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31 de Maio de 2016 às 00:01

Carlos Moedas: Portugal depende das decisões que seremos capazes de tomar

Interrogo-me se Portugal alguma vez dependeu da sorte. É verdade que somos provavelmente o único país de dez milhões de habitantes com uma projeção verdadeiramente mundial.

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Fala-se português nos quatro cantos do mundo. Encontramos vestígios antigos da passagem histórica de portugueses pelo mundo. E não me refiro apenas a património edificado, mas também a tradições e hábitos que sobrevivem até aos nossos dias. Encontramos hoje doces de ovos na Tailândia e pão de ló no Japão – não é preciso explicar mais. Mas a globalização portuguesa não é apenas passado histórico. Temos hoje comunidades espalhadas pelo mundo, bem enraizadas e integradas, e que mantêm ao mesmo tempo uma firme identidade nacional. 

O Portugal que somos hoje, dentro das fronteiras e além delas, não é fruto do acaso, é o produto do nosso passado. E contudo, temos hoje grandes desafios pela frente: o maior de todos é provavelmente a criação de crescimento e emprego de forma sustentável.

A estratégia da Comissão Europeia neste domínio baseia-se no "triângulo virtuoso" de reformas estruturais, investimento e responsabilidade orçamental. Portugal deve continuar a trabalhar nestas três áreas-chave, criando condições que favoreçam o crescimento e o emprego.

Quanto a reformas estruturais, muito tem sido feito. Penso, por exemplo, no facto de Portugal ser um dos poucos países da Europa onde se pode criar uma empresa num dia. O novo programa Simplex é também positivo, por fazer face aos encargos administrativos e regulamentares que constituem inevitavelmente entraves ao desenvolvimento económico. É importante que este esforço continue em domínios tão diferentes como o sistema de saúde, a segurança social, a administração fiscal, o sistema judicial ou o mercado do arrendamento urbano. Claro que seria injusto dar a entender que não têm sido feitos esforços nestas e noutras áreas, mas é fundamental adquirir o hábito de avaliar o impacto das reformas e de promover um constante aperfeiçoamento em áreas estratégicas.

O segundo vértice do triângulo virtuoso é o investimento. Durante a crise económica, a quebra do investimento em Portugal foi muito elevada. Os fundos europeus deverão constituir um apoio importante ao investimento, já que, no âmbito da política de coesão, está previsto que Portugal beneficie de cerca de 25,6 mil milhões de euros durante o período 2014-2020. Mas, além da coesão, a Comissão criou recentemente o Fundo Europeu para os Investimentos Estratégicos, o chamado EFSI. O objetivo é mobilizar o financiamento privado para investimentos estratégicos – e fazer com que o dinheiro chegue à economia real. Desde o seu lançamento, no ano passado, o EFSI já mobilizou 81 mil milhões de euros para projetos em 25 países, incluindo Portugal.

A Comissão procura também constantemente novas oportunidades no mercado interno para o crescimento das empresas e o benefício dos consumidores. Assim, têm sido lançadas iniciativas no âmbito do chamado Mercado Único Digital, para ultrapassar as barreiras no acesso online a bens e serviços – um pouco à semelhança do que se faz no mercado interno "físico". A Comissão calcula que há aqui um enorme potencial para a economia europeia, que se cifra em cerca de 400 mil milhões de euros por ano, com a consequente criação de emprego.

Uma palavra ainda para o terceiro vértice do triângulo, o rigor orçamental. Conheço bem a dificuldade de consolidar as finanças públicas numa época de fragilidade económica, e sei também que têm sido feitos esforços consideráveis neste domínio. Portugal está inserido numa União Económica e Monetária, com uma política monetária e um Banco Central. É fundamental que seja seguida uma política orçamental responsável, não só para assegurar o cumprimento das regras, mas também, desde logo, para garantir a reputação internacional do nosso país, cuja perda seria catastrófica para a economia real. 

Fernando Pessoa escreveu: "As coisas que a Sorte deu/Levou-as ela consigo,/Mas as coisas que sou eu/Guardei-as todas comigo."
Portugal não depende da sorte. Depende do trabalho dedicado desta geração de portugueses; depende das decisões que seremos capazes de tomar; depende do país que seremos capazes de deixar aos nossos filhos. A sorte da próxima geração somos nós. 


Membro da Comissão Europeia responsável pela Investigação, Ciência e Inovação

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