Opinião
Carlos Moedas: Portugal depende das decisões que seremos capazes de tomar
Interrogo-me se Portugal alguma vez dependeu da sorte. É verdade que somos provavelmente o único país de dez milhões de habitantes com uma projeção verdadeiramente mundial.
Fala-se português nos quatro cantos do mundo. Encontramos vestígios antigos da passagem histórica de portugueses pelo mundo. E não me refiro apenas a património edificado, mas também a tradições e hábitos que sobrevivem até aos nossos dias. Encontramos hoje doces de ovos na Tailândia e pão de ló no Japão – não é preciso explicar mais. Mas a globalização portuguesa não é apenas passado histórico. Temos hoje comunidades espalhadas pelo mundo, bem enraizadas e integradas, e que mantêm ao mesmo tempo uma firme identidade nacional.
O Portugal que somos hoje, dentro das fronteiras e além delas, não é fruto do acaso, é o produto do nosso passado. E contudo, temos hoje grandes desafios pela frente: o maior de todos é provavelmente a criação de crescimento e emprego de forma sustentável.
A estratégia da Comissão Europeia neste domínio baseia-se no "triângulo virtuoso" de reformas estruturais, investimento e responsabilidade orçamental. Portugal deve continuar a trabalhar nestas três áreas-chave, criando condições que favoreçam o crescimento e o emprego.
Quanto a reformas estruturais, muito tem sido feito. Penso, por exemplo, no facto de Portugal ser um dos poucos países da Europa onde se pode criar uma empresa num dia. O novo programa Simplex é também positivo, por fazer face aos encargos administrativos e regulamentares que constituem inevitavelmente entraves ao desenvolvimento económico. É importante que este esforço continue em domínios tão diferentes como o sistema de saúde, a segurança social, a administração fiscal, o sistema judicial ou o mercado do arrendamento urbano. Claro que seria injusto dar a entender que não têm sido feitos esforços nestas e noutras áreas, mas é fundamental adquirir o hábito de avaliar o impacto das reformas e de promover um constante aperfeiçoamento em áreas estratégicas.
A Comissão procura também constantemente novas oportunidades no mercado interno para o crescimento das empresas e o benefício dos consumidores. Assim, têm sido lançadas iniciativas no âmbito do chamado Mercado Único Digital, para ultrapassar as barreiras no acesso online a bens e serviços – um pouco à semelhança do que se faz no mercado interno "físico". A Comissão calcula que há aqui um enorme potencial para a economia europeia, que se cifra em cerca de 400 mil milhões de euros por ano, com a consequente criação de emprego.
Uma palavra ainda para o terceiro vértice do triângulo, o rigor orçamental. Conheço bem a dificuldade de consolidar as finanças públicas numa época de fragilidade económica, e sei também que têm sido feitos esforços consideráveis neste domínio. Portugal está inserido numa União Económica e Monetária, com uma política monetária e um Banco Central. É fundamental que seja seguida uma política orçamental responsável, não só para assegurar o cumprimento das regras, mas também, desde logo, para garantir a reputação internacional do nosso país, cuja perda seria catastrófica para a economia real.
Fernando Pessoa escreveu: "As coisas que a Sorte deu/Levou-as ela consigo,/Mas as coisas que sou eu/Guardei-as todas comigo."
Portugal não depende da sorte. Depende do trabalho dedicado desta geração de portugueses; depende das decisões que seremos capazes de tomar; depende do país que seremos capazes de deixar aos nossos filhos. A sorte da próxima geração somos nós.
Membro da Comissão Europeia responsável pela Investigação, Ciência e Inovação