Opinião
A transição pós nuclear
O desastre de Fukushima em Março de 2011 recordou o mundo, 25 anos após Chernobyl, que a energia nuclear é tudo menos limpa, segura e barata. Infelizmente, foi preciso ocorrer outra catástrofe nuclear para lançar um novo debate sobre a energia nuclear.
O desastre de Fukushima em Março de 2011 recordou o mundo, 25 anos após Chernobyl, que a energia nuclear é tudo menos limpa, segura e barata. Infelizmente, foi preciso ocorrer outra catástrofe nuclear para lançar um novo debate sobre a energia nuclear.
Em Junho de 2011, a decisão da Alemanha de eliminar, até 2020, a energia nuclear provocou a irritação entre os seus vizinhos pró-nucleares. Outros países europeus têm ainda de indicar se vão seguir o exemplo alemão; é difícil para as apoiantes da energia nuclear imaginarem um mundo onde esta não tem lugar. O futuro ecológico e económico da Europa, no entanto, depende da crescente oposição a esta tecnologia de longo prazo. Em Itália, por exemplo, um referendo recente mostrou que a maioria da população é contra a energia nuclear.
Na Alemanha, a ideia da eliminação gradual da energia nuclear tem ganho apoiantes desde o acidente de Chernobyl. Nas últimas décadas, os activistas anti-nuclear, em conjunto com os seus representantes políticos no Partido dos Verdes, conseguiram mobilizar inúmeros protestos. Em 2000, a crescente pressão política conseguiu que o governo chegasse a acordo com as companhias energéticas para limitar o ciclo de vida das centrais para 32 anos.
A coligação governamental de Angela Merkel eliminou o acordo em 2010 mas o acidente de Fukushima forçou-a a reconsiderar – e a acabar permanentemente com a utilização da energia nuclear. A política energética da Alemanha depende agora, mais uma vez, do desenvolvimento de fontes de energia renovável. A Lei sobre fontes de energia renovável, introduzida em 2000 por um governo social-democrata, permitiu que o país excedesse todas as expectativas de crescimento no sector das energias alternativas. Estas representam, actualmente, cerca de 20% do total de electricidade consumida na Alemanha.
Mas, enquanto a Alemanha segue agora na direcção correcta, os riscos associados à energia nuclear permanecem nos países vizinhos, como a França e a República Checa. Os actuais testes de stress às centrais nucleares são um primeiro passo mas, enquanto forem voluntários e estiverem nas mãos dos operadores, não serão mais do que uma estratégia política. Por exemplo, não existe nenhum plano para testar os principais riscos das 143 centrais nucleares que existem na União Europeia, como um ataque terrorista ou a queda de um avião.
No caso das energias renováveis, o argumento económico é igualmente convincente. A energia nuclear é uma tecnologia antiquada que necessita de milhões de euros em subsídios. Até agora, os contribuintes germânicos contribuíram com 196 mil milhões de euros. Um estudo do governo alemã estima, que entre 2010 e 2050, a Alemanha poderá poupar mais de 700 mil milhões de euros se apostar em energias alternativas, em detrimento das energias nuclear e dos combustíveis fósseis, como carvão, gás, e petróleo.
A expansão da produção de energias renováveis tem também um impacto positivo no crescimento económico. Ao longo da última década, foram criados 370 mil postos de trabalho neste sector e as exportações de tecnologias ligadas às energias renováveis têm crescido rapidamente, totalizando cerca de 30 mil milhões de euros entre 2006 e 2008.
Ao mesmo tempo, seria errado assumir que os combustíveis fósseis, em especial o carvão, são fontes de energia sustentáveis e rentáveis. Em primeiro lugar, o aumento da dependência dos combustíveis fósseis choca de frente com as metas definidas no Protocolo de Quioto, em 1997, para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e com os próprios objectivos ambientais da União Europeia. Além disso, os custos com os combustíveis fósseis registam elevadas flutuações que dependem dos preços do petróleo e a natureza centralizada das fontes de energia nuclear e do carvão geram problemas de distribuição.
A última década tem mostrado que o aumento da produção de energia renovável reduz os seus custos. A energia eólica já é competitiva face às centrais eléctricas convencionais, enquanto o aumento dos preços do gás e do carvão e a queda constante dos custos das energias renováveis significam que, dentro de alguns anos, os combustíveis fósseis vão ser ainda menos atractivos. Além disso, as receitas da energia doméstica tendem a permanecer onde são geradas, enquanto a factura da importação dos combustíveis fósseis é eliminada.
Tudo isto pode ser feito sem ter de suportar o imenso risco (e custos) de uma catástrofe nuclear. De facto, a ideia de um "renascimento do nuclear" é um mito. Os acidentes nucleares, a oposição da opinião pública, e os elevados custos de capital já provocaram uma queda drástica do investimento na energia nuclear. Nos Estados Unidos, o não à energia nuclear é apoiado desde os finais dos anos 70.
Na Europa, o número de centrais nucleares tem vindo a diminuir, à medida que as velhas centrais são desactivadas e a opinião pública, mesmo em países que, tradicionalmente, são a favor do nuclear, como a França, começa a mudar: cerca de dois terços dos franceses acreditam que a energia nuclear é um impedimento ao desenvolvimento das energias renováveis. Em Itália, mais de 90% dos eleitores rejeitaram a proposta de Silvio Berlusconi de voltar a apostar da energia nuclear. E, recentemente, o governo japonês anunciou a intenção de encerrar, de forma faseada, as suas centrais nucleares.
É preciso fazer mais para acelerar a transição pós nuclear. Actualmente, a União Europeia investe mais dinheiro em pesquisa sobre a energia nuclear do que em outras fontes de energia. O financiamento em captura e armazenagem de carbono e em energias renováveis é superior ao das energias renováveis. As próximas negociações sobre o orçamento europeu para 2014-2020 são uma oportunidade para mudar de rumo e cortar o financiamento a mega projectos pouco promissores como o International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER) no sul de França.
Mudar para fontes de energias renováveis vai exigir um enorme esforço e um grande investimento em infra-estruturas. A existência de linhas de transmissão de alta tensão entre a União Europeia e de centros de armazenagem serão cruciais para superar a procura de energia, bem como a descentralização das redes de distribuição e um maior investimento na conservação de energia.
Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
Em Junho de 2011, a decisão da Alemanha de eliminar, até 2020, a energia nuclear provocou a irritação entre os seus vizinhos pró-nucleares. Outros países europeus têm ainda de indicar se vão seguir o exemplo alemão; é difícil para as apoiantes da energia nuclear imaginarem um mundo onde esta não tem lugar. O futuro ecológico e económico da Europa, no entanto, depende da crescente oposição a esta tecnologia de longo prazo. Em Itália, por exemplo, um referendo recente mostrou que a maioria da população é contra a energia nuclear.
A coligação governamental de Angela Merkel eliminou o acordo em 2010 mas o acidente de Fukushima forçou-a a reconsiderar – e a acabar permanentemente com a utilização da energia nuclear. A política energética da Alemanha depende agora, mais uma vez, do desenvolvimento de fontes de energia renovável. A Lei sobre fontes de energia renovável, introduzida em 2000 por um governo social-democrata, permitiu que o país excedesse todas as expectativas de crescimento no sector das energias alternativas. Estas representam, actualmente, cerca de 20% do total de electricidade consumida na Alemanha.
Mas, enquanto a Alemanha segue agora na direcção correcta, os riscos associados à energia nuclear permanecem nos países vizinhos, como a França e a República Checa. Os actuais testes de stress às centrais nucleares são um primeiro passo mas, enquanto forem voluntários e estiverem nas mãos dos operadores, não serão mais do que uma estratégia política. Por exemplo, não existe nenhum plano para testar os principais riscos das 143 centrais nucleares que existem na União Europeia, como um ataque terrorista ou a queda de um avião.
No caso das energias renováveis, o argumento económico é igualmente convincente. A energia nuclear é uma tecnologia antiquada que necessita de milhões de euros em subsídios. Até agora, os contribuintes germânicos contribuíram com 196 mil milhões de euros. Um estudo do governo alemã estima, que entre 2010 e 2050, a Alemanha poderá poupar mais de 700 mil milhões de euros se apostar em energias alternativas, em detrimento das energias nuclear e dos combustíveis fósseis, como carvão, gás, e petróleo.
A expansão da produção de energias renováveis tem também um impacto positivo no crescimento económico. Ao longo da última década, foram criados 370 mil postos de trabalho neste sector e as exportações de tecnologias ligadas às energias renováveis têm crescido rapidamente, totalizando cerca de 30 mil milhões de euros entre 2006 e 2008.
Ao mesmo tempo, seria errado assumir que os combustíveis fósseis, em especial o carvão, são fontes de energia sustentáveis e rentáveis. Em primeiro lugar, o aumento da dependência dos combustíveis fósseis choca de frente com as metas definidas no Protocolo de Quioto, em 1997, para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e com os próprios objectivos ambientais da União Europeia. Além disso, os custos com os combustíveis fósseis registam elevadas flutuações que dependem dos preços do petróleo e a natureza centralizada das fontes de energia nuclear e do carvão geram problemas de distribuição.
A última década tem mostrado que o aumento da produção de energia renovável reduz os seus custos. A energia eólica já é competitiva face às centrais eléctricas convencionais, enquanto o aumento dos preços do gás e do carvão e a queda constante dos custos das energias renováveis significam que, dentro de alguns anos, os combustíveis fósseis vão ser ainda menos atractivos. Além disso, as receitas da energia doméstica tendem a permanecer onde são geradas, enquanto a factura da importação dos combustíveis fósseis é eliminada.
Tudo isto pode ser feito sem ter de suportar o imenso risco (e custos) de uma catástrofe nuclear. De facto, a ideia de um "renascimento do nuclear" é um mito. Os acidentes nucleares, a oposição da opinião pública, e os elevados custos de capital já provocaram uma queda drástica do investimento na energia nuclear. Nos Estados Unidos, o não à energia nuclear é apoiado desde os finais dos anos 70.
Na Europa, o número de centrais nucleares tem vindo a diminuir, à medida que as velhas centrais são desactivadas e a opinião pública, mesmo em países que, tradicionalmente, são a favor do nuclear, como a França, começa a mudar: cerca de dois terços dos franceses acreditam que a energia nuclear é um impedimento ao desenvolvimento das energias renováveis. Em Itália, mais de 90% dos eleitores rejeitaram a proposta de Silvio Berlusconi de voltar a apostar da energia nuclear. E, recentemente, o governo japonês anunciou a intenção de encerrar, de forma faseada, as suas centrais nucleares.
É preciso fazer mais para acelerar a transição pós nuclear. Actualmente, a União Europeia investe mais dinheiro em pesquisa sobre a energia nuclear do que em outras fontes de energia. O financiamento em captura e armazenagem de carbono e em energias renováveis é superior ao das energias renováveis. As próximas negociações sobre o orçamento europeu para 2014-2020 são uma oportunidade para mudar de rumo e cortar o financiamento a mega projectos pouco promissores como o International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER) no sul de França.
Mudar para fontes de energias renováveis vai exigir um enorme esforço e um grande investimento em infra-estruturas. A existência de linhas de transmissão de alta tensão entre a União Europeia e de centros de armazenagem serão cruciais para superar a procura de energia, bem como a descentralização das redes de distribuição e um maior investimento na conservação de energia.
Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
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12.03.2012