Opinião
Dar com o nariz na Porta 65
Chama-se "Porta 65 Jovem", é conhecido como "apoio ao arrendamento jovem", foi publicado há dias e tornou-se uma piada trágico-cómica. Dela riem-se os que não precisam daqueles apoios; perante ela pasmam todos os que, precisando, não conseguem alcançar es
Chama-se "Porta 65 Jovem", é conhecido como "apoio ao arrendamento jovem", foi publicado há dias e tornou-se uma piada trágico-cómica. Dela riem-se os que não precisam daqueles apoios; perante ela pasmam todos os que, precisando, não conseguem alcançar esse apoio, que são... bem, praticamente todos.
"Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar." É isto que a Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 65º, a que a portaria agora publicada se foi inspirar para a sua própria identificação.
Mas se o nome é feliz, nada mais o é. Porque os subsídios têm regras tão inverosímeis e filtragens tão irrealistas que vão permitir que o Estado poupe mais do que previa com esta revisão: face aos apoios de 65 milhões dados em 2006 será facílimo reduzir para nova dotação de 12 milhões de euros por cada fase de candidatura. Provavelmente, nem a dúzia conseguirão adjudicar.
Basta olhar para os exemplos. Na jovem cidade de Braga, só há apoios para um T1 que seja arrendado até 180 euros por mês. Talvez o legislador nunca tenha ido a Braga, mas se fosse saberia que um quarto de estudante custa bastante mais do que isso. Só há duas hipóteses de cumprir o limite: ou o imóvel tem defeitos que o tornam impróprio para consumo, ou a renda declarada é falsa, com parte do pagamento feito debaixo de mesa.
Mas vamos a Lisboa, onde o apoio é o mais alto do País.
Na Capital, o subsídio máximo é de 340 euros para uma casa arrendada até 680 euros mensais, desde que se trate de um T4 ou T5 e que o arrendatário partilhe esse T4 com mais três a cinco pessoas ou o T5 com pelo menos mais seis inquilinos. Bom, como o secretário de Estado João Ferrão até trabalha em Lisboa, não serve a desculpa de que o legislador pode nunca ter ido à Capital. Talvez saia pouco do seu gabinete...
Mais valia o Governo lançar um concurso e entregá-lo à Santa Casa da Misericórdia. O concurso chamar-se-ia "Totorendas" e receberia o prémio quem encontrasse um T4 ou T5 em Lisboa por renda mensal inferior a 680 euros. O concurso seria um sucesso, até porque as probabilidades de encontrar o dito imóvel seriam quase as mesmas de acertar no Euromilhões.
Ironias à parte, é difícil encontrar razões para um diploma tão irreal. Sobram duas: ou os apoios ao arrendamento jovem são para acabar e não houve coragem para assumi-lo; ou quem se sentou atrás da folha de Excel vive noutro planeta. Se olharmos para a redução do orçamento para 12 milhões, pensaremos que é a primeira; se percebermos que nos pressupostos do cálculo das rendas se ponderou o "stock" de rendas do INE (que agrega milhares de rendas "pré-congeladas"), recearemos que será a segunda.
Este "Porta 65 Jovem" foi criado para pôr fim a abusos que antes existiam e limitar disfunções que foram detectadas a seu tempo pelo Tribunal de Contas. Mantendo o objectivo de promover a emancipação dos jovens e permitir-lhes sair de casa dos pais, a portaria quis abranger mais gente e ser mais selectiva. Dificilmente abrangerá mais gente, pelo menos nos grandes centros urbanos. Mas será com toda a certeza muito mais selectiva. Candidata-se mesmo a ser o subsídio mais selectivo do País. Até se contarão pelos dedos...