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Coisas estúpidas

Vivemos numa sociedade de muita opinião, muita controvérsia, muitas ideias discordantes. E ainda bem.

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Vivemos numa sociedade de muita opinião, muita controvérsia, muitas ideias discordantes. E ainda bem. Mas é frequente surgirem atitudes que ultrapassam a disputa ideológica ou a diferença de perspetiva e não são mais do que mera estupidez. Escolhi três exemplos recentes.

Rui Rio surgiu em cena como um daqueles políticos que aparecem para "pôr ordem na casa", conquistando de imediato a adesão popular e o apreço dos que gostam de autoritarismo. Na Câmara do Porto investiu contra funcionários calaceiros e alguma corrupção, enquanto na cidade, para além de enfrentar o poderoso Futebol Clube do Porto, se dedicou com particular agressividade a combater a cultura e os seus vícios. Muita gente aplaudiu.

Ao despejar brutalmente a chamada Escola da Fontinha, Rui Rio não cometeu só um erro político motivado pela sua intolerância ideológica. A coisa foi bastante estúpida. E porquê?
Porque fazendo carreira no populismo mostrou as garras contra o povo. A Escola fica num bairro pobre onde faltam atividades e apoios. A Escola fornecia um serviço importante para a comunidade tomando conta de crianças e jovens, ocupando idosos e gente desamparada. Mas pior. Rui Rio não parece entender o que é uma cidade moderna. Que não se faz só de prédios, centros comerciais, ruas e normas, mas necessita de lugares de encontro livre, solidário e criativo. Pelo menos desde a década de 70 que por essa Europa fora são muitas as cidades que cedem edifícios abandonados a jovens e cidadãos de forma a garantir alguma coesão social. O oposto é o ócio, a droga e a delinquência. É isso que Rui Rio quer? Se é, terá.

Não menos estúpida foi a condenação recente a pena de prisão de um jovem por partilhar três músicas na Internet. Estupidez que não cabe tanto ao juiz que mais não fez do que cumprir a lei. Ainda que lhe tenha faltado algum bom senso. A estupidez está, por inteira, na lei.

Esta tendência de tudo criminalizar gera as maiores perversidades. Veja-se o caso da droga que ao passar do experimentalismo lúdico dos anos 60, para caso de polícia, gerou o crime organizado que hoje mina todas as sociedades desenvolvidas.

Quanto mais se criminaliza a droga, mais o crime aumenta. Será que também aqui é isto que se pretende com a partilha de música na Internet? Vamos transformar a maioria dos jovens em criminosos?

Mas é o caso de Alan Turing que, esta semana, ganha o grande prémio da estupidez. Poucas pessoas saberão quem foi Turing. E, no entanto, a ele devemos o nosso modo de vida, esta nossa sociedade das máquinas e da informação.

Alan Turing nasceu em Londres a 23 de Junho de 1912. Cedo se interessa por lógica matemática. Conheceu, estudou e partilhou conhecimentos com Bertrand Russell, John von Neumann e Ludwig Wittgenstein. A ele se deve, entre tantas outras coisas, a redefinição do conceito de algoritmo, hoje profusamente usado em cálculos, processos e máquinas. Em 1936 cria a chamada "Turing Machine" que está na base dos computadores modernos.

Apanhado na II Grande Guerra, trabalha no departamento de Criptoanálise em Bletchley Park, centro que procurava decifrar as mensagens encriptadas pela máquina Enigma dos alemães. O papel de Turing é decisivo e reconhecido, dando assim um contributo essencial para o desfecho da Guerra.

Nos anos seguintes, então famoso no meio académico e muito apreciado, Turing continua o trabalho, sendo notáveis e pioneiros os seus textos sobre Inteligência Artificial.
Sucede que Alan Turing era homossexual. Em 1952 é preso, julgado e condenado à castração química. Para além da humilhação, o processo é cruel e causa inúmeros efeitos secundários como perda de cabelo, feminização e osteoporose.

A 8 de Junho de 1954 suicida-se com uma maçã com cianeto.

Mas a história não acaba aqui. Após uma campanha pública, Gordon Brown aceita pedir desculpa pelo tratamento que foi dado a Alan Turing e propõe que seja concedido um perdão oficial. Agora, no ano em que se comemora o centenário do seu nascimento, David Cameron, o atual primeiro-ministro inglês, vem dizer que não há lugar a nenhum perdão porque, à época, era proibido ser homossexual. Haverá atitude mais estúpida?



Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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