Opinião
As bactérias e a saúde da economia
A brutalidade da crise que agora nos atinge e o doloroso apertão de cinto a que todos seremos forçados são um forte estímulo à reflexão. O que correu mal? O que fazer para que as medidas de austeridade sejam efectivamente transitórias? Quando ocorrerá a nova crise...
A brutalidade da crise que agora nos atinge e o doloroso apertão de cinto a que todos seremos forçados são um forte estímulo à reflexão. O que correu mal? O que fazer para que as medidas de austeridade sejam efectivamente transitórias? Quando ocorrerá a nova crise económico-financeira? Que regras de funcionamento devem ser mudadas? Que sistema queremos? Quem manda no planeta?
No imediato, não há lugar a pedidos de desculpas, porque todos têm a sua dose de pecado. A banca e o sistema financeiro, porque usaram e abusaram do seu poder de mercado, da ganância dos agentes e das lamentáveis lacunas da supervisão. O Estado, porque ao longo de décadas foi negligente nos gastos, imprudente na gestão do futuro e ineficiente na prestação de serviços. As famílias, porque na sua maioria cederam ao consumismo, abdicando da poupança, crentes numa espiral de bem-estar.
Recapitulemos. A actual crise económico-financeira desencadeia-se a partir dos Estados Unidos com o rebentamento da bolha do "subprime" (excesso de crédito hipotecário concedido pela banca + risco elevado + ganância dos agentes de mercado + desinformação dos consumidores), a que se sucede a falência do banco Lehman Brothers. A partir daí, a grande velocidade, a crise invade a Europa, pondo a nu as fragilidades do seu sistema bancário, o descontrolo das contas públicas de alguns países e a ausência de mecanismos europeus de solidariedade financeira para a defesa da sua moeda e dos momentos mais difíceis dos seus Estados-membros.
A primeira resposta dos europeus ao ciclone foi salvar a banca - na verdade, a que menos merecia ser salva, como os casos BPN e BPP ilustram -, lançar programas apressados de ajuda social e ressuscitar artificialmente Keynes, proclamando o investimento público como o remédio seguro contra a descrença e a inacção dos investidores privados. Durante algumas semanas, a receita parecia poder funcionar. Mas eis que, mais rapidamente do que se poderia supor, a mão invisível regressa em força e com ela os seus agentes mais cruéis - os mercados financeiros e as suas bactérias assassinas (as agências de "rating"). Como na natureza, quando recuperam do seu torpor, estão mais fortes.
A contaminação alastra a uma velocidade estonteante, começando por atingir os membros de estrutura económica mais débil e que nunca tinham prestado muita atenção à saúde das suas contas - a Irlanda e a Grécia primeiro, todo o Clube Med depois. O perigo de contágio a outros - Reino Unido, Bélgica ou a própria França - é iminente. A coesão da Zona Euro fica em perigo, impondo-se medidas drásticas aos membros mais afectados. O que se seguiu foi uma injecção cavalar de antibióticos, cujos efeitos estamos ainda longe de poder antecipar. E eis-nos chegados à austeridade.
O lado positivo de todas as doenças é permitir-nos cair na real. Para já, e por mais que nos custe, temos de pôr todas as considerações filosóficas de lado e passar à acção. O combate tem de ser encarado em quatro frentes simultâneas: aumento da carga fiscal, redução da despesa pública corrente, aumento da taxa de poupança e reforço da competitividade da economia portuguesa. O drama é que não existem antibióticos de tão largo espectro - em teoria, os que são eficazes para diminuir o défice provocam efeitos secundários na poupança e no investimento. No doseamento e na persistência terapêutica estará, pois, a chave do problema. O que todos queremos é debelar o mal, de preferência no prazo de um ano e meio.
Outro lado positivo é a possibilidade de confrontarmos posologias. Não há, entre os especialistas, duas opiniões coincidentes sobre as taxas de IRS, do IRC ou do IVA, sobre os cortes prioritários na despesa pública, sobre as medidas e os instrumentos de estímulo à poupança e, muito menos, sobre o que fazer para reforçar a competitividade da nossa economia. Pela minha parte, não deixarei de contribuir para a discussão.
PS. - Comecei por escrever este artigo segundo o novo acordo ortográfico, que defendo. Mas não me senti bem. Fica para mais tarde.
Economista
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No imediato, não há lugar a pedidos de desculpas, porque todos têm a sua dose de pecado. A banca e o sistema financeiro, porque usaram e abusaram do seu poder de mercado, da ganância dos agentes e das lamentáveis lacunas da supervisão. O Estado, porque ao longo de décadas foi negligente nos gastos, imprudente na gestão do futuro e ineficiente na prestação de serviços. As famílias, porque na sua maioria cederam ao consumismo, abdicando da poupança, crentes numa espiral de bem-estar.
A primeira resposta dos europeus ao ciclone foi salvar a banca - na verdade, a que menos merecia ser salva, como os casos BPN e BPP ilustram -, lançar programas apressados de ajuda social e ressuscitar artificialmente Keynes, proclamando o investimento público como o remédio seguro contra a descrença e a inacção dos investidores privados. Durante algumas semanas, a receita parecia poder funcionar. Mas eis que, mais rapidamente do que se poderia supor, a mão invisível regressa em força e com ela os seus agentes mais cruéis - os mercados financeiros e as suas bactérias assassinas (as agências de "rating"). Como na natureza, quando recuperam do seu torpor, estão mais fortes.
A contaminação alastra a uma velocidade estonteante, começando por atingir os membros de estrutura económica mais débil e que nunca tinham prestado muita atenção à saúde das suas contas - a Irlanda e a Grécia primeiro, todo o Clube Med depois. O perigo de contágio a outros - Reino Unido, Bélgica ou a própria França - é iminente. A coesão da Zona Euro fica em perigo, impondo-se medidas drásticas aos membros mais afectados. O que se seguiu foi uma injecção cavalar de antibióticos, cujos efeitos estamos ainda longe de poder antecipar. E eis-nos chegados à austeridade.
O lado positivo de todas as doenças é permitir-nos cair na real. Para já, e por mais que nos custe, temos de pôr todas as considerações filosóficas de lado e passar à acção. O combate tem de ser encarado em quatro frentes simultâneas: aumento da carga fiscal, redução da despesa pública corrente, aumento da taxa de poupança e reforço da competitividade da economia portuguesa. O drama é que não existem antibióticos de tão largo espectro - em teoria, os que são eficazes para diminuir o défice provocam efeitos secundários na poupança e no investimento. No doseamento e na persistência terapêutica estará, pois, a chave do problema. O que todos queremos é debelar o mal, de preferência no prazo de um ano e meio.
Outro lado positivo é a possibilidade de confrontarmos posologias. Não há, entre os especialistas, duas opiniões coincidentes sobre as taxas de IRS, do IRC ou do IVA, sobre os cortes prioritários na despesa pública, sobre as medidas e os instrumentos de estímulo à poupança e, muito menos, sobre o que fazer para reforçar a competitividade da nossa economia. Pela minha parte, não deixarei de contribuir para a discussão.
PS. - Comecei por escrever este artigo segundo o novo acordo ortográfico, que defendo. Mas não me senti bem. Fica para mais tarde.
Economista
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