Opinião
João Borges de Assunção - Professor | Católica Lisbon School of Business & Economics | Universidade Católica Portuguesa
jba@ucp.pt
25 de Outubro de 2010 às 11:48
Crises financeiras
Esta semana fui assitir ao colóquio sobre a dívida pública organizado pela Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República.
Esta semana fui assitir ao colóquio sobre a dívida pública organizado pela Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República. Parabéns por esta iniciativa.
No evento participaram os mais conceituados especialistas portugueses, mas também académicos vindos de fora, com particular destaque para a presença do Prof. Kenneth Rogoff da Harvard University, que é co-responsável pela criação da maior base de dados mundial sobre crises financeiras.
Dentro da classificação de crise financeira cabem variados fenómenos como: crises bancárias, fortes desvalorizações cambiais, inflação elevada ou hiperinflação, e não pagamento total de dívida pública, quer a credores domésticos quer a credores internacionais.
Pela sua importância, e pelos elementos pedagógicos que encerram, creio que será útil tentar repetir em linguagem simples aquelas que para mim foram as principais mensagens.
A primeira mensagem que ouvi tem a ver com a normalidade do fenómeno. Desde pelo menos o ano de 1500 as crises financeiras têm sido comuns nas sociedades humanas.
Em segundo lugar a dificuldade de estabelecer uma relação directa entre algumas variáveis estruturais e a ocorrência das crises financeiras. Assim houve crises financeiras em repúblicas e monarquias, ditaduras e democracias, sob liderança política de governos de esquerda e de direita, países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Parece por isso ousado tentar estabelecer uma relação directa causal entre esses conceitos.
Alguns países, com destaque para a Grécia, têm estado sob uma situação de crise financeira durante metade da sua existência. Atestando a normalidade estatística do fenómeno.
Porém, para a maior parte dos países, a maioria dos anos são de tranquilidade macroeconómica. O que significa que os cidadãos não têm experiência de vida sobre o que fazer quando uma crise aparece. As crises financeiras são assim parecidas com as inundações dos leitos de cheia das ribeiras. Normalmente essas zonas não têm água, mas quando chove com intensidade e de forma prolongada, muitas pessoas perdem parte dos seus haveres e correm riscos de segurança pessoal. Para os especialistas, a ocorrência de cheias tem a normalidade suficiente para a sua ponderação ser incluída nos planos de ordenamento do território. Mas para os cidadãos são vistas como raras ("tenho 80 anos e nunca tinha visto tanta água aqui", é um testemunho comum na hora da tragédia).
Em terceiro lugar a existência de futuro depois das crises financeiras. Ou seja, todos os países, de uma forma ou outra ultrapassaram as crises. Não sem dor ou redução temporária de bem estar, mas todos sobreviveram ao processo.
Esta mensagem de normalidade, vinda de alguém de fora é reconfortante. Nomeadamente se contrastada com o catastrofismo ou medo de fim do mundo ou regime que domina por vezes o debate público nacional.
A normalidade histórica das crises financeiras não significa porém que não haja dor, sofrimento e um penoso processo de ajustamento que perdura no tempo, em todos os países vítimas do fenómeno.
Em termos estatísticos, e embora o pequeno número e a singularidade das situações tornem difícil interpretar médias, quase todas as crises financeiras severas tiveram consequências prolongadas nalgumas variáveis de grande relevância para a sociedade. Assim, a subida do desemprego pode ser muito significativa e ocorrer durante um período muito longo. O produto interno bruto per capita pode descer de forma pronunciada, embora normalmente com o mínimo a ser atingido relativamente depressa quando comparado com o agravamento do desemprego. E a valorização dos activos medida pela cotação das empresas em bolsa ou pelo valor do imobiliário tende também a descer de forma muito significativa e mais severa que o produto, mas durante um período de duração intermédia entre o desemprego e o produto.
A normalidade das crises financeiras vista com os olhos dos especialistas internacionais dá-lhes uma moderação de análise e proposta de acção que contrasta com os especialistas nacionais, naturalmente preocupados com as consequência brutais para a sociedade que os rodeia de recomendarem soluções imperfeitas.
Convém nesta altura relembrar que Portugal ainda não entrou em 2010 em qualquer crise financeira no sentido formal do conceito. As medidas previstas no Orçamento do Estado para 2011, porém, contêm já elementos do tipo de decisões que os países em severa crise financeira são forçados a tomar. É normal que, em Portugal, todos nos esforcemos por evitar uma crise financeira. Mas será igualmente sensato pensar que a probabilidade de uma crise financeira ocorrer é elevada. Nesta segunda perspectiva vale a pena tranquilizar a sociedade para o facto de que apesar do processo de ajustamento poder vir a ser doloroso e longo a situação acabará por se normalizar.
Houve sempre vida em Portugal depois das crises financeiras.
Professor da Universidade Católica Portuguesa
jba@fcee.ucp.pt
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No evento participaram os mais conceituados especialistas portugueses, mas também académicos vindos de fora, com particular destaque para a presença do Prof. Kenneth Rogoff da Harvard University, que é co-responsável pela criação da maior base de dados mundial sobre crises financeiras.
Pela sua importância, e pelos elementos pedagógicos que encerram, creio que será útil tentar repetir em linguagem simples aquelas que para mim foram as principais mensagens.
A primeira mensagem que ouvi tem a ver com a normalidade do fenómeno. Desde pelo menos o ano de 1500 as crises financeiras têm sido comuns nas sociedades humanas.
Em segundo lugar a dificuldade de estabelecer uma relação directa entre algumas variáveis estruturais e a ocorrência das crises financeiras. Assim houve crises financeiras em repúblicas e monarquias, ditaduras e democracias, sob liderança política de governos de esquerda e de direita, países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Parece por isso ousado tentar estabelecer uma relação directa causal entre esses conceitos.
Alguns países, com destaque para a Grécia, têm estado sob uma situação de crise financeira durante metade da sua existência. Atestando a normalidade estatística do fenómeno.
Porém, para a maior parte dos países, a maioria dos anos são de tranquilidade macroeconómica. O que significa que os cidadãos não têm experiência de vida sobre o que fazer quando uma crise aparece. As crises financeiras são assim parecidas com as inundações dos leitos de cheia das ribeiras. Normalmente essas zonas não têm água, mas quando chove com intensidade e de forma prolongada, muitas pessoas perdem parte dos seus haveres e correm riscos de segurança pessoal. Para os especialistas, a ocorrência de cheias tem a normalidade suficiente para a sua ponderação ser incluída nos planos de ordenamento do território. Mas para os cidadãos são vistas como raras ("tenho 80 anos e nunca tinha visto tanta água aqui", é um testemunho comum na hora da tragédia).
Em terceiro lugar a existência de futuro depois das crises financeiras. Ou seja, todos os países, de uma forma ou outra ultrapassaram as crises. Não sem dor ou redução temporária de bem estar, mas todos sobreviveram ao processo.
Esta mensagem de normalidade, vinda de alguém de fora é reconfortante. Nomeadamente se contrastada com o catastrofismo ou medo de fim do mundo ou regime que domina por vezes o debate público nacional.
A normalidade histórica das crises financeiras não significa porém que não haja dor, sofrimento e um penoso processo de ajustamento que perdura no tempo, em todos os países vítimas do fenómeno.
Em termos estatísticos, e embora o pequeno número e a singularidade das situações tornem difícil interpretar médias, quase todas as crises financeiras severas tiveram consequências prolongadas nalgumas variáveis de grande relevância para a sociedade. Assim, a subida do desemprego pode ser muito significativa e ocorrer durante um período muito longo. O produto interno bruto per capita pode descer de forma pronunciada, embora normalmente com o mínimo a ser atingido relativamente depressa quando comparado com o agravamento do desemprego. E a valorização dos activos medida pela cotação das empresas em bolsa ou pelo valor do imobiliário tende também a descer de forma muito significativa e mais severa que o produto, mas durante um período de duração intermédia entre o desemprego e o produto.
A normalidade das crises financeiras vista com os olhos dos especialistas internacionais dá-lhes uma moderação de análise e proposta de acção que contrasta com os especialistas nacionais, naturalmente preocupados com as consequência brutais para a sociedade que os rodeia de recomendarem soluções imperfeitas.
Convém nesta altura relembrar que Portugal ainda não entrou em 2010 em qualquer crise financeira no sentido formal do conceito. As medidas previstas no Orçamento do Estado para 2011, porém, contêm já elementos do tipo de decisões que os países em severa crise financeira são forçados a tomar. É normal que, em Portugal, todos nos esforcemos por evitar uma crise financeira. Mas será igualmente sensato pensar que a probabilidade de uma crise financeira ocorrer é elevada. Nesta segunda perspectiva vale a pena tranquilizar a sociedade para o facto de que apesar do processo de ajustamento poder vir a ser doloroso e longo a situação acabará por se normalizar.
Houve sempre vida em Portugal depois das crises financeiras.
Professor da Universidade Católica Portuguesa
jba@fcee.ucp.pt
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