Opinião
Bolívia: uma nacionalização arriscada
O presidente Evo Morales concretizou a prometida nacionalização do gás e do petróleo bolivianos, mas ao impor condições excessivas aos investidores estrangeiros arrisca-se a um braço de ferro que poderá sair-lhe muito caro.
O presidente Evo Morales concretizou a prometida nacionalização do gás e do petróleo bolivianos, mas ao impor condições excessivas aos investidores estrangeiros arrisca-se a um braço de ferro que poderá sair-lhe muito caro.
O decreto presidencial, cujos termos precisos ainda não são totalmente conhecidos, obriga as empresas estrangeiras a entregar a totalidade da produção de petróleo e gás à companhia estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos e a renegociar os contratos no prazo máximo de seis meses. A empresa estatal boliviana passará a controlar a comercialização de hidrocarbonetos, estabelecendo as condições, volumes de vendas e preços para os mercados interno e externo.
O estado boliviano assumirá a maioria do capital accionista, à semelhança do modelo de empresas mistas seguido por Hugo Chávez na Venezuela. La Paz pretende, ainda, realizar auditorias às petrolíferas estrangeiras para determinar os reais custos de investimentos, amortizações, de operação e a rentabilidade das empresas.
As companhias que exploram as duas jazidas com maior capacidade de produção, neste caso a brasileira Petrobras e a espanhola Repsol, deverão entregar ao estado 82 por cento do valor gerado nestas explorações, em vez dos 50 por cento estabelecidos o ano passado. A empresa estatal pagará nos restantes casos 50 por cento do valor da produção às companhias estrangeiras que ficarão relegadas para o estatuto de operadoras.
A assunção pelo estado da propriedade dos hidrocarbonetos privatizados em 1996 é o prelúdio a medidas do mesmo teor para todos os recursos naturais, segundo afirmou Morales, que promete a próxima repartição de terras, sobretudo no leste do país onde prospera o cultivo de soja.
As vendas de gás e petróleo cifraram-se em 1,3 mil milhões de dólares no ano passado, o equivalente a metade das exportações bolivianas e neste braço de ferro do governo de La Paz com as companhias estrangeiras, 26 no total, Morales não conta com trunfos fortes.
Morales não dispõe de uma significativa quota de mercado num sector estratégico, como é o caso de Hugo Chávez com o petróleo, já que a Bolívia apesar de possuir as segundas maiores reservas de gás natural da América Latina - 1,38 mil milhões de metros cúbicos - não se conta sequer entre os vinte maiores produtores mundiais e tem um peso exclusivamente regional.
O estado boliviano não conta com meios financeiros, nem humanos para investir e gerir o sector cuja exploração começou apenas em 1994 e a aliada Venezuela não está em condições de prover técnicos ainda que possa, no imediato, fornecer ajuda financeira de emergência no caso de um redução importante das operações das empresas estrangeiras.
Investimento em queda. O investimento estrangeiro no sector energético cifra-se em 3,5 mil milhões de dólares, mas está em queda devido à instabilidade política. Os dois grandes parceiros negociais são a Repsol, com quase mil milhões de euros de investimentos desde 1995, e a Petrobras.
Ora, desde a eleição de Morales, em Dezembro último, a Petrobras suspendeu um plano de investimentos de 5 mil milhões de dólares e a Repsol projectos no montante de 476 milhões de dólares.
Enquanto eram aguardados os termos da nacionalização outros planos para o sector energético foram postos de lado, como a hipótese de venda de gás boliviano ao Chile - reavivando-se, paralelamente, o diferendo sobre os territórios da costa do Pacífico perdidos por La Paz, em 1884 - sem que esteja sequer definido o programa de tratamento industrial e distribuição de gás para o mercado interno.
A empresa brasileira com investimentos um pouco superiores ao da companhia espanhola controla as duas refinarias bolivianas que produzem a totalidade da gasolina do país e 70 por cento do diesel. Coube, ainda, à Petrobras o investimento adicional de 2 mil milhões de dólares no gasoduto que aprovisiona presentemente cerca de 60 por cento do gás natural consumido no mercado brasileiro: 25 milhões de metros cúbicos/dia. A Petrobras é, assim, a maior empresa da Bolívia, gerando entre 19 por cento do PIB e a atitude negativa do governo brasileiro, com Lula empenhado na reeleição presidencial, vai obrigar Evo Morales a ceder e baixar as expectativas com consequências políticas imprevisíveis.
O trunfo com que conta o líder aymara resume-se ao cálculo de que nenhum investidor estrangeiro está interessado em perder o acesso às reservas de gás e petróleo na Bolívia. A Repsol é a mais companhia mais exposta pois, apesar de ter revisto em Janeiro, em baixa as suas reservas provadas de gás na Bolívia, estas ainda representam 18 por cento do total das reservas da empresa espanhola. No entanto, apesar de ter investido quase mil milhões de euros na Bolívia as operações da Repsol no país contribuíram apenas para 3 por cento dos resultados líquidos no ano passado.
O gás e petróleo boliviano representam muito menos em termos de reservas provadas para os restantes grandes investidores: 4 por cento para a Bristish Gas, 2,8 por cento para a Petrobas e menos de 1 por cento para a BP e a Total.
Assim sendo, as probabilidades dos investidores brasileiros e espanhóis recusarem as condições de Morales são bastante fortes, tanto mais que nenhum concorrente está em condições de se lhes substituir a curto prazo.
Depois de ter mobilizado a maioria índia com um programa indigenista e nacionalista, Morales não se pode arriscar a baixar as expectativas sob risco de a Bolívia reverter à crise política e institucional dos últimos anos e não serão nem a legalização do cultivo da coca, nem a parceria com a Venezuela e Cuba na Alternativa Bolivariana das Américas a oferecer uma saída em caso de um eventual fracasso no braço de ferro com as companhias estrangeiras.