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Carolina Michaëlis: Para Onde Vamos?!...

Volto hoje a escrever sobre Educação, depois do texto de há quinze dias em que abordei a polémica entre Professores e Ministério da Educação. Resolvi fazê-lo porque, a esta altura – escrevo este texto no fim-de-semana de Páscoa –, ainda estou em estado de

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Volto hoje a escrever sobre Educação, depois do texto de há quinze dias em que abordei a polémica entre Professores e Ministério da Educação. Resolvi fazê-lo porque, a esta altura – escrevo este texto no fim-de-semana de Páscoa –, ainda estou em estado de choque com o sucedido há duas semanas atrás na Escola Secundária Carolina Michaëlis, no Porto, e que nos devia fazer reflectir a todos sobre a sociedade em que vivemos (ou em que nos estamos a transformar), que país queremos e qual o caminho que estamos a seguir.

Graças à filmagem de um aluno (através do seu telemóvel) e ao famoso "site" YouTube (onde o vídeo foi colocado), pudemos ver na televisão o que se passou numa aula de Francês do 9.º ano de escolaridade (o último ano do Ensino Básico): uma aluna agrediu a professora pelo facto de não ter concordado que esta lhe tenha retirado o telemóvel – com o qual estaria, certamente, a perturbar o normal funcionamento da aula (e onde a sua utilização é, aliás, proibida).

Na verdadeira luta havida entre estudante e professora, ouve-se por diversas vezes "dá-me o telemóvel, já!" e "dá-me o telemóvel!", expressões proferidas pela aluna numa inacreditável gritaria (e sim, é verdade – imagine-se!... –, tratando a professora por "tu"!). Perante este cenário, já de si chocante, ouve-se os risos do resto da turma, divertida com o que estava a acontecer. Só passado algum tempo os outros alunos resolvem intervir para tentar separar professora e aluna, sendo que, durante a disputa, a professora tenta chegar à porta para pedir ajuda mas é impedida pela aluna (cujo físico, mais possante, lhe conferia vantagem). Em determinada altura, ouve-se um dos alunos dizer "a velha vai cair" (sim, é verdade, com a professora presente!...). Pouco tempo depois a reportagem acaba e, por tudo o que me foi dado ver, fiquei com a percepção de que a aluna conseguiu, pela força, reaver o seu telemóvel.

Não é preciso muito para percebermos que o que se passou na Escola Carolina Michaëlis é extremamente grave. E o pior é que todos temos a noção de que, como outros professores entretanto já confirmaram, este não é um acontecimento tão isolado assim. Nem sequer me estou a referir aos casos, de que com alguma frequência ouvimos falar, de actos que ocorrem em escolas implantadas em zonas consideradas mais problemáticas, perpetrados por estudantes que as frequentam. Até porque essas escolas, fruto da sua natureza, são, tanto quanto sei, objecto de uma maior vigilância e protecção em relação a um estabelecimento de ensino dito "normal". Não.

O problema, do meu ponto de vista, é estrutural: creio que hoje se terá perdido, em grande parte, a noção de que, a seguir à instituição "família", as instituições "escola" e "professor" são as mais importantes na construção de uma sociedade desenvolvida, equilibrada e onde o respeito, a consideração e a educação sejam, de facto, valores colocados em prática. Os professores, seja no Ensino Básico, Secundário ou Universitário, são alguém que, tal como os pais, nos prepara para a vida, nos confere ensinamentos e práticas essenciais – cabendo, portanto, aos pais, a tarefa de incutir nos filhos o respeito que devem a um professor.

Recordo-me de, algumas vezes, nos meus tempos de estudante, me ter queixado de professores aos meus pais. Pois bem: nem por uma vez me foi dada razão! Em algumas dessas situações os meus pais deslocaram-se à escola para saber como ia o meu rendimento, como me estava a portar, etc. Quer dizer: por mais que eu achasse que tinha razão (e naquela altura achava), nunca os meus pais ma deram! Não creio que tenham feito mal (ainda que na altura me tenham certamente desiludido): este foi também um meio pelo qual me apercebi de que o professor mandava de facto, de que tinha autoridade e o melhor que eu tinha a fazer era obedecer. Aliás, apesar de quando estudei não existirem telemóveis (como o tempo passa!...), olhando para o que se sucedeu há duas semanas atrás, se eu fosse o aluno e o meu telemóvel importunasse a aula (porque, por exemplo, me tinha esquecido de o colocar em silêncio ou de o desligar), pediria imediatamente desculpa pelo sucedido e garantiria que não voltava a acontecer. Se o telemóvel me fosse confiscado, paciência: reavê-lo-ia no fim da aula? Nem outra forma de agir, aliás, me passaria pela cabeça!

O caso agora divulgado revela toda a falta de respeito e consideração que hoje se tem na sociedade pela figura do professor. Será tolerável que uma aluna trate a professora por "tu", como vimos neste caso?!... E que tente, recorrendo à violência, obter algo que a professora justamente lhe havia retirado (o telemóvel)? Ou que outro aluno trate a professora – presente – por "velha"?! É que não conheço ninguém que, enquanto aluno, não tenha caracterizado algum professor com expressões, digamos, "menos recomendáveis" – mas tal não sucedeu, certamente, na sua presença?

Acontece que, hoje, muitos pais defendem sempre os seus filhos? contra os professores, por vezes de forma muito pouco educativa. Prevenir que situações como a da Escola Carolina Michaëlis deixem de acontecer é, pois, e desde logo, uma responsabilidade das famílias (que tem a ver com a educação, com os valores a incutir nas crianças), mas é também uma responsabilidade do Ministério da Educação que nos últimos tempos tem contribuído para denegrir a imagem e a força da figura do professor. Dois exemplos elucidativos: os professores têm, sem dúvida, de ser avaliados, como acontece em todas as outras profissões, mas não com o modelo burocrático, centralizado e em-algumas-etapas-sem-sentido que foi proposto por este Governo (como há duas semanas escrevi) e que em nada tem contribuído para elevar as relações entre docentes e Ministério, nem a imagem dos professores na sociedade. E convenhamos: não é o novo Estatuto do Aluno, onde se torna a reprovação por faltas praticamente impossível (e que é, portanto, um verdadeiro convite à falta e ao "gazetismo"), que contribuirá para devolver à figura do professor a autoridade que se foi progressivamente perdendo e que é imperioso que lhe seja devolvida.

É claro que existirão sempre excepções e para elas, não pode haver contemplações: os alunos devem ser exemplarmente punidos e corrigidos, quer pela escola, quer, sobretudo, pelos pais (claro que não me refiro a punições físicas, não – ainda que pense que as então famosas "reguadas" que apanhei na escola primária não me tivessem sido nada prejudiciais, muito pelo contrário). Neste caso, a escola poderá adoptar a punição mais elevada – que, ao que sei, passa pela expulsão e transferência da estudante para outro estabelecimento de ensino. Em casa, impedir a utilização do telemóvel durante um (longo) período será, certamente, numa época em que os telemóveis são encarados como fundamentais, um castigo que a aluna não esquecerá...

Agora, se a impunidade for a regra, então, caro leitor, estamos mesmo perdidos, porque esta jovem aluna de hoje pertencerá à força de trabalho de amanhã. Que atitude terá no seu local de trabalho? Será responsável? O que fará se for chamada à atenção pelo seu chefe? Será mal-criada ou violenta? E se ela for chefe, como exercerá a sua autoridade? Se já se percebeu onde quero chegar, não é verdade? Os nossos procedimentos enquanto crescemos são fundamentais para o que seremos enquanto adultos: o que aprendemos na escola hoje é o que faremos profissionalmente amanhã; e um país em que os seus habitantes não têm noção nem das regras, nem da responsabilidade, nem reconhecem a autoridade, nunca será economicamente desenvolvido nem socialmente equilibrado e justo, estando, assim, condenado ao fracasso. Todos devíamos, pois, ponderar muito no caso conhecido da Carolina Michaëlis. Para, ao menos, nos interrogarmos: para onde vamos?!...

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