partidos é um dos maiores cancros da nossa democracia. Mesmo a evasão fiscal, que tem tido luta nos últimos anos, não passa a prova de maioridade quando publica uma lista de devedores fiscais, que reúne um punhado de pequenos devedores mas deixa de fora os delinquentes responsáveis por 14 mil milhões de dívidas ao Fisco.

Muito mal vai o país em que a melhor arma contra o crime económico é o arremesso de suspeições, que nunca saberemos se são fundadas ou não, porque a investigação é estéril e a acusação inexistente. Um país mais motivado para a grei que para a lei. Que não sentencia culpados nos tribunais mas os delata a esmo na rua, manipulado pelos seus próprios preconceitos ou por quem os usa em seu favor. Portugal é um país assim, como amargamente reconhecemos no processo Casa Pia. Esperemos que Espanha não seja.

"Diz que é uma espécie de branqueamento" é um editorial de dia 6 de Novembro

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