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05 de Junho de 2009 às 12:01

A tentação fiscal

O Governo aprovou, no último Conselho de Ministros, uma Proposta-de-Lei que visa criar um regime de tributação integral das importâncias recebidas por administradores, gestores e gerentes de empresas portuguesas em consequência de...

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O Governo aprovou, no último Conselho de Ministros, uma Proposta-de-Lei que visa criar um regime de tributação integral das importâncias recebidas por administradores, gestores e gerentes de empresas portuguesas em consequência de cessação de funções ou da rescisão de um contrato antes do seu termo. Se o Parlamento aprovar esta Proposta, não só os administradores portugueses sofrerão um aumento significativo da carga fiscal sobre aqueles rendimentos, como as próprias empresas passarão a estar sujeitas a uma tributação autónoma sobre os respectivos encargos suportados. Esta iniciativa legislativa merece dois breves comentários. Um de política fiscal, outro de ordem constitucional.

Comecemos pelo primeiro. Sob o pretexto de combater as causas da actual crise financeira, o Governo pretende utilizar o sistema fiscal para punir e castigar os administradores de empresas portuguesas. Eleitos como um dos factores determinantes para a actual recessão, os gestores são sancionados, pela via fiscal, com o agravamento da tributação sobre as indemnizações a que têm direito em virtude de contratos validamente celebrados. A natureza sancionatória dos impostos não constitui uma novidade. No passado, o confisco sempre teve como finalidade dominante infligir um mal ao agente violador da ordem jurídica. Infelizmente, esta tendência parece estar a ganhar novos adeptos, suportados por doutrinas neo-keynesianas muito em moda.

Acresce que a Proposta-de-Lei tem ainda por finalidade expressa "garantir que sejam aplicados os princípios de uma boa política de remuneração das categorias profissionais cuja actividade tenha um impacto determinante na definição dos objectivos operacionais e estratégicos das empresas." O Estado, pela via fiscal, parece pretender intervir activamente na gestão das políticas de remuneração das empresas, incluindo as do sector privado, condicionando os pacotes remuneratórios de uma determinada classe profissional. É a própria iniciativa económica privada, traduzida na liberdade das empresas de adoptarem políticas de remuneração que melhor correspondam à sua natureza e necessidades, que poderá ser posta em causa com esta intromissão de um Estado cada vez mais omnipresente na vida económica.

Mas o que mais espanta é a aparente desconformidade desta iniciativa legislativa com princípios há muito consagrados na ordem constitucional portuguesa. A Constituição garante que os impostos estão sujeitos aos princípios da generalidade, da igualdade tributária e da não discriminação. São regras equivalentes às dos direitos fundamentais e que se traduzem numa limitação expressa da actividade tributária do Estado. Isto significa que a tributação não pode discriminar qualquer profissão ou sector de actividade, devendo a matéria colectável ser tributada sem atenção à fonte de onde provem e tendo apenas em consideração a capacidade contributiva de cada sujeito passivo. Neste sentido, e no que diz respeito às indemnizações por cessação de funções, será assim constitucionalmente admissível que um administrador, só pelo facto de o ser, pague mais IRS do que o director geral da mesma empresa para iguais rendimentos líquidos? Tendo em conta a reserva de lei em matéria fiscal, o Parlamento terá ainda uma palavra a dizer sobre esta matéria. Caso o não faça, competirá posteriormente aos tribunais - Tribunal Constitucional incluído - julgar sobre esta discriminação fiscal evidente.
Seguindo uma tendência dos últimos anos, esta iniciativa traduz-se em mais um aumento da carga fiscal, neste caso direccionado exclusivamente para os rendimentos auferidos pelos gestores. O antigo primeiro-ministro inglês, Winston Churchill, costumava dizer que nunca nenhuma nação se tinha tributado a si própria até à prosperidade. Passados mais de 50 anos, parece que esta mensagem ainda não foi totalmente apreendida em Portugal.


Sócio do Dep. Fiscal da Garrigues

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